Fernando Barão
01.01.2022
Desde pequeno que o quartel dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras se assumiu como a sua verdadeira “casa”. Num corpo de bombeiros com uma intensa atividade, cumpriu 50 anos de bombeiro e 31 enquanto comandante. A 16 de outubro de 2021, passou para o quadro de honra, ao atingir o limite de idade. Nesta edição, a Revista Municipal [Torres Vedras] está à conversa com Fernando Barão.
Como é que começou a sua ligação aos bombeiros?
Eu era um miúdo, com nove, dez anos, vinha para a catequese, para a Igreja da Graça, e o quartel dos bombeiros era ali quase ao lado. Lembro-me de um dia a sirene dos bombeiros tocar e eu já não fui à catequese, fui para o quartel dos bombeiros e comecei a ir assim. […] No intervalo das aulas, ia sempre para o quartel dos bombeiros, à catequese tenho a impressão que nunca mais fui, fugia para os bombeiros. Quando a minha mãe e o meu pai souberam ficaram assim um bocadinho “zangadinhos” comigo, mas são coisas normais. A minha ligação aos bombeiros começou assim. Nunca tive ninguém de família que tivesse sido bombeiro, apareci ali por obra e graça do Espírito Santo, digamos assim.
E o percurso até chegar a comandante, como é que foi?
Eu passei a pronto aos 18 anos, que era a idade mínima para ser bombeiro de terceira. Dois anos ou três depois concorri a bombeiro de segunda, passei. Depois passei a bombeiro de primeira, depois a subchefe. Subi praticamente a hierarquia toda, até que fui nomeado para o comando em 1987, como adjunto do comando. Tive dois ou três anos como adjunto do comando e depois nomearam-me comandante. Que idade é que tinha? Quando fui para comandante, 33 anos. Muito novo. Lembrome que na altura haviam vozes em Torres Vedras que diziam: “Puseram um rapazinho tão novo à frente dos bombeiros, querem dar cabo dele.” Mas não deram cabo dele, porque ele aguentou-se bem. [risos]
Como é que se gere, durante 31 anos, um grupo de pessoas tão alargado que está sujeito a situações de tanto risco e pressão?
Isto para mim foi tudo muito simples. Se me perguntasse agora, ao fim destes anos todos: “Estás cansado?” Eu diria que não. Ninguém se cansa por fazer aquilo que gosta. E como vim para os bombeiros muito novo habituei-me ao serviço desta casa. […] Quando passei a comandante acabou por ser uma continuidade, é claro com responsabilidades completamente diferentes. Isto foi uma opção de vida. Eu raramente me ausentava de Torres Vedras preocupado com um fogo grande que houvesse, com um acidente grande. A minha vida foi sempre assim. Tivemos sempre um corpo de bombeiros de excelência, uma dedicação muito grande por parte de todos e quando as coisas são assim facilita, e de que maneira, o trabalho do comandante. Portanto, foi uma vida muito ativa, muito operacional, mas de alguma forma com relativa facilidade de gerir dada a grande dedicação dos bombeiros.
Foi uma vida muito ativa, muito operacional, mas de alguma forma com relativa facilidade de gerir dada a grande dedicação dos bombeiros.
Estava à frente dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras num dos momentos mais difíceis para o nosso Concelho, a ciclogénese explosiva em 2009. Como é que recorda aquele dia 23 de dezembro?
Eu recordo-me que estava em casa a dormir, como a maior parte dos torrienses, era uma e meia da manhã, telefona-me o operador da central a dizer que tinham dezenas e dezenas de chamadas de socorro. De facto o vento era muito forte, mas nunca pensei que estivesse a causar os prejuízos que estava a causar. Cheguei a Torres Vedras com muita dificuldade, e moro aqui tão pertinho, porque havia árvores caídas na estrada. […] Nos primeiros minutos queríamos sair com os carros para as várias situações de socorro e não conseguíamos abrir os portões, porque o vento não deixava abrir os portões. Até que, entretanto, houve ali uma pequena quebra, conseguimos e saímos para as várias situações de socorro. […] Foram quinze dias efetivamente muito difíceis, mas cumpriu-se bem a missão que era necessária e toda a gente reconheceu isso, o trabalho dos bombeiros e de outras entidades. Muita gente a trabalhar e conseguiu-se minimizar ao máximo uma situação de catástrofe no nosso Concelho. Naquele dia de manhã, no dia 23, às oito, nove da manhã todas as estradas nacionais já estavam abertas. Já tinham sido cortadas dezenas e dezenas de árvores que estavam na estrada. Fez-se um trabalho fantástico, sem dúvida nenhuma.
E mais recentemente a pandemia, em que esteve também na linha da frente.
[…] Quando foi na primeira fase isto aqui tocou um bocado sério. Quarenta bombeiros estiveram infetados em casa. Eu estive, por exemplo, em casa. […] Porque grande parte das pessoas que estão infetadas e que estão mal em casa antes de chegarem às mãos do médico no hospital, são os bombeiros que as vão buscar a casa, portanto estão logo na primeira linha. E chegámos a ter quarenta bombeiros infetados, foi muita gente. Fez alguma mossa. Isto acabou porque os outros oitenta, que felizmente não tiveram nada, tiveram que se redobrar ainda mais para que se pudesse ultrapassar isto.
Neste momento, a situação está-se a agravar. Grande parte do país está vacinado, vamos esperar que as coisas não sejam tão graves, mas temos que ter muita preocupação e muito cuidado com isto.
Ao longo deste tempo enquanto bombeiro, qual é que foi para si a situação mais marcante?
Tive muitas, mas se calhar a mais marcante de todas foi até no primeiro ou segundo ano de ser comandante. Um incêndio aqui numa freguesia em que quando nós chegámos a casa estava toda tomada pelo fogo e disseram- -nos que havia lá uma criança dentro. Entrámos logo mas, infelizmente, uma criancinha pequenina estava toda queimada. […] Foi talvez dos quadros mais difíceis.
Depois de ter sido um dos comandantes há mais tempo em serviço no país passou para o quadro de honra, ao atingir o limite de idade. Como é que olha para trás?
É com satisfação. Eu não estava à espera agora quando saí para o quadro de honra de ser tão elogiado, tanta condecoração, pessoas que passam por mim na rua, algumas eu nem conheço, felicitam-me. Eu fiz isto por paixão, porque gosto, portanto não me custou nada. Mas sou daquelas pessoas que compreende perfeitamente que tudo tem um princípio, um meio e um fim. […] Eu concordo plenamente com os 65 anos, chegou a minha vez de passar para o quadro de honra. Continuo a ser comandante desta casa, estou no quadro de honra, não tenho é de andar a correr para as emergências, nem nada disso. O que eu desejo ao meu sucessor, ao comandante Hugo, são as maiores felicidades e ele vai fazer um grande trabalho. Eu costumo dizer que se as coisas me correram bem e se eu fui louvado por tanta gente tenho que agradecer aos meus bombeiros. Os meus bombeiros é que permitiram, com o trabalho deles, que efetivamente o comandante fizesse uma boa missão. Eles vão continuar a fazer essa boa missão e esta casa será sempre o expoente máximo em termos de solidariedade com as pessoas. […] Torres Vedras tem um grande corpo de bombeiros e continuará a ser assim, sem qualquer sombra de dúvida.
Torres Vedras tem um grande corpo de bombeiros e continuará a ser assim, sem qualquer sombra de dúvida.
Para além da sua carreira nos bombeiros, também é conhecido pela sua carreira na música, com o conjunto Fernando Barão.
É verdade. O meu pai, quando eu nasci, já tocava acordeão. Aos nove, dez anos o meu pai comprou-me um acordeão e eu fui aprender. Tinha habilidade, ao fim de um ano ou dois já tocava muito bem. E depois naquele tempo, estamos a falar há cinquenta anos, havia os bailaricos das aldeias com os acordeonistas. Eu tocava bem e falavam-me para ir a muitas terras. Lembro-me de ter os meus 15, 16 anos e toquei duas ou três vezes com a Eugénia Lima, a melhor acordeonista portuguesa de todos os tempos. […] Toquei com os grandes acordeonistas portugueses na altura. Eu também tocava muito bem. E depois aos vinte anos quando acabei o Serviço Militar, apareceram os acordeões eletrónicos e montamos um conjunto de música popular portuguesa. […]
Na altura eram dos conjuntos mais conhecidos aqui na zona...
Sim, na altura éramos, sem qualquer dúvida, [muito conhecidos] na zona de Torres Vedras, Caldas de Rainha e Alcobaça. Tínhamos muitos contratos. Às vezes, no verão havia noites seguidas a tocar. É claro que eu falava sempre com o comando, eles sabiam que eu não estava cá e, portanto, o segundo comandante e os adjuntos estavam. […] Conciliei sempre as duas [carreiras], mas há cerca de dez, doze anos parei. Efetivamente, foram uns anos bem bons que andei nesta atividade musical e também gostei muito disso. Agora tenho o acordeão em casa para a paródia com os amigos.
Aos 53 anos decidiu ir estudar, licenciou-se em Proteção Civil. O que é que levou a voltar a estudar?
Fui para a universidade com o meu filho. Acaba por ser engraçado. Mas eu fui naquela de "eu entusiasmo o rapaz, ele fica lá e eu depois venhome embora", mas também me entusiasmei. […] Foram muitas horas, dezenas de horas a estudar, mas também digo-te uma coisa a minha média na licenciatura foi quinze e na pós-graduação dezasseis. […]
É exatamente agora na área da Proteção Civil que continua a trabalhar, no serviço à população, neste momento está no Serviço Municipal de Proteção Civil. Como é que perspetiva os próximos anos?
Sim, até à minha reforma, digamos assim, estou no Serviço Municipal de Proteção Civil, com os meus colegas. Também há muito trabalho para fazer. Estamos com vários projetos em mão, […] estamos a terminar a atualização do Plano Municipal de Emergência, vamos fazer um plano de emergência para as cheias, porque Torres Vedras é uma cidade com risco de cheia. Há muita atividade todos os dias. […] Agora é uma vida mais calma, sem dúvida nenhuma, mas também com muito trabalho.
Quando: 2 de dezembro
Onde: Bombeiros Voluntários de Torres Vedras
Entrevista: Filipa Sérgio
Fotografia: Susana Batista