Alberto Avelino
01.03.2016
Alberto Avelino, presidente da Assembleia Municipal, é uma espécie de "história viva" do concelho das últimas décadas. Antigo trabalhador da Casa Hipólito e professor de Germânicas, foi o primeiro presidente da Câmara Municipal eleito após o 25 de abril, tendo posteriormente desempenhado as funções de deputado na Assembleia da República e de governador civil de Lisboa.
À [Torres Vedras] fez um itinerário biográfico pela sua vida, tendo abordado outros assuntos como a evolução do concelho, da política e da História. Para Alberto Avelino a História é algo que está a nascer todos os dias, sendo por isso cada cidadão chamado a construí-la, de preferência, com um espírito humanista...
Como começou a sua atividade política?
Tudo começou nos meus 21,22 anos, e com a questão da chamada Guerra do Ultramar. Eu seria um dos primeiros soldados a ir para Angola, mas porque fiquei isento de serviço militar não fui, mas sei de alguns amigos e conhecidos que foram.
Ainda trabalhava no Hipólito, e se por um lado me horrorizaram fotografias que vi daqueles acontecimentos, também me horrorizava o contrário, isto é, quem leva uma espingarda é para matar, como diria Halaparte “O herói é o que salva a pele”. E eu sinceramente não me estava a ver com capacidade para isso se tivesse de ir. Essa é uma grande marca que me leva a ter uma atitude política, a acordar para. Por outro lado, no Hipólito, é bom dizer-se, que havia lá pessoas que discutiam política. Estou a lembrar-me nomeadamente do António Augusto Sales que conseguia lá introduzir uns livrinhos do Luandino Vieira que era coisa absolutamente proibida. E depois de se ler aquilo via-se mais qualquer coisa. E então perguntava-me porque os livros não podiam ser vendidos. É o grande despertar, que nasce na Casa Hipólito, e que depois continua quando vou estudar, dar aulas e tenho outras aberturas e leituras. Em 64 já fui à Alemanha e nos anos seguintes também, para trabalhar nas férias e ganhar uns tostões, e ficava um dia ou outro em Paris. E aí os mundos são totalmente diferentes. Eu estou a lembrar-me de uma viagem que fiz com um empresário daqui em que lhe fui dar uma ajuda em termos de tradução e de em Génova ter ficado num hotelzinho que por baixo tinha a sede do partido comunista. Isto em 1966. Há um acordar. Imagine-se que por andar com aquele símbolo na lapela era-se aqui preso. Ora bem, são outros mundos, naturalmente que não são só lidos, mas vividos in loco.
Que momentos realça do seu percurso político, sendo que depois vieram os tempos frenéticos do 25 de abril?
O próprio 25 de abril. Estava em Lisboa no estágio pedagógico e também lá, no Liceu Pedro Nunes, falava-se que estava para desabrochar a revolução. Sabíamos que era mais dia, menos dia, e que seria antes do 1.º de maio. Lembro-me de ter acordado antes das 6 da manhã com barulho na rua, ter saltado da cama e ter ido para a rua ver o que se passava até que a fome me deitou abaixo eram três e tal da tarde. Mas consegui ver tudo no Terreiro do Paço, eram 10 para as 8 e já lá estava. Todos os dias que se seguem são de uma alegria extraordinária. Nunca vi tanta gente tão alegre e satisfeita como nessa altura e naturalmente comunguei disso. Vi que neste país tinha havido um virar de página muito interessante.
Nunca vi tanta gente tão alegre e satisfeita como nessa altura [no 25 de abril]
Para além de ter sido participante no 25 de abril fez também parte da Assembleia Constituinte. Que recordações guarda desse tempo?
Todas boas, naturalmente, porque o fruto foi no fundo uma constituição democrática e avançada no mundo. Tudo isso não foi fácil pois o país estava em revolução e as águas quando estão revoltas depois de umas chuvadas fortes não têm a passividade normal de um rio que corre pacatamente. O mesmo ali sucedia até porque havendo quatro forças dominantes na Assembleia, naturalmente que se cruzavam conceitos diferentes e como tal isso levava por vezes a uma discussão profunda. O que nós pretendíamos era que houvesse eleições e uma constituição a partir de uma Assembleia Constituinte que foi eleita para o efeito. Ora bem, isso não foi fácil e temos o "verão quente" de 75 que foi muito difícil. E outros dias difíceis como o cerco à Assembleia. Vi aquilo muito escuro, estivemos a dois passos quase de uma guerra civil. Mas os portugueses têm essa coisa boa. Discute-se muito, mas evita-se o confronto e não houve sangue.
Depois dá-se o 25 de novembro, as primeiras eleições autárquicas, volta para Torres Vedras e é o primeiro presidente da Câmara Municipal eleito após o 25 de abril, fazendo três mandatos… Sim, o último incompleto…
Como foram esses anos?
Tudo aquilo era um mundo novo porque tínhamos uma nova constituição que defendia o Poder Local. Mas depois não tínhamos as leis para implementar esse contínuo. E como tal estávamos altamente condicionados, não tínhamos um poder próprio, era um poder condicionado pelo Terreiro do Paço e por um Governo Civil, a chamada Junta Distrital de Lisboa, que era quem mandava nisto tudo. Ora bem, e depois na questão do desenvolvimento tínhamos aqui um “rang-rang” porque não tínhamos dinheiro. Foi uma espécie de escola primária para a sociedade em que a Câmara passou a viver para as pessoas e com as pessoas mas naturalmente sem dinheiro. Aparece depois pela primeira vez uma lei para o pessoal autárquico, já um passo importante, e depois aparece a Lei das Finanças Locais em 79, já uma etapa interessante e boazinha, mas estávamos limitados pelo dinheiro. Elencávamos no nosso orçamento um leque de obras extraordinárias e quando muito fazíamos uma estradinha de dois quilómetros. Não tínhamos capacidade para fazer saneamento básico. Já na eletricidade conseguiu-se fazer muitas obras. Houve também um trabalho com as chamadas comissões de moradores que era uma coisa lindíssima em que as pessoas trabalhavam em prol da comunidade e se não fizeram uma água ao domicílio não deixaram de fazer uma água ao público. E por outro lado também há a questão das sedes sociais, ou sedes do povo, que na altura tiveram um papel importantíssimo na componente social, nomeadamente quando em todas elas as pessoas podiam tomar banho por 25 tostões. Ora bem, também se introduziu esse hábito, de tomar banho, até porque grande parte das casas não tinha na altura casa de banho.
Eram tempos completamente diferentes…
Sim, como diz a canção, aquilo é que eram dias… Em que um autarca que era presidente era o único a tempo inteiro, era uma espécie de buldozer, que tinha de estar para todas. Os vereadores tinham as suas ocupações e vinham a uma reunião que se fazia à noite porque durante o dia trabalhavam. A Câmara era uma espécie de santuário político, chegar à Câmara, ao presidente, era uma coisa raríssima. E então, nós é que íamos ao encontro das pessoas. Palmilhei quilómetros e quilómetros, visitei tudo e conhecia qualquer esquinazinha ou qualquer pedra levantada aí no concelho, nos seus quase 400 quilómetros. Ora bem, isso também é uma ideia que se dá à sociedade, de que a vivência democrática não tinha nada a ver com a vivência ditatorial.
(...) a dor que tenho quando vejo que a Casa Hipólito desapareceu
Era um tempo em que se vivia a política de uma forma muito mais “quente”. Hoje há um alheamento muito maior da população em relação à política. O que acha que está na base dessa situação?
Como sabe, a coisa mais fácil de bater é nos políticos. E isso não é de agora. Quem ler o Eça de Queirós ou o Ramalho Ortigão, nomeadamente nas “Farpas”, veja-se logo o título, vê-se como os políticos são tratados. A História é uma constante. Em Portugal, há de facto um alheamento acentuado, porque diz-se que a política é uma porcaria e os políticos são todos a mesma "cambada". Mas não é. Às vezes digo aos meus netos que vocês, jovens, é que são o futuro, mas é preciso que o sintam, porque são de facto os motores deles próprios. Tudo o que está para trás é História, e a História é uma espécie de um alicerce que nos pode catapultar um pouco, mas a História é o futuro. A História está sempre a nascer. Há sempre é um presente que tem de ser vivido e trabalhado.
Recuando mais uma vez aos tempos já longínquos do 25 de abril, o poder torna-se mais acessível aos cidadãos. Como foi viver esses tempos em que houve um muito maior envolvimento da sociedade civil na atividade política?
Havia uma comunhão da sociedade civil e pública na definição ou pelo menos na audição de responsáveis para qualquer coisa ou para fazer qualquer coisa. Há todo um acordar da sociedade para um novo mundo que é o mundo democrático. Por outro lado, há também que dizer que já havia um naipe de políticos que eram anti-ditatoriais e que emprestaram o seu saber, a sua competência, a sua atitude à sociedade. E infelizmente parece que os políticos hoje só veem aquilo que é orçamento e que é dinheiro e não se discute mais nada, e na comunicação social acontece o mesmo. Há uma grande inoperância, em que não se vê o que são as pessoas, não se consegue discutir nada.
Acha que esse espírito crítico que existia nesses tempos está a desaparecer?
Sim…
Quais são os valores que nortearam a sua atividade como político e também, mais do que isso, como cidadão?
O valor mais caro para mim é o humanismo. Diria mesmo que é o único. Eu sempre me orientei por um espírito humanista profundo e olhando para a sociedade sempre em frente, nunca mais para cima ou mais para baixo. Para mim, os cidadãos são todos cidadãos e como tal merecem todo o respeito. E para mim esse respeito chama-se humanismo, porque dizer-se que se é muito humano mas depois só não se trama o parceiro se não se puder, para isso não contem comigo. Não retiro o valor de quem por exemplo consegue ganhar muito dinheiro com uma empresa, agora é preciso é nunca esquecer o que são as pessoas.
Recuando mais uma vez ao seu itinerário político, foi presidente da Câmara Municipal até 83 e depois foi deputado da nação. Como viveu esses tempos?
Benzinho. Fui deputado, presidi a uma comissão parlamentar, que se chama hoje de Administração Interna e Poder Local e, por outro lado ainda, estava encarregue de atividade partidária na comissão permanente do Partido Socialista e, como tal, isso implicava quase 24 horas por dia de disponibilidade. Depois que deixei a presidência dessa comissão mantive-me ligado à agricultura e pescas, em subcomissões. Foi interessante, mas penso que na minha vida profissional os trabalhos mais interessantes foram outros dois: ser presidente de Câmara, mas antes, ser professor, e foi com dor que abandonei a docência. Em relação aos outros, fui deputado durante quase 13 anos, fui governador civil durante quase 7 anos. Aconteceu e fi-lo com a capacidade que tinha, mas que me apaixonasse de facto, foi ser professor e presidente de Câmara.
Trabalhou na Casa Hipólito, foi a sua primeira experiência profissional. Como veio o gosto pelas Germânicas?
Bom, isso tem alguma história. Eu chumbei no 5.º ano, que é hoje o 9.º, e fui trabalhar, já que estava dependente do esforço da família, embora estivesse isento de propinas. E como tal fui trabalhar para o Hipólito, com muito gosto, diga-se de passagem. Penso que o apogeu do Hipólito dá-se na altura em que lá estou. Não foi por mim, éramos mais de mil a trabalhar lá, mas penso que também terei dado um contributo para o efeito e a dor que tenho quando vejo que a Casa Hipólito desapareceu… Trabalhei com muito gosto na Casa Hipólito, mas passado 3 anos ou 4 perguntei-me: mas o que é isto, e o resto? E lembro-me de um engenheiro que veio para aí e incentivou-me a tirar o resto do 5.º ano. Deu-me uns toquezitos à noite enquanto tomávamos um café, e assim acabei o 5.º ano. E depois pensei: bom, isto do 5.º ano só não chega. Pensei e quis ir mais adiante e preparei-me para Direito, até que assisti a uma audiência no tribunal e mudei de ideias. E assim mudo de História para Inglês, de resto, as disciplinas eram todas iguais. E é assim que eu vou para Germânicas e não para Direito, que era um dos cursos que podia tirar enquanto trabalhava, porque no Hipólito trabalhava-se das 8 da manhã às 6 da tarde. Agora, imagine como não era… Depois, com o 7.º ano feito e quando já estava na faculdade consegui ser professor provisório. Não era a minha paixão, naturalmente, a minha paixão até seria mais Agricultura e Medicina. Gostava muito de Medicina. Até cheguei a inscrever-me nesse curso, mas entretanto sou empurrado para candidato à Câmara…
Recuando mais atrás, aos tempos da sua infância, que recordações guarda da vivência na sua aldeia, na Fonte Grada?
Uma infância muito pobre, como acontecia em todas as aldeias. Todas as aldeias onde passava uma estrada nacional, tinha uma camioneta que lá passava, tinha algum desenvolvimento. Tudo o resto era uma vida muito circunscrita, pré-primária, primitiva, mesmo. Estou a lembrar-me que para se tirar a 3.ª classe havia uma professora que era ali do Casal da Torre, perto do Varatojo, que calcorreava aquilo tudo a pé e por carreiros por onde hoje um rebanho de cabras se recusava a passar. A eletricidade apareceu já eu tinha 14 anos, mas apenas 6 pessoas puseram eletricidade na Fonte Grada, nos primórdios...
Há uma grande inoperância, em que não se vê o que são as pessoas, não se consegue discutir nada.
É presidente da Assembleia Municipal já há alguns anos. Como tem encarado essas suas funções?
Bom, com a naturalidade própria de quem já está rotinado e, por outro lado, para dizer aquilo que eu digo muita vez: é a casa da democracia local. Acho que é um bom e interessante espaço de discussão. Muito interessante, diga-se de passagem.
Neste momento está reformado. Que outras atividades tem para além da presidência da Assembleia Municipal?
À parte de dar aulas na Universidade Sénior e de integrar os seus corpos sociais, faço parte da mesa da assembleia da Caixa Agrícola, isto já lá vão 20 e muitos anos, e faço parte de muita mesa daqui e dacolá…
Rematando esta entrevista, perguntava se gostava de deixar alguma mensagem aos seus conterrâneos?
Eu acho que o povo torriense continua a ter uma caraterística que aprecio muito. Somos uma zona saloia, mas não saloia no sentido pejorativo, mas de gente que trabalha muito, que gosta muito de criar riqueza e que gosta do bem-estar dela e dos outros. É esse espirito que eu peço muito que continue e que mesmo nesta mescla de gente daqui e dacolá, que nunca se perca o espírito que o torriense tem tido…