Laura Rodrigues
24.11.2021
Reside em Santa Cruz, é mestre em Proteção Integrada e licenciada em Engenharia Agronómica. Dedicou 26 anos da sua vida profissional ao ensino, foi membro da Assembleia Municipal e integra o Executivo Municipal desde 2009. Este ano, assumiu a presidência da Câmara Municipal de Torres Vedras. Na sua última edição de 2021, a Revista Municipal [Torres Vedras] está à conversa com Laura Rodrigues.
Foi eleita presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras nas Eleições Autárquicas do passado dia 26 de setembro. Como encara o facto de ser a primeira mulher eleita para o cargo nestes 45 anos de poder local em Torres Vedras?
Começamos logo por um assunto que é muito gratificante. E penso que é exatamente esse o sentimento que eu tenho, é de gratificação e de orgulho exatamente por essa circunstância. Creio que é como quebrar um ciclo e mostrar que as mulheres podem e devem ocupar os lugares de decisão. E está mais do que na altura de as mulheres fazerem esse trabalho e ocuparem esses cargos. Ao longo de toda a minha vida tenho tido este objetivo de mostrar que as mulheres podem trabalhar em qualquer área de atividade, têm exatamente os mesmos direitos que têm os homens. Terão os mesmos deveres, não são iguais, mas efetivamente são complementares. E, portanto, no fundo é o cumprir de alguma coisa que vem daquilo que é a minha atividade. Nunca fui muito ligada propriamente a movimentos reivindicativos ligados ao feminismo, mas a minha vida foi ancorada, exatamente, nessa perspetiva: a perspetiva de mostrar aquilo que as mulheres, efetivamente, podem ser (…). Diria até que raciocino um pouco como a Kamala Harris quando tomou posse, foi eleita vice-presidente dos Estados Unidos: é a primeira, mas não será a última.
Ao longo de toda a minha vida tenho tido este objetivo de mostrar que as mulheres podem trabalhar em qualquer área de atividade, têm exatamente os mesmos direitos que têm os homens.
Falámos aqui das eleições, uma das frases que marcou a sua campanha eleitoral foi “cuidar o legado, construir o futuro”. De que legado estamos a falar?
Estamos a falar do legado de 45 anos de trabalho do Partido Socialista na nossa autarquia. Efetivamente quando nós pensamos em 45 anos, a modificação que o nosso Concelho sofreu é extraordinária. E esse trabalho foi feito sempre elegendo equipas do Partido Socialista para liderar esse trabalho. Todos sabemos que há sempre coisas com que concordamos e outras com que discordamos, quaisquer que sejam as equipas e partidos. Mas efetivamente o que acontece é que todo este trabalho teve como equipas liderantes as equipas do Partido Socialista. E, portanto, eu revejo-me completamente nos princípios, nas orientações que foram traçadas para aquilo que é o trabalho do nosso município, o trabalho de proximidade, o trabalho de equipa, o trabalho com as nossas juntas de freguesia, com as nossas IPSS, com as associações de uma forma geral (…). Todo esse trabalho é um legado que aceito com muito orgulho e ao qual quero dar continuidade.
Que princípios norteiam a sua forma de estar na política?
Primeiro, eu acho que quem ocupa cargos de natureza política, os eleitos, têm de ter noção de que aquilo que os eleitores fizeram foi dar um voto de confiança. Investiram neles para liderar os destinos de uma determinada autarquia. E isso é uma coisa que devemos ter presente todos os dias, todos os minutos, nas nossas decisões, no nosso trabalho. Aquilo que as pessoas esperam de nós é que cumpramos aquilo que são os compromissos, que trabalhemos em proximidade como dissemos que trabalharíamos, que as ouçamos todos os dias (…).
Esperam de nós integridade e independência nas decisões. E eu penso também que alguma frugalidade nas decisões que se tomam, naquilo que é a nossa forma de estar como autarcas, como políticos, como decisores (…). Mas penso que, fundamentalmente, termos consciência, todos os dias, que nos deram um voto de confiança e que temos essa responsabilidade. Foi a isso que nos sujeitámos e é isso que temos de ter em atenção todos os dias.
Queremos que nos seja garantida a construção do novo Centro Hospitalar do Oeste e alguma requalificação da unidade hospitalar de Torres Vedras.
Em que eixos deve assentar o desenvolvimento do Concelho ao longo dos próximos anos?
Por um lado, aproximar a Cidade e valorizar aquelas que são as nossas áreas mais interiores (…). É claro que precisamos que haja habitação condigna e acessível para que os jovens se possam fixar, precisamos de ter condições para que as suas crianças possam ingressar na creche logo que necessitam e depois prolongar a sua escolaridade durante o primeiro ciclo. E, portanto, vamos incentivar muito e trabalhar muito com as instituições de solidariedade social para, nos lugares e freguesias onde não haja uma creche, que elas sejam estabelecidas (…).
Depois, questões ligadas à competitividade e à inovação do nosso território. Temos um território que é extraordinariamente competitivo, com empresas de imensa qualidade, de grande dimensão. Em termos de exportação, a viticultura e a horticultura são duas áreas muito fortes e que também precisam de ser valorizadas (…).
As questões ligadas à mobilidade e às acessibilidades, particularmente para estas empresas, e o princípio daquilo que possa ser a estrada para Santa Cruz, com a realização do troço de via rápida entre o nó da autoestrada no Ramalhal e esta zona de grande concentração de empresas, na zona das Palhagueiras. Será uma melhoria muito significativa para o trabalho destas empresas, para o escoamento das suas produções e, por outro lado, para ajudar a que as outras vias para Santa Cruz possam ficar descongestionadas (…).
Também na própria relação entre os serviços da Câmara Municipal, as empresas e os cidadãos. A celeridade daquilo que são as respostas necessárias, fundamentalmente para as empresas, é algo que estamos a trabalhar desde já. Temos identificado os pontos críticos e feito essa modificação, porque significa dar melhores condições para que as empresas possam começar o seu trabalho na altura que deve ser e que não passe a oportunidade do próprio investimento.
A área da Saúde é fundamental e determinante para o nosso Concelho. Por um lado, porque já temos constituído um cluster de Saúde. Sabemos que temos entidades, quer privadas quer públicas, que têm significado aqui no nosso Concelho, que pode haver sinergias entre elas. E queremos que nos seja garantida a construção do novo Centro Hospitalar do Oeste e alguma requalificação da unidade hospitalar de Torres Vedras, que está no limite e precisa com muita urgência de investimento para que possa continuar a servir, por alguns anos, os nossos utentes.
Estas são áreas-chave para o nosso trabalho, sendo que a Educação é sempre uma área que continuamos a trabalhar. Temos 17.500 alunos no nosso Concelho e para estes alunos temos de ter um trabalho muito efetivo no que toca à requalificação dos espaços escolares — estamos aqui hoje num belo exemplo dos últimos espaços que foram construídos.
As questões da sustentabilidade ambiental e da transição climática são transversais a todo o nosso trabalho. É efetivamente uma exigência em termos de vida (…) e que possamos deixar aos nossos filhos pelo menos igual ao que recebemos, para que não nos sintamos os predadores do planeta (…).
Pensando agora numa perspetiva mais pessoal, como tem sido conciliar a sua vida pessoal com o cargo de presidente da Câmara Municipal?
Para mim não é tão difícil como seria eventualmente para outras pessoas que são mais novas e têm famílias com crianças pequenas. Mas efetivamente são cargos em que os horários não existem, as nossas preocupações são preocupações de todas as horas, em que podemos acordar às duas ou três da manhã e pensar como vamos resolver este problema que temos em mente. Mas com boa vontade e, no meu caso, sou apenas eu e o meu marido e ele já se habituou a esta forma, que não tem horários, que é muito variada em termos familiares.
Não tenho grandes limitações neste aspeto. Tenho muita pena de ver os meus netos muito pouco tempo (…). O nosso equilíbrio em termos emocionais, em termos pessoais, depende disso também. Portanto vou tentando arranjar uns bocadinhos para estar com o meu filho, a minha nora e os meus netos, nem que seja ao levá-los à escola e naquele dia vamos conversando pelo caminho, metemos a nossa conversa em dia. Acho que temos de conseguir um equilíbrio, apesar de às vezes ser efetivamente difícil (…).
Alguma afetividade na forma de estar com as pessoas é uma característica minha e que acho que ajuda a tirar alguma agressividade que às vezes existe na relação com as pessoas.
Que características pessoais acha que podem “ajudar” a desempenhar estas funções?
O facto de ter 62 anos ajuda muito (…). A questão da tranquilidade e da paz para resolver as coisas e olhar para elas com calma e atenção, penso que é algo que eu consegui adquirir ao longo dos anos, com as coisas boas e as coisas menos boas por que fui passando.
Alguma afetividade na forma de estar com as pessoas é uma característica minha e que acho que ajuda a tirar alguma agressividade que às vezes existe na relação com as pessoas, sobretudo com as pessoas que têm pontos de vista diferentes dos nossos (…). O primeiro passo é conseguirmos conversar, identificar os problemas, para depois os podermos resolver.
Por outro lado, sou relativamente frugal em termos de vida, não acho que precisemos de coisas muito significativas, muito luxuosas, em grande quantidade, para podermos viver bem e estar bem. E isso na política, nos cargos que se ocupam, deve ser uma constante. Portanto como já sou assim em termos de vida, ajudará a que possa estar no cargo com alguma tranquilidade. Não estou à espera de nada transcendente, nem de estar num sítio que seja especialíssimo (…).
O seu percurso académico e profissional não começou com a agronomia. O que a levou até esta área?
A minha primeira incursão no ensino pós-secundário foi no IADE, em Design. É uma área de que continuo a gostar imenso, mas que depois deixei, era muito mais seguro ir para agronomia. Também gostava muito de tudo o que era ligado ao ar livre e às questões de natureza ambiental (…). Mas nesta área acabei por fazer a minha especialização em economia e sociologia agrária. Portanto, a área económica, dos investimentos na agricultura, também foi muito importante para mim. Aliás, ao longo dos anos, para além das aulas, trabalhei muito a área do investimento na agricultura, em particular na área da horticultura.
É uma característica minha, gostar de diversas áreas. Há pessoas que nascem para ser biólogos ou historiadores. Eu não, eu nasci para gostar de muitas coisas e para trabalhar um bocadinho nesta, nesta e nesta (…). Como tenho esta visão de sistema relativamente ao que está à nossa volta e onde nós estamos integrados, creio que isso me ajuda. E pronto, o resto da vida será assim. [risos]
Eu nasci para gostar de muitas coisas e para trabalhar um bocadinho nesta, nesta e nesta.
Do campo para o mar, e estamos aqui bem perto de Santa Cruz, onde reside. Como olha para o desenvolvimento destes 20 km de costa ao longo dos últimos anos?
Posso dizer que é quase um desenvolvimento sustentado. Ou seja, nós não tivemos, felizmente, aqueles desenvolvimentos rápidos com imensas construções, com imensos bairros e casas a serem construídas à beira-mar.
Temos conseguido preservar aquele que é o nosso litoral, com algumas agressões como sabemos, sobretudo aqui na zona de Santa Cruz, onde houve uma maior expansão sobretudo nos anos 80/90. Mas ao longo dos anos isso tem-se diluído em tudo o que tem sido feito. É uma costa com imensa qualidade, com imensas potencialidades, quer em termos turísticos exclusivamente sol e praia, quer para as atividades náuticas, o turismo do surf, o turismo das ondas (…).
A qualidade da nossa restauração, da nossa hotelaria, tem melhorado. Gostaríamos que houvesse mais e que as melhorias tivessem sido já mais significativas, mas eu acho que está a aparecer uma nova geração de empresários com uma visão de mundo, que é muito precisa para poderem ter uma oferta diferenciada e de qualidade para aqueles que nos visitam (…). Nos últimos anos já é visível que o público que vem para Santa Cruz é muito diferente daquele que tínhamos aqui pela nossa costa há 10/15 anos e fruto dessa oferta que é já diversificada.
Para terminar, gostava de lhe perguntar: como caracteriza Torres Vedras e os torrienses?
Nós temos condições excecionais, estamos geograficamente muito bem situados, temos recursos que são excelentes. Temos campo, temos costa, estamos muito perto da capital, muito facilmente podemos aceder a qualquer coisa, podemos ter alimentos de qualidade produzidos aqui, podemos ter peixe muito bom daqui também. Temos um leque muito bom de recursos à nossa disposição.
E os torrienses eu acho que são pessoas muito acolhedoras, por um lado, e por outro lado muito empreendedoras. Do conhecimento que tenho relativo às nossas empresas, aos nossos empresários, tenho verificado sempre que independentemente de haver ou não fundos comunitários, mais ou menos apoios, eles são profundamente resilientes e levam as suas empresas em frente (…).
Vimos durante esta fase pandémica a forma como as pessoas se mobilizaram, fosse para alimentação, para ajuda económica, para fazer máscaras, para levar os filhos para outro sítio qualquer, para ficar com os filhos de outras pessoas que estavam doentes, isso aconteceu em todo o lado. E, portanto, isto é um valor imenso que temos de dar àquilo que são os nossos torrienses e que vem exatamente desse espírito empreendedor e de participação na comunidade, que eu acho que é uma característica muitíssimo boa. Somos uns sortudos. [risos]
Onde: Escola Básica de Póvoa de Penafirme
Quando: 15 de outubro de 2021
Entrevista: Rita Santos
Fotografia: Susana Batista