Torres Vedras

Nuno Vasa

01.05.2015

Nuno Vaza

Nuno Vasa é um artista (embora modestamente não se considere como tal…) torriense que tem vindo a ganhar uma projeção crescente no panorama artístico nacional. Recentemente um elétrico de cortiça em tamanho real, da sua autoria, representou Portugal no âmbito de um festival de artes performativas realizado no Kennedy Center, nos Estados Unidos, a par de trabalhos de outros nomes de relevo da cultura nacional como Siza Vieira ou Souto Moura.

Um pretexto que a [Torres Vedras] aproveitou para estar à conversa com ele no seu ateliê, na Ponte do Rol, onde abordou não só esse trabalho mas também outras temáticas como o seu percurso, os seus projetos, a sua visão da arte e do “estado da arte”, entre outras. Trabalho, persistência e honestidade ontológica são os conselhos que Nuno Vasa deixa a todos os que queiram seguir as suas pisadas... 

De que forma enveredaste pelo mundo da arte?

Bom, esse caminho começou ao lado do mestre que me criou que foi o meu pai, que tinha a profissão de carpinteiro. Cresci na oficina dele com as ferramentas, os materiais, as suas transformações, e dessa forma comecei a ganhar gosto pela matéria, pela criação, pela transformação. Quando era miúdo a minha mãe até me chamava “Ferro Velho”, porque tudo o que via na rua trazia para casa: pregos, parafusos, pedras, bocados de pau, andava sempre com coisas nos bolsos... Construía com isso os meus próprios brinquedos. Gostava mais de desenhar do que de jogar à bola, descobri isso quando dei por mim a pensar como esta seria feita. E o gosto pela arte começou a partir daí. Lembro-me de na escola acharem curioso verem-me a construir esculturas com os paus de giz, a esculpir com o porta-minas. Já na altura escavava, fazia caras e corpos nus. Foi um processo natural, nada foi incutido. O que sei é que tinha mesmo de ser…

Fizeste depois a tua formação escolar na área das artes?

Sim, em artes plásticas que era aquilo que gostava realmente. Formei-me em escultura em Coimbra. Depois obtive uma bolsa de estudo pela Casa Velasquez, em Madrid, relacionada com um prémio que ganhei, por meio da qual complementei a minha formação académica. Mais tarde, em Londres, também fiz um pequeno curso. Mas a formação mais importante acaba por ser o tempo que passo a trabalhar no meu ateliê, na minha luta…

A escultura sempre foi a tua forma principal de expressão?

Prefiro dizer que sempre estive ligado à matéria. Comecei pelo design na faculdade e depois mudei para a escultura. Analisando o meu percurso consegue-se identificar uma linha condutora. Tal tem a ver com a relação entre homem e objeto. O meu trabalho está por isso relacionado com a sociologia e a antropologia. Quem completa o meu trabalho é sempre o espetador, quando vê, ou quando tem alguma relação direta sobre o trabalho. O meu trabalho é sempre mais concetual nesse aspeto. Tem um caráter de surpresa, de humor. Pelo estúpido ou ridículo das situações que proporciona, com críticas à sociedade ou não, ou simplesmente tenta experimentar o comportamento das pessoas, por meio do fator surpresa, mexendo com elas. “O Ato”, por exemplo, é um bom exemplo dessa situação. É um trabalho que fiz para a inauguração do Museu de Arte Contemporânea de Elvas, em que entornei um bidon de tinta à sua entrada que bloqueou a passagem. 

Mas não se pode dizer que tenha uma linha definida nem em termos de materiais nem de área artística. Tudo depende da mensagem incompleta que eu quero transmitir ou do objeto que quero usar …

Tens de alguma forma trabalhado no caminho da multidisciplinariedade…

Sim, mas não vejo as coisas como um objetivo mas como uma consequência. Todas as coisas que faço não são vinculadas nem a material, nem a campo, nem a áreas ou setores artísticos. Se utilizo ou não a performance com a escultura, isso é o trabalho que manda. Não me consigo inserir apenas numa área porque abranjo várias e utilizo-as como ferramentas.

Não me consigo inserir apenas numa área porque abranjo várias e utilizo-as como ferramentas.

Não sou ligado a correntes, nem a estéticas, vejo o que se passa à volta e faço o que mais me diz. A arte e o meu trabalho para mim é tão simples como outra coisa qualquer. O objeto é aquilo que é, a pessoa é aquilo que é. Tenho de ter a cabeça vazia para o ar a atravessar e quanto mais vazia estiver melhor (risos). Podem-me integrar na corrente concetual, ok, mas não faço por lá estar.

Se tivesse o objetivo de integrar os livros de história da arte deixava de ser eu. O reflexo de ainda estar a fazer o que estou tem a ver com muita persistência porque assédios tenho tido e terei sempre e pelo próprio público. Porque tu crias um público e sentes-te confortável. Mas há um momento em que tens de definir o teu caminho, tens de fazer a tua opção. E se isso acontecer as coisas hão de perdurar tanto agora como daqui a uns anos. Que a peça tenha a mesma força daqui a uns dez ou vinte anos quando a vires outra vez... Como, ao contrário, existem músicas que hoje tu ouves e daqui a uns tempos já não consegues, o mesmo acontece com peças artísticas se não definires bem esse teu caminho. Arte não é moda.

Se tivesse o objetivo de integrar os livros de história da arte deixava de ser eu.

É importante seres correto com o que estás a fazer e não te enganares a ti próprio. Seja na arte, na música, ou em qualquer outro campo. Agora, se o objetivo da pessoa for criar um público, só toca aquela nota para agradar aos ouvidos que não são os seus. Isso cansa muito e assim nunca vai mais à frente por medo de perder o tal conforto... Talvez fosse mais fácil não ser persistente, poderia tomar uma outra atitude. Mas se assim fosse se calhar não estava aqui agora.

Mas é assim que me sinto bem. E por isso sempre que saio sinto a necessidade de voltar ao meu ateliê porque aqui é que é o meu espaço. É aqui que sou feliz…

E acertaste no centro do alvo, como o que está no canto da tua oficina?

Acertei e acerto com várias tentativas. Porque o meu trabalho é feito com muita persistência, muita dedicação, com muito objetivo. E às tantas já não vês o alvo, a seta, vês tudo como um todo. Não te vês com um trabalho, mas com uma condição de vida, uma forma de estares na vida. Tu é que fazes o teu caminho, o teu percurso, a forma de lá chegar. E quando tu és um todo não há um objetivo, há uma consequência.

E como é o teu processo de criação?

Isso é a minha vida, não tem nada de outro mundo, quando tenho de criar, crio. Acaba por haver algum romantismo nessa situação, mas as coisas são concretas e objetivas: tenho de arranjar uma solução para uma situação e procuro-a. E no meu caso o processo criativo é isso. Absorvo as coisas na sociedade, e depois conjugo os elementos que vou registando no meu “disco rígido”, e transformo-os. Esses elementos são adquiridos pela vivência, mas não com o objetivo de vir a utilizá-los. É algo de espontâneo, natural. Não tento forçar o lado criativo. Quando tenho de fazer, faço-o, como acontece em qualquer outro trabalho. 

E quando tens um trabalho encomendado por um cliente, como é o processo criativo nessa situação?

Normalmente, por me conhecerem a mim e ao meu trabalho, dão-me a liberdade para criar e fazer o que quiser.

Os dias que correm não são dos melhores para os artistas…

Bom, o atual momento é mau para os artistas e para toda a gente. Se começasse a pensar que está mau, não fazia nada. Posso dizer que sou feliz com o meu trabalho e isso é muito importante. Se calhar podia ter mais mas ser menos feliz. É aquela faca de dois legumes… (risos). Acho que o tempo é o maior crivo de todas essas situações. Há momentos difíceis, não se vive um momento fácil, é verdade, mas também não é fácil ter todos os dias um trabalho que vai contra a nossa essência…

Posso dizer que sou feliz com o meu trabalho e isso é muito importante.

Há quanto tempo tens a marca Outra Coisa?

Desde 2012. Aliás, a marca surge quando começa esta dita crise, quando começam a haver menos exposições, menos rotatividade entre artistas, os clientes e os colecionadores começam a comprar menos. Assim, e também porque sempre estive associado ao mobiliário por meio da empresa do meu pai, acabei por aliar o design à modelação da matéria, não pensando no design de uma forma comum, mas acrescentando qualquer coisa de novo. Assim, nesta marca, agarro no objeto comum, e faço um redesign da função desse objeto. Por exemplo, é um grampo de marceneiro que dá para pôr os livros, é um balde de pedreiro que faz de candeeiro, é um piaçaba que é transformado em porta-lápis, é um estendal que vai para dentro de casa. É um design ou um repensar do objeto no design com uma forte componente humana, um lado manual muito implícito, em que cada peça acaba por ser singular ao contrário do design industrial e massificado. Os produtos da marca estão à venda na loja da Fundação Serralves, em Lisboa, na Mona, e tenho também a minha loja online em outros espaços. De resto, a marca está ligada ao trabalho que desenvolvo como artista plástico. Para além destas duas vertentes do meu trabalho, sou diretor criativo do Edge Design Project, um laboratório criativo de design do The Edge Group. Mas vejo todas estas vertentes do meu trabalho como um todo que sou eu.

Como surgiu a oportunidade de fazeres o elétrico de cortiça que esteve recentemente em exposição em Washington?

Surgiu de um convite feito pelo Art Institut, por intermédio da Ana Miranda, para integrar uma representação ibérica que decorreu no Kennedy Center, no âmbito de um festival de arte performativa, na qual participou também o Souto Moura, o Siza Vieira, e outros, e que envolveu ainda músicos como o Camané, a Carminho ou o Rodrigo Leão. Esse trabalho é o reflexo de fazer as coisas com persistência e de não me enganar a mim mesmo, seguir um caminho que tracei….

Gostavas de realçar alguns dos trabalhos que elaboraste ao longo do teu percurso para além dos já referidos?

Para além do elétrico de cortiça que esteve em Washington e da representação de Portugal em Madrid, o que me levou a receber uma bolsa e um prémio da Casa Velasquez a partir da peça “Home”, também é de referir um prémio que ganhei da Fundação de Serralves dos chamados Prémios Originais Portugueses com uma das peças que estão à venda no âmbito da marca Outra Coisa, que é o estendal. Também foi importante um outro objeto desta marca que representou Portugal na Bienal Iberoameriacana de Design. E também uma peça que fiz para Vilnius quando foi a capital europeia da cultura, na qual se sentou inclusivamente o Dalai Lama numa visita recente, tendo aliás sido o primeiro artista estrangeiro a colocar obras num espaço nobre da capital de Lituânia. Ah, e no MUDE integro agora uma exposição com uma peça no âmbito de uma seleção de trabalhos de design portuguêsdo período entre 1980 e 2014. De resto, é usual ir a eventos artísticos no estrangeiro, menos do que antigamente, como é normal…

Como tens visto a evolução do panorama artístico em Portugal?

Temos um país que tem estado de costas voltadas para a arte, embora hoje o mundo da arte seja global e, de facto, os artistas portugueses hoje em dia não trabalham apenas para Portugal. Mas se nos cortam as bases, se não veem a arte como uma mais-valia, é difícil criar uma identidade num país abandonado.

E como tens visto a evolução do panorama artístico no concelho?

A Galeria Municipal com a sua programação tem provocado alguma viragem no panorama artístico local. Já por outro lado há câmaras municipais que estão de costas completamente voltadas para a cultura. Agora, não podemos impor as coisas às pessoas. Se queremos abrir a cabeça às pessoas vamos ter de a cozer e isso vai criar uma ferida exposta (risos). Acho que tem de haver um equilíbrio. Mas quem sou eu para fazer esse juízos? Também não peço que sintam o mesmo que eu quando faço uma peça…

Gostarias de deixar alguma mensagem aos jovens do concelho que pretendam seguir a s tuas pisadas?

Vejo que alguns miúdos que estão na escola na área das artes olham para mim como um exemplo de que seguir o caminho do mundo da arte é possível. Mas de facto para isso é preciso muito trabalho, só com muito trabalho, muitas lágrimas, se consegue alguma coisa. Mas acaba por ser um choro feliz e um choro sentido. Nada é fácil, quer seja nas artes plásticas ou em qualquer outro caminho que se tome. É necessário é que se seja verdadeiro… É preciso primeiro que tudo definirem-se e encontrarem dentro de si a tal essência. A tal essência da vida, que nos faz feliz, que nos faz sentir. Seja nas artes plásticas, seja a vender tremoços... (risos) Conhecerem-se a si mesmos antes de tudo e a partir daí prepararem-se para uma longa viagem com muita turbulência… (risos)

Última atualização: 12.05.2015 - 13:02 horas
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