Torres Vedras

Nuno Amado

01.09.2015

Nuno Amado

Nuno Amado é um ilustre torriense que está atualmente à frente dos destinos do maior banco privado português. Antigo príncipe do Carnaval de Torres, basquetebolista da Física e deputado municipal, foi-se afastando da terra que o viu nascer e crescer, mas nunca cortou o cordão umbilical com a mesma. À [Torres Vedras], Nuno Amado falou da sua atual experiência na presidência do Millenium BCP, do seu percurso profissional e associativo, das suas (boas) recordações dos tempos em que viveu em Torres e de outras questões como o atual panorama económico e político e a evolução do concelho. Na sua opinião, Torres Vedras está no bom caminho…

Como está a ser a sua experiência na presidência do Millenium BCP, um cargo que já desempenha há cerca de três anos?

Foram três anos complexos. É o maior banco privado português, um banco que tinha os seus desafios, tendo sido um desafio especial porque foi um período em que ainda estávamos sob os efeitos da “troika”, do resgate que foi necessário. Um desafio difícil, com momentos que para nós foram complicados, aquando dos desafios do resgate, um desafio que as pessoas deviam ter aceite e não recusado. Para além disso, foi a minha primeira experiência a liderar um grande banco português, em colaboração com muita gente, e que foi diferente da experiência anterior de liderar um grande banco de capital espanhol. E como tal, tem sido uma experiência interessante, um serviço ao país, julgo eu...

Como foi o seu percurso até chegar à presidência do BCP?

Bom, recuaria à minha formação escolar, no âmbito da qual frequentei o liceu de Torres até ao 7.º ano, onde fui um razoável aluno. Na altura pratiquei também desporto na Física de Torres, ginástica e basquetebol. Fui também um razoável atleta. Só depois vim para Lisboa, onde estudei gestão de empresas no ISCTE. Comecei por trabalhar na área da auditoria, em 1980, na atual KPMG, tendo, passados 5 anos, ingressado na banca, na altura, na banca estrangeira, no City Bank, quando se deu a liberalização desse setor em Portugal, já que era praticamente todo estatal. Mais tarde viria a assumir a liderança do Santander Totta em Portugal e em maio de 2012 a presidência do Millenium BCP.

Gosta mais do seu atual trabalho?

Gosto mais das funções de banca, mas acho que a auditoria é uma boa escola para quem quer ter um percurso na área financeira. Serviu como uma componente de experiência que na universidade não se tem. O curso é muito teórico e a auditoria é talvez excessivamente prática, com uma carga de horário e de pressão que penso que por vezes não é razoável. No meu tempo era razoável, hoje não o é muitas vezes, mas dá uma experiência, um endurance, em 3, 4 anos, que em outras empresas se demora 10 anos a ganhar. Acho que quem tira cursos na área financeira deveria começar o seu percurso profissional nas empresas de auditoria.

Paralelamente à sua vida profissional tem desempenhado outras funções?

Começando por Torres, fui presidente da assembleia geral da Física e presidente do conselho fiscal desta coletividade durante um conjunto de anos. Aliás, em paralelo como atual presidente da Câmara Municipal, que nessa época também desempenhava funções diretivas nessa associação. Atualmente, sou presidente da assembleia geral da Câmara de Comercio Luso-Espanhola, e sou, desde há poucos meses, presidente do conselho consultivo do Centro Hospitalar do Oeste, o que é um grande desafio, ainda por cima para quem não é especialista na área da saúde.

Hoje as pessoas não têm ideia dos benefícios e das infraestruturas que o país e o concelho têm 

De resto, fui membro da Assembleia Municipal de Torres Vedras, logo na primeira eleita após o 25 de abril e penso que fui o elemento mais jovem a integrá-la. Desempenhei funções nesse órgão municipal durante 25 anos, na oposição, mas sempre com grandes amigos do lado de quem estava no poder.

É a forma saudável de se estar na política…

Era giro. De vez em quando diziam que era o reforço de Lisboa (risos). Tenho pena de não conseguir continuar a desempenhar essas funções mas atualmente é impossível. Ainda me lembro de vir de madrugada na estrada antiga para Lisboa numa altura em que as assembleias municipais não tinham hora de terminar…

Guarda boas recordações dessa experiência autárquica?

Gostei imenso. No entanto acho que o partido que está no poder, mesmo com poucos votos de diferença, consegue uma maioria demasiado grande na Assembleia, ou seja, as assembleias municipais, na minha opinião, são pouco diversas. Tal como também acho que na Assembleia da República há demasiado alinhamento partidário e as pessoas muitas vezes não pensam no que é logico, no que faz sentido, mas nos interesses partidários, em vez de pensarem nas propostas ou nas situações em concreto. Infelizmente é a política e a mecânica que temos. Acho que o partidarismo que criticamos na Assembleia da República, em que o partido é que conta e as pessoas não contam, passou muitas vezes, com raras exceções, para as assembleias municipais onde estive, sendo que eu também contribuí para isso, não tenho dúvidas…

Viveu em Torres Vedras até que idade?

Fui para Lisboa com 17 anos e durante 10, 15 anos, passei praticamente todos os fins de semana em Torres Vedras. Durante anos e anos ia na 6.ª feira à noite para Torres e regressava no domingo.

E atualmente?

Atualmente vou quinzenalmente a Torres, onde estão os meus sogros e a minha mãe ainda, felizmente, mas não fico lá o fim de semana todo. De julho a setembro costumo passar os fins de semana  em Santa Cruz. O resto do ano estou por Lisboa mas sou mais torriense do que muitos torrienses.

Há memórias, experiências, do tempo que viveu em Torres, de que se recorde de forma especial?

Olhe, fui príncipe do Carnaval um conjunto de anos. Um príncipe bem vestido, com um fato pago pela minha mãe, quando era rei o Brandão de Melo e a rainha o Abrantes. Tinha 8, 9 anos, ia no carro dos reis, levei muita cocotada, alguns dias era duro… (risos)

Era também fã do Torreense, lembro-me de nos primeiros anos de casado passar todos os fins de semana em Torres e sem falta ir ver o Torreense, até descer da 1.ª Divisão.

Também acompanhei muito a Física, mas deixei de ir ver os jogos nos últimos 6,7 anos porque vivia-os demasiado e tinha dificuldade em controlar as emoções.

Guardo de forma especial recordações dos anos em que joguei basquete na Física com o Carlos Miguel, o Rocha, o Zé Correia, o Couto, o Dias, o Ifigénio, o Carlos Pereira, e outros. Era uma equipa de gente de Torres em que o Carlos Miguel era o meu parceiro. Há até uma história interessante com ele: um dia fizemos greve a um jogo porque depois de termos chegado a determinada fase do campeonato, a Física foi buscar uns reforços fora e como não concordámos com isso fomos ao jogo mas dissemos que não jogávamos… (risos). São experiências giras que ficam…

Qual era a sua posição?

Era base…

E chegou a jogar nos seniores?

Sim, ainda cheguei aos seniores. Comecei a jogar nos seniores aos 17 anos, aliás com o Carlos Miguel e o Rocha, numa altura conturbada, que foi o 25 de abril e os anos a seguir. Nunca jogámos num pavilhão em Torres. Jogávamos na rua ou íamos jogar a Runa que tinha o único pavilhão coberto no concelho mas sem condições para o basquete. As pessoas hoje queixam-se de muitas coisas, mas ainda me lembro de limparmos o campo quando estava a chover e houve até um período de dois anos em que fizemos os jogos todos em Lisboa. Hoje as pessoas não têm ideia dos benefícios e das infraestruturas que o país e o concelho têm e que é absolutamente incomparável com o que existia na década de 70.

Digo sempre que sou torriense

Essa experiência desportiva foi importante para si?

Costumo dizer que foi fundamental em termos de noções de equipa. Como se viu na última final da NBA, ter o melhor jogador não é o suficiente para se ganhar. O basquete é um jogo de equipa em que cada um tem de desempenhar corretamente a sua função. A conjugação das peças e a gestão do jogo em equipa são conceitos importantes para a vida profissional.

Como vê a atual relação entre as áreas económica e política?

Bom, acho que os políticos têm de decidir sobre políticas e os bancos sobre o financiamento à economia nas perspetivas que se considerarem adequadas. No entanto, na minha opinião, acho que temos de perceber menos de política do que os políticos de finanças. Isto porque os políticos têm de perceber que as organizações têm de ser sustentáveis, ou seja, as receitas e as despesas têm de ter algum equilíbrio e infelizmente essa componente, devido à capacidade de endividamento que existiu no passado, foi esquecida. Por outro lado, os políticos devem regular os bancos, mas não intervir nos bancos. Não foi bom o que aconteceu em determinado período em que houve uma grande ligação entre política e banca. Os bancos não devem dar opiniões sobre a política, a não ser os seus líderes em termos particulares, mas não mais do que isso. Mas é fundamental os políticos perceberem que há uma componente de equilíbrio financeiro que é fundamental com vista à sustentabilidade do nosso Estado Social, e que sem isso são os mais novos que vão ter uma vida cada vez mais difícil porque o peso das gerações que estão a usufruir de determinado tipo de vantagens não é suportável a curto prazo e portanto é financiado com dívida, o vai acarretar consequências.

Como vê o atual panorama económico?

Acho que o país está muito melhor hoje do que há cinco anos atrás. Custa muito dizer isto porque as pessoas têm sofrido bastante, mas o país está de facto muito melhor porque está muito mais sustentável. Nós tínhamos dois problemas muito grandes que originaram o endividamento: um problema de base de competitividade e de alocação de recursos para setores não competitivos, e um deficit da balança de pagamentos e um deficit do Estado, que eram insustentáveis. Hoje temos uma economia mais forte, mais competitiva e mais equilibrada. A riqueza para o concelho e o país só se consegue ao não se aumentar mais o emprego no Estado, com a criação de emprego por empresas que estejam num setor competitivo. A única forma de mantermos o equilíbrio que conseguimos com muito custo para todos nós é aumentar o peso do setor privado e não permitir que o setor público aumente em termos de percentagem no PIB porque atingiu um nível que a nossa riqueza tem muita dificuldade em pagar. E por isso recomendo ao Estado que coloque o máximo de ovos possíveis no incentivo ao setor competitivo privado. Um país não pode sobreviver se não tiver algum equilíbrio. Há pessoas que perguntam porque não se mete mais consumo na economia. Mas uma boa parte do consumo é importado. Primeiro temos de ter empresas que substituam a importação ou exportem e o consumo só pode entrar em função dessa capacidade de crescimento. É um caminho de consistência que temos de fazer, se não quisermos ter uma economia demasiado alavancada ou ter de aumentar a carga fiscal novamente.

Como tem visto a evolução do concelho?

O concelho tem uma coisa muito boa: tem uma economia diversificada. Tem uma componente agrícola forte, em diversas vertentes, tem uma componente de turismo, sobretudo interno, forte, tem uma componente de indústria e de serviços forte, onde por exemplo, o setor da saúde tem alguma dimensão. É um concelho que tem de apostar nestes setores de uma forma equilibrada. Tem uma proximidade a Lisboa e ao aeroporto que também são uma vantagem. Por outro lado, a sede do concelho tem cerca de 25% da população, ou seja, há um conjunto de freguesias que mantiveram uma dimensão significativa, o que considero interessante. O concelho tem empresas, tem empreendedores, portanto, tem condições para se continuar a desenvolver. Mas não deve ser a autarquia a fazer coisas que cabe aos privados fazer, deve ser a autarquia a incentivá-los a fazer porque essa situação cria valor a prazo com menos custo para todos.

Houve recentemente uma parceria da Câmara Municipal com a Fundação Milenium que trouxe uma exposição de artistas plásticos consagrados à Galeria Municipal. É uma parceria para continuar?

Nós temos atualmente cerca de três mil obras de arte. E queremos continuar a mostrá-las ao país. Temos uma fundação, que apesar das dificuldades que o banco tem atravessado, investe vinte milhões de euros por ano na área museológica. E vamos continuar a desenvolver projetos. Tenho a certeza que se houver alguma atividade no concelho de Torres que possa ser articulada connosco, avançará. Só para lhe dar uma ideia, uma boa parte das reuniões “outside” que fazemos, têm lugar no Campo Real. O grupo BCP, enquanto eu cá estiver e de uma forma razoável, não vai esquecer Torres Vedras.

Costuma levar o nome de Torres Vedras para onde vai?

Sempre. Digo sempre que sou torriense.

Nuno Amado, Manuel Clemente, Manuela Moura Guedes, Ana Guiomar, Vitor Melícias, Susana Félix. São cada vez mais os torrienses que se destacam no panorama mediático nacional. Acha que se está a formar um lobbie torriense? (risos)

Não acho que haja um lobbie de Torres Vedras, mas é bom que haja torrienses em posições importantes…

Tem algum projeto ou desejo futuro para a sua vida?

Espero quando me reformar ter algumas funções em associações, como a que tenho atualmente no Centro Hospitalar do Oeste, participar em determinado tipo de projetos, para poder dar algo de mais à sociedade do que a sociedade felizmente me tem dado. E se puder fazer uma parte disso em Torres ficarei muito contente porque é a minha terra.

Gostaria de deixar alguma mensagem aos torrienses?

Que o concelho cresça ainda mais em população, que chegue aos oitenta mil habitantes, porque acho que tem espaço para crescer, principalmente na sua sede. E que cresça de forma harmoniosa, com qualidade de vida, e com emprego para todos, e isso só é conseguido se for o Estado e a autarquia a criarem as condições e o setor privado a investir.

Publicado: 23.12.2015 - 17:06 horas
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