Torres Vedras

Henrique Chaves

01.07.2022

É de Torres Vedras e foi aos 7 anos que começou a sentir o “bichinho” das corridas. Ao lado de Miguel Ramos, venceu o International GT Open, em 2020, e a Sprint Cup da categoria Pro-Am do GT World Challenge, em 2021.

Aos 25 anos teve uma estreia inesquecível nas 24 Horas Le Mans, sagrando-se campeão na categoria GTE Am. A [Torres Vedras] esteve à conversa com Henrique Chaves.

 

Como é que os desportos motorizados entraram na sua vida?

Começou tinha eu talvez 7 anos. Tinha um amigo na escola que o avô tinha um kartódromo, fizemos uma festa de anos e fomos dar umas voltas, brincar um pouco. Ainda karts muito pequeninos, tínhamos 7 anos. Depois, mais tarde, consegui angariar uma modesta quantia para comprar um pequeno kart para mim, com a ajuda dos meus dois avós e do meu pai. E no Bombarral, todos os fins de semana parávamos e dizíamos “vamos dar umas voltitas”. Sábado, domingo ou até os dois dias íamos dar umas voltas e foi aí que começou o “bichinho” das corridas.

 

Como encara o automobilismo? Considera-se uma pessoa competitiva?

Muito, muito. Trabalho sempre para ganhar. Sempre que me sento no carro é com o objetivo de ser o mais rápido, de ser o melhor e de conseguir a vitória no final. Obviamente, por vezes, não é assim. E já me disseram várias vezes: este desporto não é como o futebol, por exemplo, em que ganhamos muitas vezes. Aqui perde-se mais do que se ganha. Portanto é complicado gerir. […] Consegui, felizmente, aprender a perder e hoje consigo gerir melhor as minhas emoções e lutar mais saudavelmente por vitórias.

 

Antes de começar a prova, quando está dentro do carro, o que é que sente?

Depende das provas. Há provas que têm um peso maior, digamos assim, e às vezes há aquele “nervoso miudinho”. Mas assim que ligo o motor tudo isso desaparece, estou na minha zona de conforto. Vou fazer aquilo que gosto e que quero fazer o resto da minha vida e, portanto, tudo isso desaparece. Mas lá está, depende muito de corrida para corrida. […]

 

Este ano, nas Asian Le Mans Series, foi uma estreia em vários campos: com a sua equipa, a TF Sport, também com o carro, o Aston Martin GT 3, e com a dupla de pilotos que o acompanha. Como foi essa experiência?

Foi uma oportunidade que quase caiu do céu. A equipa ligou-me e disseram para fazermos as Asian Le Mans Series [ALMS] como preparação para as European Le Mans Series [ELMS]. […] Foi um primeiro impacto com o carro, também com a equipa, com os meus dois companheiros de equipa das ELMS. Foi importante para conhecer todas as pessoas, para me ambientar ao carro, perceber os seus segredos… E isso foi muito importante para começar e para ter a temporada que estou a ter hoje.

Todo o apoio que tive desde Portugal, também apoio local, com vários portugueses a deslocarem-se a Le Mans. Foi uma corrida muito importante para mim.

 

Entretanto foi chamado a correr no Campeonato do Mundo de Resistência, também conhecido como WEC. E aqui é incontornável falarmos na grande estreia e na grande vitória nas 24 Horas de Le Mans. Agora que já passaram alguns dias, como é que olha para esta conquista?

[… ] A certa altura duvidámos que podíamos ganhar, porque a qualificação não correu assim tão bem. Mas verdade é que estou aqui hoje e conseguimos ganhar, de facto, aquela corrida. Eu consegui à estreia, os meus companheiros de equipa à oitava tentativa. É uma corrida super difícil de se ganhar, mas conseguimos com um excelente trabalho de equipa. O trabalho fantástico por parte dos meus dois companheiros. E todo o apoio que tive desde Portugal, também apoio local, com vários portugueses a deslocarem-se a Le Mans. Foi uma corrida muito importante para mim.

 

Como é que se gere um carro, uma equipa, durante todo aquele tempo?

Até à bandeira de xadrez, a equipa chegou lá duas semanas antes (…) Mas a preparação, no fundo, foi “revisionar” o carro peça a peça, ver que nada falha. Porque são 24 horas em que o carro tem de aguentar. É muita hora e sempre a fundo. Portanto é preciso o carro estar nas melhores condições possíveis. A equipa treina muito os pit stops [paragem durante a corrida na área das boxes], porque neste campeonato faz-se o reabastecimento e só depois se troca de pneus. A preparação como piloto é física, é mental. Treinar também em simulador, que eu fiz bastante porque era uma pista nova para mim. […] Para além disso tínhamos um spotter [membro da equipa que informa sobre a situação da corrida] e dois fisioterapeutas que nos ajudavam sempre. […] Todos esses pequenos elementos fazem diferença para um resultado como este.

 

Além do WEC está também no GT World Challenge e nas ELMS… Serão quantas corridas durante este ano?

Muitas. [risos] São muitas corridas, muitas viagens. Vão ser à volta de 21 corridas este ano. A mais curta tem 3 horas, duas têm 24 horas, portanto são campeonatos muito longos e requer muita preparação. Mas faço o que gosto, quero continuar a fazer. E se continuar a correr bem como está a correr este ano, acho que pode ser bom no futuro.

Qual é o seu circuito favorito?

Essa é uma pergunta muito difícil […] Portimão, Sebring [EUA] e Mónaco no top 3. A ordem já é um pouco difícil, mas são estes os três circuitos que adoro.

 

A última prova das ELMS este ano é, precisamente, em Portimão.

Exatamente. Vai ser acabar em casa. Já tive oportunidade de o fazer em 2018, também acabou em Portimão. Não consegui acabar a corrida porque tivemos um acidente. Mas este ano tenciono acabar a corrida e espero chegar a Portimão na luta pelo título, isso seria fantástico. Mas se não acontecer, vamos tentar lutar pela vitória, garantidamente.

  

Falámos há pouco, relativamente às ALMS, sobre a estreia com o Aston Martin GT 3. Depois esteve com o McLaren, agora com o GT E. Como é a adaptação a carros diferentes?

É difícil. Requer alguma habituação. Admito que o simulador ajuda. Porque o estilo de condução é diferente, são carros completamente diferentes. O McLaren, por exemplo, tem o ABS que nos ajuda nas travagens, o GTE não tem ABS. [risos] Tive uma história quando saí do McLaren para o Aston Martin, travei na primeira curva e bloqueei logo as rodas. […] Como é normal, nós conhecemos os dois carros, portanto é só uma questão de nos mentalizarmos que a condução é assim, vamos mudar o chip para isso.

 

E de que mais desfruta nas corridas?

Da viagem. Desde que saio de casa até voltar. Todo esse processo: desde chegar aos treinos, falar com a equipa, trabalhar com todos os pilotos. Porque eu corro em categorias Pro-Am, ou seja, categorias com pilotos amadores. Tentar fazer com que esses pilotos melhorem, que eles se sintam confortáveis. Tudo isso é algo que me dá prazer neste mundo. […] Depois toda a corrida, todos os treinos, os convívios… Todas as relações que se criam é algo que este desporto me trouxe e que me deixa bastante feliz.

 

O seu objetivo é ser piloto profissional?

Sim.

 

Qual é o maior desafio neste momento?

[suspiro] Como português, se calhar não é a profissão mais fácil. […] É preciso dinheiro inicial que nem toda a gente tem. Eu corri com muitos pilotos no kart que tinham todo o talento para chegar onde estou neste momento, mas por motivos financeiros não conseguiram. […] É preciso trabalhar muito e eu trabalho todos os dias para ser melhor. No simulador, no ginásio, tudo isso é necessário. Mas depois também é preciso estar no sítio certo, à hora certa. Ter aquela oportunidade e agarrá-la. Eu ainda não sou profissional, ambiciono ser e vou continuar a trabalhar para isso. Mas nada me garante isso e é um mundo muito incerto. Hoje posso ser profissional, amanhã posso não ser. Portanto é mesmo preciso ter ambição, querer e trabalhar, como disse.

 

São já vários títulos no palmarés... Tendo em conta as dificuldade e as conquistas que têm vindo a surgir, como é que olha para o futuro?

Eu quero olhar como um futuro risonho. Sou sempre aquela pessoa muito positiva que acredita que as coisas vão correr bem. […] Mas felizmente os meus pais são pessoas inteligentes e que me disseram “este mundo é difícil, nem toda a gente consegue, portanto acaba a escola, tira um curso.” E felizmente consegui tirar um curso, tirei Gestão. Portanto tenho formação e se isto por acaso não funcionar, tenho um backup plan [plano extra]. Sempre disse com alguma piada que tenho um curso que espero nunca utilizar. Obviamente que há coisas que aprendi que me ajudam no mundo das corridas. Mas espero não a utilizar. Gosto das corridas, quero fazer disto a minha vida. Mas é preciso trabalho e é preciso sorte. E é nisso que trabalho diariamente.

Além de correr, que mais gosta de fazer?

Estamos aqui no Campo Grande e até há pouco tempo vivia aqui e gostava de vir para aqui correr. […] Gosto de correr, gosto de ar livre, gosto de passear aqui. Tem ali os campos de padel, por vezes vou lá jogar com os meus amigos e divirto-me um pouco. Gosto muito de estar com os meus amigos e de ver futebol. Por vezes jogo golf com o meu irmão. Também é algo de que gosto, estou naquele mundo verde, não há barulho de carros, estamos ali quatro horas sozinhos […]

Eu adoro Torres Vedras. Praticamente toda a minha família vive lá ainda. É uma cidade fantástica, pacata, mas está perto de Lisboa.

 

No calendário creio que se seguem Hungaroring e Monza, mas o Henrique é de Torres Vedras… Como é que olha para o Concelho?

Eu adoro Torres Vedras. Praticamente toda a minha família vive lá ainda. É uma cidade fantástica, pacata, mas está perto de Lisboa.[…] Vivia no campo e adorava o silêncio, poder sair e não haver todo aquele ruído que há, por exemplo, em Lisboa. É uma cidade de que gosto muito. Aprecio muito o Carnaval, é daqueles momentos em que há pessoas de todo o país a ir a Torres Vedras. E é com orgulho que sou torriense e que represento as cores de Torres Vedras além-fronteiras.

 

Quer deixar alguma mensagem aos torrienses?

Se houver algum piloto que seja torriense e que ambicione chegar ao topo do automobilismo, Fórmula 1, seja aquilo que for, que não perca essa ambição e trabalhe para isso. Eu sei que é difícil, mas com trabalho tudo se alcança. E no fundo é essa a palavra que eu deixo, não só aos torrienses mas a qualquer pessoa que tenha essa ambição de ser piloto. Que trabalhe e que eventualmente esse dia vai chegar.

Quando: 23 de junho
Onde: Jardim Mário Soares, Lisboa

Entrevista: Rita Santos
Fotografia: Susana Batista
Imagens de arquivo cedidas por Henrique Chaves

Última atualização: 23.03.2023 - 14:15 horas
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