Tomé Ferreira
09.08.2023
Foi em Torres Vedras que começou a sua formação em dança e hoje participa em competições internacionais. Recentemente conquistou duas bolsas de estudo e participou no Grand Prix Dance Open America, onde arrecadou três prémios. A Revista Municipal [Torres Vedras] está a conversa com Tomé Ferreira.
Como começou a tua relação com a dança? Quando é que começaste a dançar?
Desde que estava na creche o meu brinquedo favorito eram uns phones e um mp3, eram as músicas do meu irmão. Eu estava sempre a ouvir música, sempre tive aquele “bichinho”. Tive uma prima que entrou para o hip hop, ainda éramos novos, aquela dança de “freguesia”. Eu fui assistir, passei a aula toda a dançar e a professora disse à minha mãe que eu tinha muito jeito. Apanhei a coreografia toda numa só aula. E pronto, comecei com o hip hop. Fiquei, fui fazendo as aulas... E foi aí que começou.
Depois disso começaste a dançar na Escola de Dança Movimento, em Torres Vedras. Como é que fazias para conciliar os estudos com a dança? O que recordas desses tempos?
Sendo bom ou mau, eu sempre meti a dança à frente dos estudos. Porque sempre soube que era isso que queria fazer e que não eram precisos assim tantos estudos, porque era uma parte mais artística. Estive muitas horas aqui e sempre consegui conciliar os estudos com a dança. Quando entrei para aqui também andava no futebol e consegui conciliar as três coisas, porque sempre geri bem o tempo.
Depois passaste também pela Escola Artística do Conservatório Nacional de Dança. Quanto tempo é que estiveste por lá? Como foi essa experiência?
Estive lá dois anos, no 8.º e 9.º [ano]. Não foi fácil, porque fui para lá com 13 anos. Aos 14 fiquei lá um ano a viver sozinho. E aquilo é muito mais rígido. Apesar de aqui já serem rígidos connosco, o Conservatório é mesmo outro nível, é a melhor escola nacional. Tinha muitas horas diárias em que me estavam constantemente a avaliar, tinha exames no final do ano [...] Não foi fácil, mas consegui fazer até ao nono, passei para o décimo mas não segui por escolha.
2023 tem sido um ano de importantes conquistas. Podemos dizer que começou, de certa forma, com o 1.º prémio a solo em Dança Contemporânea no ADAGIO - Encontro Internacional de Dança. Como é que te preparas para participar neste tipo de competições?
Preparo-me com muito treino. Foram muitas horas a vir para aqui, para este estúdio precisamente. Sair da escola às 13h30 e estar aqui das 14h00 até à noite, a ensaiar, a ter aulas que compõem a parte técnica do solo. Foi muito esforço meu, da escola, dos coreógrafos (o João Cabaça e o Gleidson Vigne), dos meus pais, dos meus amigos. Tive de abdicar de muita coisa, porque via os meus amigos a ir para a praia, a divertirem-se, e eu vinha para aqui fazer o que gosto. Mas foi com muito treino e mesmo preparação psicológica, porque eu chego lá e fico muito nervoso. Fico sempre nervoso. Mas consegui fazer.
O resultado dessa participação não podia ter sido melhor. Em maio participaste no Grand Prix Dance Open America e vieste de Miami com três prémios. Como é que foi essa experiência?
Foi inesquecível mesmo. Inexplicável. Não tenho bem palavras para descrever, porque foi um sonho. Eu estava lá e falava com os meus amigos e dizia ‘não acredito que estou aqui’. Foi bastante esforço e dedicação, mas estava lá e não acreditava. Mesmo com a classificação e depois de cá chegar, eu não acreditava [...] Agradeço a toda a gente que fez isto acontecer e me apoiou nesta jornada.
Recentemente, no âmbito destas competições, recebeste duas bolsas de estudo, na Alemanha e nos Estados Unidos. Como é que olhas para estes desafios?
Olho com dificuldade, porque as bolsas pagam os estudos, mas não pagam a estadia nem a alimentação. Infelizmente não as vou aceitar por causa disso mesmo, porque uma delas é em Munique e o estilo de vida lá é caro e nos Estados Unidos também, apesar de nos Estados Unidos ser uma bolsa de verão. Sai sempre muito caro e nós não temos essa possibilidade. Então fico bastante agradecido e sem palavras por ter recebido duas bolsas de duas escolas diferentes, mas não as posso aceitar por causa disso.
Muita gente não tem noção de que as coisas funcionam assim. Mas também não têm noção de todo o trabalho que está por trás para se chegar ao nível em que estás neste momento. Como é o teu dia a dia? Quantas vezes ensaias?
Sim, [ensaio] diariamente e algumas horas por dia. Mesmo aos fins de semana, sábados, domingos, às vezes feriados.
São muitas horas, ensaios extra, antes das aulas vir para aqui ensaiar. Com muito esforço dos professores, principalmente do João Cabaça, que é o meu mestre e me acompanha sempre. Não conseguiria fazê-lo sozinho.
Como é o processo de “entrares” numa coregrafia?
Usando o exemplo do solo que ganhou em Miami, que foi também o professor João Cabaça que criou, eu disse-lhe mesmo: ‘quero um solo que as pessoas vejam e chorem’. Porque eu acho que é o meu forte, transmitir a emoção para o público e para quem me está a ver. Ou seja, nós criámos a base de uma história, que ganhou o nome de Desilusão, depois passámos à música e depois a criação.
O que é mais importante para ti numa coreografia?
Para mim, é sentir a história. Porque os movimentos são sempre movimentos. Mas se olharmos para duas coreografias em que uma delas transmite-nos alguma coisa e a outra são apenas movimentos… Até pode ser que os movimentos sejam melhores, mas eu, pessoalmente, vou sempre preferir a que me transmite alguma coisa. Acho que isso para mim é a principal coisa numa coreografia.
No mundo da dança e no teu percurso como bailarino, tens alguém que te inspire?
Neste ramo tenho duas grandes inspirações, o meu professor João Cabaça e um bailarino que é o Gonçalo Almeida Andrade. O Joao Cabaça porque fez o Conservatório todo, do 5.º ao 12.º ano, trabalhou em diversas companhias, mas apesar de tudo sempre foi um b-boy [pessoa que dança breakdance, estilo de dança ligado ao hip hop]. E como eu comecei no hip hop também… Ele mistura o hip hop com o ballet e com a dança contemporânea. E sempre me fascinou porque não é qualquer b-boy que tem essas bases e que as aplica em battles, em coreografias, em cypher [movimento de dança]. E sempre me fascinou muito essa componente dele, a humildade, a simpatia, a dedicação. Porque o acompanho há cerca de 10 anos, mais talvez. E sempre gostei imenso de trabalhar com ele.
Em relação ao Gonçalo Almeida Andrade, já tive muitas aulas com ele. É bailarino e professor também. Ele tem várias componentes que são as minhas preferidas na dança contemporânea. É talvez a pessoa que tem o estilo mais aproximado ao meu. E sempre fui buscar diversas componentes ao estilo de dança dele para os aplicar em mim […] Estas são as minhas duas maiores inspirações neste ramo, não falando dos meus pais, que também sempre me apoiaram.
Como olhas para o teu futuro? Vai ser a dançar?
Vai ser a dançar. [sorrisos] O meu futuro agora... Vou inscrever-me para a Escola Superior de Dança. Vou fazer as audições, não sei se entro ou não. Mas vou tentar entrar, fazer a licenciatura. Vou fazendo audições para companhias. Se entrar em alguma que eu ache que valha a pena, posso sempre congelar a matrícula, ir para a companhia e ganhar mais formação. Enquanto sou mais novo, é melhor entrar em companhias agora e deixar a licenciatura, mesmo que esteja congelada, para mais tarde. Porque é como nos jogadores de futebol, aos 18 anos têm mais “promessa” do que aos 25, por exemplo. Quanto mais novo começar a dançar em companhias e a trabalhar dentro do ramo, melhor. E a licenciatura posso sempre fazer mais tarde.
E interessa-te particularmente a dança? Ou coreografar e dar aulas também é algo em que pensas para o futuro?
Sim. O que eu sempre quis fazer era ser coreógrafo e professor. Mas para uma pessoa ser um bom coreógrafo ou bom professor, tem de passar pela dança. Tal como um bom treinador de futebol tem de jogar à bola. Então eu acho que é isso. Eu tenho de dançar. Porque ainda sou novo, só tenho aulas, ainda não sei o que é trabalhar no ramo. E pronto, dão-me sempre bastantes bases para ser um bom coreógrafo. Eu próprio [tenho de] lidar com diferentes coreógrafos para saber o que eles fazem ou não. Para depois ter os meus métodos, adaptados de diversos [coreógrafos] que eu veja e com quem trabalhe.
E perante tudo isto, o que é que a dança significa para ti?
Digamos que a dança agora é a minha vida. Para além de trabalhar para a dança, é o que eu mais gosto de fazer, é o que me divirto a fazer, é o que eu faço no meu tempo livre. E é uma grande dedicação, mais uma vez, minha e de toda a gente que me rodeia. Nunca foi fácil porque, lá está, não é só ter um dom, que eu não acho que tenha. Acho que é muito trabalho e muitas horas “perdidas”, que não foram perdidas, deram frutos.
Cresceste e formaste-te em Torres Vedras. Como é que olhas para esta cidade?
O que eu sempre disse que queria fazer era ser coreógrafo e professor. Normalmente as pessoas da dança querem sair do país, porque Portugal não lhes dá uma grande oferta de cultura. E eu sempre concordei: sim, quero ir para fora, ter bases de fora. Mas quero criar a minha escola de dança, ou algo desse género, aqui nesta cidade. Ainda agora com Miami apoiaram-me imenso. Tanto a Câmara como a Junta, como diversas pessoas aqui, que eu até nem tinha noção que me apoiariam. E [quero] agradecer a todos eles. Sempre vivi aqui, sou nascido e criado. Tenho imenso orgulho nesta terra, sempre a representá-la… E é isso que queria fazer, transmitir o que eu sinto por forma de uma escola de dança, de uma companhia, algo desse género, aqui mesmo.
Quando: 20 de junho
Onde: Escola de Dança Movimento – Associação Estufa
Texto: Rita Santos
Fotografia: Susana Batista