Torres Vedras

O tempo em Torres Vedras

01.03.2013

O tempo  em Torres Vedras

Na baixa Idade Média, o tempo era vivido e sentido em Torres Vedras de modo distinto, consoante o homem habitasse a vila ou o termo. Aqui vivia-se um tempo ainda impreciso e lento, marcado pelos ritmos agrários. O dia, medido entre o nascer e o pôr-do-sol, era a unidade de tempo que marcava o período de trabalho, variando a sua duração ao longo do ano. A noite, espaço privilegiado dos fantasmas, das tempestades, dos lobos e de outros malefícios, era reservada ao descanso, porque a escuridão sempre subtraía o homem à vigilância de outrem e de si próprio. Todavia, a partir do século XII, a sociedade urbana introduziu alterações no modo de olhar, sentir e medir o tempo, na sequência da evolução económica relacionada com as condições do trabalho citadino. Criava-se então o dia de trabalho urbano, sendo quantificado, porque cedo lembraria o mercador as palavras de Teofrasto, de que ‘o tempo é a coisa mais valiosa que um homem pode gastar’.

Por isso, surgiram instrumentos que começavam a marcar o tempo de trabalho, o tempo do negócio (…da negação do ócio), apesar de o fazer ainda de modo rudimentar: primeiro com os sinos do trabalho, por vezes diferentes dos sinos das igrejas, que marcavam as horas canónicas, distinguindo o tempo religioso do tempo laico; depois, com os relógios de sol, entrados no território que viria a ser Portugal pelos romanos, talvez como o ‘horarium’ (relógio) oferecido à antiga Egitânia no ano 16 a. C., ou com outros relógios de sol de que é testemunho a enxada de meia-lua usada nos trabalhos agrícolas que, posta de pé fazendo incidir a sombra do cabo sobre a base da enxada, servia para marcar a hora ou as duas horas de jantar e sesta, consoante estivéssemos no inverno ou no verão; mais tarde, os relógios mecânicos, coexistindo com os relógios de sol; contribuíam estes, muitas vezes, para o acerto daqueles; finalmente, os relógios electrónicos, que substituiriam os velhos relógios mecânicos no picar dos sinos.

Mas a grande revolução no tempo seria provocada pela invenção e difusão do relógio mecânico, criado no final do século XII, implantando-se de forma desigual na Europa. O dia tornou-se divisível e a hora passou a ser entendida como a vigésima quarta parte do dia, tendendo a unificar-se o tempo. No concelho de Torres Vedras, o aparecimento relógio mecânico ocorreu nos finais do século XV, quando D. João V teve notícia dos relógios de bater horas, invenção do mestre Frei João da Comenda. Em 1478, já as horas batiam na torre do convento de Santo António de Varatojo. Mas também o concelho tinha o seu relógio, numa torre do castelo anexa à igreja de Santa Maria [1], pelo menos desde o século XVI, apesar de desconhecermos a data da sua instalação. Sabemos, porém, que o relógio já existia em 1596, uma vez que a vereação mandou-o consertar a Vicente Láos Halemão, morador na cidade de Lisboa, «de modo que ande muito corente, he se não desconserte», o que era frequente.

A partir destes, outros relógios mecânicos surgiram nas torres das igrejas torrienses, marcando o tempo religioso até inícios do século XX, no convento de Nossa Senhora da Graça (séc. XVIII) e na igreja de Santa Maria Madalena do Turcifal (séc. XIX) [2]. O relógio do concelho, que justificava a existência de um «encarregado do relógio oficial pertencente ao município”, em inícios do século XX, continua a bater as horas no castelo, tendo o “relojoeiro do concelho” o cuidado de lhe dar corda, para que os sinos continuem a tocar as horas à hora certa…

Carlos Guardado da Silva

Última atualização: 13.08.2019 - 15:26 horas
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