Torres Vedras

A Presença Islâmica em Torres Vedras

01.03.2015

A Presença Islâmica em Torres Vedras

Em 711, populações recentemente islamizadas e arabizadas, na sua maioria berberes, oriundas do norte de África, atravessaram o estreito de Gibraltar, invadindo a Península Ibérica. Eram comandadas por Tariq, cujo nome ficara registado em Jabal Tariq (‘monte de Tariq’), o mesmo nome ‘Gibraltar’ que a toponímia torriense acolhera. Desde então, o território sob domínio árabe foi-se alargando, integrando o ocidente peninsular, por volta de 714.

Torres Vedras seria já um hisn (sítio fortificado com função militar, pelo menos defensiva, mas também o território dependente em volta), uma fortaleza do período islâmico ou anterior, que serviria de abrigo, em caso de perigo, à população do núcleo urbano localizado na vertente sul do morro, de que é exemplo o sítio medieval dos paços do concelho com uma ocupação islâmica do período califal (926-1029). Uma localização que lhe permitia o controlo de importantes vias terrestres já no período romano, que de Olisipo (Lisboa) seguiam para Aeminium (Coimbra), pelo litoral, passando por Chretina, identificada com Torres Vedras - um centro administrativo e fiscal onde, junto da fortaleza, os camponeses se encontrariam para o mercado e a oração de sexta-feira, crendo na tradição da existência de uma mesquita no sítio da igreja de Santa Maria.

Torres Vedras seria já um hisn (sítio fortificado com função militar, pelo menos defensiva, mas também o território dependente em volta), uma fortaleza do período islâmico ou anterior

Em volta da fortaleza, mas dela dependentes, localizavam-se diveras qurã (aldeias; pl. de qarya). Muitas delas com topónimos árabes e moçárabes que testemunham a sua presença: Atalaia, tursifal que pela raiz «trs» significa provavelmente “defesa, guarda ou proteção”, Alfacias, Alfeiria (horta ou espaço cercado onde se guardaria o gado), Almargem (do ár. al-marj = prado), Almageira, Almiarça (do ár. al-marsã = porto), Asseisseira (as + salice termo lat. de salgueiro), Moçafaneira, Azueira, Pero Negro, Apaul de Alvim, ribeira de Alpilhão, Almofala (do ár. al-mahalla = campo ou pequeno aglomerado, aldeia), Secarias (do ár. saqarias), Ribeira de Alcabrichel, Enxara do Bispo (D. Vasco), Enxara (do ár. an-xara = Charneca) dos Cavaleiros. Um conjunto de topónimos que atesta uma intensa ocupação medieval islâmica do aro rural.

Topónimos que confirmam uma maior arabização do que islamização do Gharb al-Andalus (o ocidente sob o domínio islâmico), bem como o predomínio de moçarabismos pelo facto de a maioria dos povos “colonizadores” serem berbéres saharianos, pouco islamizados, de que chegou até nós o termo «saloio», de sahrãwi - habitante do Sahara.  Termos próprios de uma região onde o diálogo entre cristãos e muçulmanos acontecia natural e diariamente, a par do mantido com a comunidade judaica. Testemunhos de que Torres Vedras fora durante mais de quatro séculos ‘terra de mouros’, espaço de diálogo permanente entre as religiões do livro, onde a par dos judeus, cristão e muçulmanos caminhavam lado a lado orando ao mesmo Deus, até ao século XII, quer Este fosse grafado em latim - Deus – quer fosse grafado em árabe - Allah (do ár. al ilãh, literalmente, ‘o Deus’. Um espaço de tolerância, que importa lembrar, porque, como dizia o ‘velho’ Cícero, ‘a memória diminui... se não for exercitada’.

Carlos Guardado da Silva

Última atualização: 13.08.2019 - 15:33 horas
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