Torres Vedras

Luís Correia

01.01.2019

Vestido verde, peruca loira e chapéu na cabeça. Não é preciso dizer mais nada. Estamos a falar de Corneta, bem conhecido de todos os torrienses. Mas nesta edição, é com Luís Correia, o homem por trás da máscara, que estamos à conversa.

 

Como a maioria dos torrienses sabe, a sua grande paixão é o Carnaval de Torres Vedras. Mas começava por lhe perguntar que outras paixões tem para além do Carnaval?

Tive. Agora já não é com essa facilidade que tinha... Corri de bicicleta, joguei hóquei em patins e fui campeão em 1959. E Torres Vedras é a terra mais querida do Carnaval em Portugal.

 

Antes de falarmos sobre o Carnaval… Referiu que foi campeão de hóquei em patins. Como é que começou a sua ligação ao hóquei?

O princípio da minha “vida” nos patins parece impossível, mas é verdade. Foi na Física que eu aprendi a andar de patins, depois é que me dediquei ao hóquei no Sporting de Torres. Porque eu morava mesmo lá encostado ao ringue. Não podia sair de casa sem ver o ringue e comecei a treinar. E quando eu tinha já “poder” para jogar, comecei. […] A minha hora chegou e fomos campeões nacionais de hóquei em patins em 1959.

 

Não foi só o hóquei, no campo do desporto, que fez parte da sua vida. Também falou do ciclismo.

Era no Parque de Campismo de Santa Cruz. Um dia até fui feliz e ganhei uma bicicleta na Volta a Portugal, em Lisboa. Bicicleta essa que ainda tenho comigo. […] Por agora estou feliz, por tudo, mais ou menos, quanto passei. Estou sempre a respirar fundo, com o sentido positivo para chegar ao Carnaval. Neste momento sou feliz, ao ver as coisas maravilhosas que a gente pode receber quando estamos no Carnaval. Estou esperando por ele. Está quase a chegar.


Nasceu em Torres Vedras e, como acabou de referir, viveu muita coisa. Pode-nos contar um bocadinho sobre o seu percurso de vida?

O meu percurso de vida tem sido abaixo e acima, acima e abaixo. Passei muitas dificuldades na minha vida. E agora, sem querer, não está nada favorável. Mas, enfim, a gente vai lutando com vontade de viver.

 

A sua vida está também ligada aos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras.

A minha “escola” nos Bombeiros deu para chegar aos 40 anos [de serviço]. E ainda hoje, a qualquer momento, eu vou lá e sinto-me feliz quando entro por aquela porta. [emocionado] Sinto-me feliz e às vezes com a lágrima no olho por ter abandonado. Mas o meu coração está sempre dentro dos Bombeiros. […] Agradeço a Torres Vedras e aos Bombeiros. O meu coração está sempre com eles.

 

Foram anos que marcaram a sua vida.

Correto. Foram 40 anos. Ainda tive esse prazer durante 40 anos… Mas tive um acidente complicado e tive de abandonar precisamente por isso. Porque, sem querer, um carro “ajudou-me” a bater noutro carro e eu tinha doentes comigo. E eu tive de me dedicar aos doentes. Hoje sinto-me feliz porque está tudo sanado, não houve problema nenhum, nem morreu ninguém. Mas foi uma luta que eu tive nesse dia e que mais tarde levou-me a acabar [o percurso] nos Bombeiros.


O meu coração está sempre dentro dos Bombeiros. […] Agradeço a Torres Vedras e aos Bombeiros. O meu coração está sempre com eles.

 

Vamos voltar, então, à grande paixão. Perguntava-lhe como é que começou a sua ligação com o Carnaval de Torres Vedras?

Começou quando tinha 20 e tal anos. […] Íamos para a avenida principal de Torres Vedras com uma caninha, a fazer de conta que estávamos à pesca. Isso deu-se muito na Avenida 5 de Outubro. […] Chegávamos a ir de bicicleta, de Torres Vedras para Lisboa. Quando não chovia, a gente ia para Lisboa. Havia sempre um carro da Câmara Municipal que nos ia proteger pelo caminho. Chegávamos lá, corríamos a cidade e quando tínhamos de partir, partíamos e vínhamos de bicicleta até Torres Vedras. Eram as coisas mais lindas que se passavam naquele tempo.

 

A alcunha de Corneta tem alguma ligação com o Carnaval?

Não. Tem ligação com o meu pai… O meu pai tinha 65 anos quando morreu. E a minha vida continuou, mas com muita mágoa. Sofri muito com isso. Infelizmente foi assim. Depois, no Carnaval, esquece-se tudo. Quando estou no Carnaval não me lembro de nada de mal que se passe comigo. Sou feliz quando estou no Carnaval. É uma peça longa da minha vida e não poderei ser diferente, tenho sempre a mesma “gota” de espírito na minha vida. Antes do Carnaval era o hóquei em patins, não podia sair de casa sem ir treinar. Depois foi o Carnaval, que começou-me a entrar no coração. Até hoje.

 

Imagine que hoje era sexta-feira de Carnaval, que o Carnaval começava hoje. Como é que começava o seu dia?

Às duas horas da tarde, estou todo bem vestido para ir dar uma voltinha de Carnaval. Tinha de levar o meu “fatinho”, o fato de noiva que eu tenho todo lindo. Chegando à hora de jantar, temos de jantar. O Carnaval já passou. E depois, à noite, também há convívio. O Carnaval de agora tem sempre festa até “às tantas” da noite. Portanto a gente também gosta do Carnaval de noite. O nosso Carnaval está sempre vivo. Por isso é o Carnaval mais português de Portugal.

Como é composta a sua máscara? É só o vestido?

É o vestido, os sapatos, a pintura e o cabelo de mulher. O “cabelinho” é de mulher, não é o meu cabelo. Fica tudo real. Uma mulher real. E eu gosto que seja assim porque os Ministros e Matrafonas estão cá. Temos os Ministros e temos as Matrafonas, que estão cá no Carnaval.

 

Já vamos falar sobre os Ministros e Matrafonas. Mas tenho uma curiosidade: quem é que lhe faz a maquilhagem?

Ultimamente tem sido a minha filha. Vem de sua casa, chega a Torres Vedras, vai à minha casa, traz os seus materiais e pinta-me a mim como a ela. Aquelas coisinhas que as mulheres têm, ao passar pela cara e dizer “ai que fino, ai que lindo!” Aquilo dá uma cor ao homem, que depois passa a ser mulher, espetacular! Aquela “corzinha” é tão linda, aqui na “bochechazinha” e depois aqui por baixo dos olhos… Ah! E no lábio, aquele batom. Fica tão lindo. Por isso é que a gente gosta do Carnaval. Porque deixamos uma imagem de cor linda. Quando entramos no corso só se vê as pessoas a baterem palmas. Gostam de nos ver a desfilar e a entrar no Carnaval. É o nosso orgulho.

 

O que é preciso para se ser uma boa matrafona?

É preciso ter sempre momentos de felicidade para ele e para transmitir a todas as pessoas. Esse é o maior poder que nos podem dar. As pessoas vêm, cumprimentam, abraçam… Estamos todos ligados aos “utentes” que estão no corso. E eles ficam orgulhosos com a nossa imagem. E se falta um, eles sabem logo. “Olha, não veio!” E vão logo saber porque é que não veio. Já me aconteceu isso. Tive de parar no hospital, fiquei internado, e perguntaram logo por mim. “Então onde é que ele está?” Estava no hospital. Já me aconteceu isso na vida.

Os meus colegas dão-me a felicidade de estar lá com eles. Isso é que eu gosto. […] Sinto orgulho, porque todos eles estão comigo. Quando posso estou com eles, a minha vida não pode fugir desta casa. Sinto orgulho nesta casa. Sou um homem feliz porque estou aqui, numa casa que é dos Ministros e Matrafonas.


[...] Deixamos uma imagem de cor linda. Quando entramos no corso só se vê as pessoas a baterem palmas. Gostam de nos ver a desfilar e a entrar no Carnaval. É o nosso orgulho.

 

E o megafone?

O meu megafone é um artista. Tem de estar “afinadinho” para fazer o seu trabalho, que é assobiar e cantar. Mas eu tenho de ter muito cuidado, porque ele, de vez em quando, tropeça e cai. [risos] E se cai, fica logo sem voz. Gosto imenso de ter aquilo, mas há pessoas que não gostam. [risos] Paciência. Eu cá vou satisfazendo aquilo que se tem de dar à população que vem a Torres Vedras.


 

E antes do Carnaval? Quando é que começa a preparação para a festa?

Esta coletividade está-se a preparar para daqui a um mês [início de janeiro] começar a ir aos lares. Vamos todos fazer uma festa para as pessoas que não podem ir ao Carnaval. O prazer da nossa coletividade é irmos fazer a festa de Carnaval para que quem esteja nos lares se sinta um bocadinho feliz. A gente dá-lhes essa felicidade, felizmente. Naquele momento é tudo feliz. […]

 

Acredito que tenha muitas histórias sobre o Carnaval de Torres Vedras. Se tivesse de escolher uma que pudesse contar, qual seria?

Ainda no ano passado senti-me orgulhoso e feliz porque quando saí do hospital fui diretamente ao Carnaval e toda a gente sentiu-se feliz de me ver. E ainda perguntavam “o Corneta, onde é que está?” E quando o começaram a ver ficaram todos encantados da vida. E eu, orgulhoso.

 

Já viveu muitos anos de Carnaval. O que é que acha que mudou?

Não mudou nada. O Carnaval tem sempre o seu nome e o seu nome nunca muda. Felizmente. É o Carnaval de Torres Vedras. Não muda. A gente até pode dizer que o Carnaval agora é outra coisa. Mas o convívio vai lá aparecer e isso é que é importante. Porque vem gente de Lisboa, de Loures, de lá de cima do norte… Fazem bem vir e é espetacular ver a chegada deles a Torres Vedras. Torres Vedras fica encantada.

 

Chegados ao último dia, temos o Enterro do Entrudo, onde também tem um papel muito importante.

A viúva do Rei está aqui à vossa frente. Vai toda “vestidinha” de viúva, um lacinho preto, tudo bem vestido. Nada de pinturas. Lá vai a viúva na carroça com o Rei. Vai muito chorosa e chega ao sítio da troca do Rei, que vai ser queimado. A viúva vive um bocadinho doente, chorosa, o coração dela bate, bate, bate… Até à morte do Rei. A Rainha, chorosa, tem de regressar aos seus aposentos. Naquele dia, aquela alma morreu e a viúva vai se deitar. É a hora terminal do Carnaval.

 

Qual é a importância do Carnaval na sua vida?

Eu tenho sempre em casa uma tabuleta que diz “o Carnaval está a chegar”. Viro a tabuleta, passo-lhe a “mãozinha” para limpar o pó. Está-me sempre a “dizer no ouvido” que o Carnaval vai chegar. E eu fico feliz. […] Eu fico encantado de “ouvir aquela vozinha” a avivar a minha alma para o Carnaval. Quando é assim, é lindo. Às vezes rio-me e a minha mulher pergunta-me porquê. E eu digo que estou a rir-me porque vou chegar ao Carnaval.

 

Tudo isto porque é um apaixonado pela sua terra.

Sou apaixonado por Torres Vedras desde “menino e moço”. Desde pequenino até chegar “cá acima”.

Última atualização: 10.01.2019 - 17:26 horas
voltar ao topo ↑