Francisco Rodrigues
14.04.2021
É torriense o atual bastonário da Ordem dos Psicólogos. Para muitos uma cara conhecida. Chama-se Francisco Rodrigues. A [Torres Vedras] esteve à conversa com aquele que é o presidente da direção de uma das mais recentes ordens profissionais criadas em Portugal, numa entrevista em que Francisco Rodrigues abordou questões como as funções que atualmente desempenha, o seu trajeto profissional e associativo e o impacto psicológico que a pandemia está a ter na população. Desenvolver projetos em benefício das populações tem sido um dos desígnios da sua vida, ao qual pretende dar continuidade, nomeadamente em Torres Vedras…
Começava por lhe perguntar em que circunstâncias assumiu as funções de bastonário da Ordem dos Psicólogos?
Para compreender essas circunstâncias é necessário recuar, julgo que a 2003, quando, em conjunto com alguns colegas, formámos a associação Pró-Ordem dos Psicólogos, com o objetivo de criar essa Ordem. Estivemos sete anos a desenvolver iniciativas de sensibilização junto dos deputados e também da população em geral para a importância da criação da Ordem dos Psicólogos, para a regulação da profissão, para a melhoria e desenvolvimento da profissão, em benefício das pessoas que recorrem aos nossos serviços. Foi um processo que requereu muita persistência. Quando a Assembleia da República decide finalmente pela criação da Ordem e aprova os seus estatutos, o Ministério da Saúde foi incumbido de criar a respetiva comissão instaladora, da qual eu fiz parte.
Ao fim de um ano realizaram-se as eleições para a Ordem, tendo integrado a lista única que se candidatou às mesmas. Isto em 2010. E fui-me mantendo nas direções da Ordem, lideradas pelo anterior bastonário, Telmo Mourinho Baptista. Em 2013, a convite dele, passei a ter funções executivas permanentes na Ordem, como uma espécie de CEO, e estive até 2016 nessas funções. Nesse ano, também o anterior bastonário, lançou-me o repto para me candidatar a bastonário e foi na altura, já perto do final do mandato, que decidi avançar para uma candidatura. Uma decisão que não foi fácil porque estava num processo de transformação da minha vida profissional, estava a trabalhar em consultoria não há muitos meses de uma forma mais intensa, estava a aumentar o volume de atividade nessa área e tinha uma perspetiva de ser por aí que iria investir a minha atividade. Posso dizer que desde a minha eleição pouco mais fiz em termos profissionais do que exercer a função de bastonário, já que esta é uma função de a mais do que de tempo inteiro, tendo recentemente sido reeleito para um segundo mandato.
Que balanço faz da sua experiência como bastonário da Ordem dos Psicólogos?
De uma forma geral tenho gostado da experiência, embora a minha recandidatura tenha sido bastante refletida. É verdade que é uma função que traz um conjunto de coisas que são boas, tem-me realizado bastante, tem permitido construir muito, tem permitido ver mudanças na profissão, ver mudanças na forma como as pessoas olham para a profissão, ver mudanças na forma como as políticas públicas já mudaram neste espaço de existência da Ordem, por causa da existência da mesma. Ou seja, nós conseguimos ver que muita coisa aconteceu porque a Ordem existe. Aconteceu no sentido dos profissionais terem melhores condições do que tinham, serem mais reconhecidos, serem mais valorizados, mas também aconteceu na qualidade dos serviços que os psicólogos prestam às pessoas, no conhecimento que as pessoas têm relativamente aos serviços dos psicólogos. E as áreas de atuação dos psicólogos são muitíssimo diversificadas, vão muito para além da clássica imagem associada à atividade clínica. E, portanto, eu tenho uma satisfação grande relativamente ao trabalho realizado, seja o das equipas de que fiz parte, seja o das equipas que lidero.
Na sua opinião a pandemia está a ter um impacto muito forte em termos psicológicos na população?
O que a investigação demonstra é que de uma forma geral está a haver um impacto considerável. Os estudos têm variado um pouco, mas todos apontam para uma percentagem muito grande da população a sofrer do ponto de vista psicológico. O ponto de partida já não era muito bom, a percentagem de pessoas em Portugal que tinham problemas de saúde mental como a depressão já era muito elevada em comparação com outros países por exemplo da União Europeia, mas, claro, agravou-se significativamente. As pessoas que já tinham problemas são as mais afetadas por esta crise. Não necessariamente apenas aquelas que já tinham algum tipo de perturbação, essas são potencialmente mais afetadas, mas também aquelas pessoas que tinham outro tipo de problemas psicológicos, que não necessariamente uma perturbação, ou que estavam a viver situações mais difíceis de vida. Aqueles que estão mais vulneráveis são as pessoas que também nestas alturas acabam por sofrer mais impacto psicológico. E toda a investigação tem apontado para impactos grandes em diferentes idades.
Gostaria de deixar alguns conselhos à população para viver este período de pandemia da melhor forma possível?
Nós temos emitido muitas recomendações e não posso deixar de dizer que uma das primeiras coisas que recomendo é que as pessoas procurem essas mesmas recomendações, essa informação, que está disponível online. E essa informação está até muito particularizada, ou seja, podemos encontrar recomendações, por exemplo, sobre os relacionamentos, sobre a ansiedade que se está a sentir, sobre o trabalho, sobre a escola.
De uma forma geral é importante que tenhamos a consciência que estamos todos a passar por isto embora não todos nas mesmas condições. É natural que sintamos aqui e ali sensações não muito confortáveis, ou seja, podemos estar a sentir, por exemplo, mais medo ou mais ansiedade ou mais irritação ou mais tristeza. É perfeitamente natural que estejamos a sentir muito mais isto do que sentíamos antes. E é importante aceitar que isto é natural e não rejeitar, porque isso fará com que não façamos nada em relação àquilo que estamos a sentir. Pode parecer uma coisa um bocadinho trivial, mas não é nada trivial, porque aceitar é às vezes uma coisa difícil. É também importante reconhecer. Saber reconhecer os sinais. Saber reconhecer que, por exemplo, esta coisa de eu acordar mais cedo e ter dificuldades de adormecer todos os dias e às vezes acordar de noite, isto é um sinal de qualquer coisa. E esse reconhecimento de sinais também é algo importante.
E depois há coisas muito básicas que todos podemos fazer, que poderão contribuir para atenuar os impactos da pandemia, que têm a ver com aquilo que são hábitos de vida saudáveis. Por exemplo, o cuidarmos do sono e da qualidade do sono é uma coisa muito importante para que o nosso cérebro possa recuperar durante a noite e isso significa, por exemplo, que quem está em teletrabalho durante o dia não deva à noite estar tão exposto a ecrãs. Particularmente, antes de irmos dormir, desligar é importante. Mas isto para além de coisas muito simples e essenciais como são uma alimentação equilibrada ou o exercício físico. E isto, parecendo que são coisas triviais, não são coisas que todos façamos pouco mais ou menos, e que são importantes.
Agora, pode acontecer que por muitas recomendações que estejamos a seguir, a pressão a que estamos sujeitos possa tornar a nossa situação insustentável, ou seja, que não consigamos, por nós próprios e com as competências que temos, lidar com a situação. E quando isso acontece connosco é natural que tenhamos de pedir algum tipo de apoio.
Virando um pouco a página nesta entrevista, pedia ao Francisco que fizesse uma breve abordagem ao seu percurso profissional…
Eu acho que o meu percurso profissional acaba por ser muito influenciado por aquilo que o antecede em termos do meu percurso associativo. Julgo que dificilmente estaria a fazer o que estou a fazer hoje se não tivesse tido uma experiência associativa muito intensa durante muitos anos. E a isso ligo, por exemplo, experiências como a criação do Académico de Torres Vedras, quando ainda estava a estudar no ensino superior, e o ter feito parte de órgãos dirigentes da associação de estudantes da Faculdade de Psicologia, tendo sido inclusivamente presidente dessa associação. Depois, o ter participado no movimento associativo nacional. Eu acho que a questão associativa foi uma questão marcante do ponto de vista profissional. Ajudou-me a desenvolver muitas competências que não foram desenvolvidas pela formação superior, foram desenvolvidas na prática no contexto associativo.
Depois, a minha atividade profissional começa na área clínica, a minha formação no ensino superior tinha se canalizado para essa área e continuou durante uns tempos, tendo ainda feito inclusivamente formação pós-graduada na área clínica. Entretanto aqui em Torres estive também ligado a alguns projetos profissionais associados à formação. Mas acabei por rapidamente, muito por causa do envolvimento associativo, sentir-me muito mais impelido em participar em outro tipo de projetos, o que me levou a começar a colaborar com a Câmara Municipal de Torres Vedras.
Estive durante dois anos a trabalhar na autarquia, montando um setor da Juventude, com os seus programas, e ponde-os depois a funcionar da forma mais regular possível. Foram dois anos intensos, muito satisfatórios, e muito marcantes para a minha atividade profissional. Recordo particularmente as iniciativas que fizemos apoiadas por um financiamento europeu a que nos candidatámos e que pretendia criar uma rede de informação para os jovens. Fizemos uma revista, tivemos um programa na rádio, organizámos um conjunto de sessões com deputados europeus. Foi um período de muita atividade, muito intenso, alguns dos projetos continuaram a funcionar durante muitos anos, como é o caso do Jogo do Município.
Depois daí acabei por fazer uma viragem profissional muito grande, fui fazer formação na área dos recursos humanos, acabei por mudar para a área de organizações, trabalhei como diretor de recursos humanos e depois, durante uma década, com responsabilidades nas áreas de higiene e segurança no trabalho, qualidade e ambiente. E tive alguns projetos empresariais aqui. Posteriormente passei para a área de consultoria e comecei a trabalhar em Psicologia das Organizações enquanto consultor em várias empresas nacionais, isto enquanto já estava muito envolvido no projeto da Ordem dos Psicólogos.
Falou há pouco do seu envolvimento no Académico de Torres Vedras. Um dos projetos que o Académico tem estado a desenvolver com a Câmara Municipal desde os tempos em que integrou a direção desta associação é o “Atitude Positiva”. Que relevância atribui a esse projeto?
Ainda hoje é um projeto muito importante e na altura foi um grande desenvolvimento relativamente aquilo que existia em termos de respostas em Torres na respetiva área. É um projeto que começa ligado aos planos municipais de prevenção das toxicodependências, começa como projeto piloto associado a isso, e em poucas escolas, e que depois passado um primeiro ano escala para todos os agrupamentos e passa a atingir duas/três mil pessoas, envolvendo vários psicólogos. Mas que se distinguia desde o início por trabalhar uma área de desenvolvimento de competências socio emocionais que hoje cada vez são mais valorizadas. Depois o projeto acrescentou outras dimensões como as transições de ciclo, e continua a desenvolver-se, publicando inclusivamente em revistas científicas internacionais os seus resultados. É um projeto com muita credibilidade, e tenho muito orgulho em ter estado ligado ao lançamento do mesmo, já que fui na altura incumbido de desenvolver a respetiva ideia e candidatura. Ainda coordenei o projeto não do ponto de vista técnico, mas de gestão, durante alguns anos, e guardo as melhores das memórias do mesmo.
Um projeto que a Ordem dos Psicólogos tem estado a desenvolver com a Câmara Municipal é as “Conversas em Tempo de Pandemia”. Que pertinência atribui também a essa iniciativa?
Eu acho que é muito importante que as autarquias se envolvam na promoção da Saúde de uma forma geral e da Saúde Psicológica em particular e, neste caso, na promoção da literacia, em contribuir para que possamos ter mais literacia em Saúde e particularmente em Saúde Psicológica entre os cidadãos. Esta iniciativa, num momento como aquele que estamos a atravessar, reveste-se de bastante importância, porque é uma forma de complementar aquilo que é uma oferta de serviços públicos na região. É um ótimo contributo e que pode vir a ser seguido por outros municípios. Ou seja, a expetativa é que venham a surgir outros municípios pelo país a replicar esta iniciativa e que a mesma se possa constituir como um programa mais amplo de promoção ao nível local da Saúde Mental e da literacia nesta área.
Uma outra iniciativa que a Ordem dos Psicólogos tem estado a desenvolver é o “Selo Comunidades Pró-Envelhecimento Ativo”, selo que de resto foi atribuído à Câmara Municipal. Que importância também atribui a esta iniciativa?
Nós temos tido a preocupação de criar programas e ações que possam estimular as comunidades à adoção de boas práticas. E o reconhecimento das boas práticas, com um selo como este, do Pró-Envelhecimento, é uma forma de estimular a um nível mais local que essas boas práticas aconteçam, neste caso relacionadas com as políticas que favoreçam um envelhecimento saudável. Este selo é relativo a uma área particularmente estratégica, não só para Portugal, mas muito para Portugal. Porque se envelhecermos com menos saúde, não só vamos passar mais maus bocados em termos de sofrimento no nosso período mais avançado da vida, mas também vamos custar muito mais a todos aqueles que contribuirão com o seu dinheiro para que os sistemas públicos deem resposta. Isso passa muito por aquilo que são os hábitos de vida. Estamos a abordar uma das áreas mais críticas para o futuro das sociedades, que não tem a ver simplesmente quando somos mais idosos. Trata-se do envelhecimento, de ciclo de vida, e isso faz-se desde o princípio com os hábitos de vida que nós adquirimos.
Olhando para o futuro, tem projetos, sonhos, ambições, que gostasse de concretizar?
Tenho sempre. Gostaria de continuar a ter a oportunidade de construir coisas, de poder fazer aquilo que tenho feito até agora. Julgo que aquilo que tenho feito até hoje é demonstrativo da forma como gosto de estar nas coisas, realizando trabalho que beneficia os outros. Gostaria de continuar a fazer projetos que tivessem essa dimensão. Gostaria de continuar a escrever, sendo que atualmente estou a escrever um livro na área da Psicologia para uma editora portuguesa, o qual há de ser lançado para o ano. Gosto também muito de escrever artigos de opinião, acho que é também uma boa forma de fazermos chegar a algumas pessoas as ideias que defendemos.
Gostava que o trabalho que venha a fazer se possa repercutir em benefício também da zona em que vivo e onde nasci, quer seja como psicólogo, quer seja, por exemplo, na forma associativa, enfim, contribuir para que haja melhor qualidade de vida aqui em Torres.
Também não vou negar que no plano internacional às vezes sinto esse apelo, a partir de algumas ações internacionais que também vou fazendo, mas não tanto. Confesso que me move muito mais o que possa fazer pelo país e por esta região do que propriamente numa dimensão mais internacional.
Data: 11 de março
Local: Biblioteca Municipal