Torres Vedras

A casa da roda dos expostos de Torres Vedras

01.09.2016

Desde os tempos medievais, um dos mais graves problemas sociais que atingiam as crianças era o seu frequente abandono, sobretudo nos casos de uma total rutura no relacionamento entre pais e filhos, efetuada através da exposição em espaço público. Tornados expostos, perdiam a possibilidade de virem a reconhecer a identidade dos seus progenitores, sendo esta uma prática familiar e tolerada, crescente desde o século XIII no meio urbano, devido, sobretudo, à pobreza dos pais, à débil saúde de muitos recém-nascidos e, ainda, ao seu nascimento ilegítimo. No mesmo contexto, surgiram instituições de assistência urbana, para acolhimento e sustento dos meninos enjeitados, de que é exemplo o Hospital dos Meninos de Lisboa, o mais antigo Hospital dos Meninos, fundado por D. Beatriz, mulher de Afonso III.

Em vez de reduzir, o problema aumentara ao longo dos séculos seguintes, apesar da legislação peninsular procurar punir e interditar os pais da prática do abandono dos filhos. Em Portugal, uma nova conceção assistencial, moderna, levaria à criação das Rodas em muitas misericórdias, financiadas pelas câmaras municipais, de que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa foi pioneira. As Ordenações Manuelinas (1521) e as Filipinas (1603) assacavam às câmaras municipais o custo de criação dos enjeitados nos seus concelhos, quando aí não existisse “uma casa em que haja um lugar onde se possam expor as crianças sem que se conheça quem as leva”, o que por ordem da Intendência Geral da Polícia, de 10 de maio de 1783, se obrigava a erigir em todas as vilas do Reino, cabendo às câmaras municipais e aos “povos que lhe deram o ser” o financiamento das despesas com a guarda e o sustento das crianças aí expostas.

A câmara de Torres Vedras não criaria de imediato a Roda dos Expostos, continuando a encaminhar os expostos, em canastras, para a “Roda dos Enjeitados da Corte” no Hospital Real, na cidade de Lisboa. A decisão da criação da Casa da Roda na vila foi tomada em vereação, de 24 de maio de 1788, sob a presidência do juiz de fora, o Dr. José da Cunha Fialho, em virtude do “dezemparo em que se achavam os mezaraveis expostos que frequentemente apareciam as portas e ruas desta villa, achando-se alguns em çitios taes que com facelidade podiam ser cometidos de animaes pellas oras das noutes em que erão achados, sendo o motivo do imcomodo destes inuçentes a falta do Etabeleçimento de Roda”. Teria por Rodeira, a ama Luísa Caetana de Miranda, instalando-se a Roda na sua casa de morada, contígua à igreja de São Tiago, “rua que acharão ser remota para semelhante fim cuja roda ficase de forma tal que bem se podese lançar as crianças expostas ficando logo ao pe desta huma campainha para por ella se chamar a dita rodeira”. Nesse mesmo ano, acolheria os primeiros expostos. Todavia, a sua primitiva instalação não reunia as condições mínimas para as crianças enjeitadas, tendo mudado, cerca de 1814, para uma casa sobradada, também nas imediações de São Tiago, instalações “em bom sitio, bem arejadas e reparadas por vidraças, com huma ama efectiva de leite, e outra sêca, que serve a Casa, com os berços necessários ao numero de crianças, que costumão entrar, provido tudo de roupas necessárias e com o aumento do salário das amas passando de 1.200 réis a 1.600 réis”.


Carlos Guardado da Silva

Última atualização: 14.08.2019 - 10:28 horas
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