Torres Vedras

António Carneiro

01.05.2012

António Carneiro

António Carneiro é um torriense que praticamente dispensa apresentações. Dirigente associativo e autarca que se destacou particularmente pela dinamização de alguns eventos locais, como o Carnaval de Torres e a Feira de S. Pedro, é desde a criação da Região de Turismo do Oeste, entidade atualmente designada de pólo turístico do Oeste, o seu presidente. Numa altura de indefinição em relação ao futuro da mesma, António Carneiro explanou à [Torres Vedras] o seu ponto de vista sobre esta questão, para além de ter efetuado um balanço do seu trabalho neste organismo e abordado outros assuntos como a identidade do Oeste, o desenvolvimento e o futuro do concelho e da região, a questão do futuro aeroporto de Lisboa ou o trabalho que desenvolveu no executivo municipal…        

 

Que balanço faz do seu trabalho à frente dos destinos da região de turismo/ pólo turístico do Oeste?

A Região de Turismo do Oeste, designação anterior do pólo turístico do Oeste, foi fundada em 84. Fui presidente desse organismo desde o seu início porque integrei a comissão instaladora do mesmo em representação da Câmara Municipal de Torres Vedras e as pessoas que na altura estavam nessa comissão, conhecendo o meu estilo e o trabalho que tinha já feito, convidaram-me para a presidência. Até 96 mantive-me na Câmara de Torres Vedras como vereador e acumulei funções como presidente da Região de Turismo. A opção de ter agarrado o projeto da região de turismo teve a ver com o facto do trabalho na área do turismo ter muito a ver comigo, estava apaixonado pelo mesmo, e por isso optei por não continuar na Câmara de Torres onde poderia vir a ter sido presidente.

O balanço que faço da atividade da região/pólo turístico do Oeste é muito positivo. Esta entidade sempre foi um modelo, distinguiu-se das suas congéneres não apenas por ter dinamizado a zona respetiva, mas principalmente por ter sido sempre uma casa das empresas. Sempre trabalhamos para as nossas empresas, sempre chamamos as nossas empresas. A administração central sempre reconheceu isso, inclusivamente este governo. Muitos dos investimentos que foram feitos na região tiveram o meu contributo, pois ajudei a agarrá-los desde a primeira hora e a abrir muitas portas em Lisboa. Esse facto tem a ver com o meu perfil, com a minha experiência como dirigente associativo e autarca, com uma perspicácia que desenvolvi em boa parte na tropa onde fui oficial instrutor e me habituei a liderar grupos de uma forma muito natural e com capacidade de arrastar as pessoas. Também pelo facto de viajar muito e observar como o mercado estava a funcionar, o que as pessoas queriam, a Região de Turismo do Oeste sempre esteve na linha da frente.

Relativamente ao trabalho da região/pólo turístico do Oeste, de uma forma mais concreta e sistematizada, este passou pelo levantamento dos recursos turísticos da região e pela sua dinamização e promoção, tendo sempre a preocupação de adaptar a roupagem desses recursos. Tivemos um plano de promoção interno muito centrado nas tentativas de captação de comunicação social; e um plano de promoção externo muito focado nos mercados espanhol e francês, e sempre com uma presença muito forte nas grandes feiras internacionais do setor.

 

Qual é a sua opinião relativamente à atual reestruturação dos organismos de turismo?

A questão não se prende com a extinção dos pólos, mas com uma reorganização regional do turismo. E este governo está de certa forma a completar um trabalho do anterior. Eu vejo esta situação simultaneamente com apreensão e esperança. Percebemos que o governo quer reduzir o número de entidades regionais de turismo, e nesse sentido apresentámos uma proposta que penso que não tem refutação porque está sustentada tecnicamente: afastarmo-nos da área metropolitana de Lisboa e juntarmo-nos ao Vale do Tejo, seguindo a lógica dos PROT’s. As três comunidades intermunicipais respetivas estão unidas nesta solução e já enviamos inclusivamente documentos ao governo a defender a mesma. E o sentido da minha esperança no futuro prende-se com o facto do governo poder vir a dar mais competências às unidades regionais de turismo. Não interessa definitivamente ao Oeste juntar-se a Lisboa porque nesse caso seremos engolidos.

 

E o Oeste terá hipótese de se promover autonomamente?

Sim, haverá seguramente ações de promoção globais, mas outras em que a marca Oeste poderá trabalhar autonomamente com os seus empresários.

 

Acha que neste momento já existe uma identidade Oeste construída?

Internamente sim, claramente. As pessoas sabem que há um território a norte de Lisboa, algures junto ao litoral, que tem vinhas, pera rocha... Agora, os contornos exatos são difíceis de definir. Mas sabe-se que acima de Alcobaça desaparece a vinha e o pomar. Alcobaça é o limite da civilização mediterrânica, da cal, do vinho, do pão, dali para cima já é a serra, a pedra, o pinhal, é outra cultura. Nós somos o limite norte da civilização mediterrânica depois da área metropolitana de Lisboa. Também por isso faz sentido a ligação ao Vale do Tejo porque até Santarém as características culturais e arquitectónicas são semelhantes, não obstante haver dois produtos turísticos distintos.

Agora, em termos externos, o Oeste não é identificável, tal como não se conhece o Alentejo ou Trás-os-Montes, mas isso não é uma situação que seja relevante…

 

Mas acha que a população da região já se assume como oestina?

Eu penso que sim. Haverá no país alguma região, à semelhança da nossa, em que as suas empresas, nas suas viaturas, façam tanta referência à sua região de origem? Por exemplo, eu não vejo empresas com o nome Alentejo e no entanto Alentejo é uma marca forte. São centenas de empresas que incorporam a marca Oeste...

 

Como tem visto a evolução em termos turísticos da região?

Há dois períodos na vida do turismo da região: um antes da chegada do golfe e outro depois, porque foi a chegada do golfe que nos permitiu uma internacionalização a outro nível. Para a região de turismo permitiu um trabalho mais fácil, porque o golfe é um produto extremamente estruturado, organizado, muito profissionalizado, em relação ao qual sabe-se o que se tem de fazer. Fizemos muitas ações na Escandinávia nesse âmbito. A chegada do golfe pôs-nos num patamar acima, trouxe novos investimentos e melhorou a oferta já existente, quer ao nível da hotelaria, quer ao nível da restauração.

Antes da chegada do golfe tínhamos um cliente de fim-de-semana, de Verão, e de segunda habitação. Quase não havia ocupação em termos de hotelaria. Em 84 tínhamos 800 camas, sendo 560 no Golf Mar. A chegada dos resorts alterou isso. Hoje estamos com 8 mil camas. O golfe permitiu um funcionamento da indústria turística de forma contínua, regular, obviamente com picos no verão e nos fins-de-semana , mas um funcionamento ao longo da semana já estável, o que não acontecia antigamente.

As coisas têm vindo a evoluir muito bem, tínhamos 170 mil dormidas em 1997, passámos para 400 mil no ano da Expo e estamos a aproximarmo-nos de um milhão. Mas os tempos atuais não estão de facto a ser fáceis, até porque há uma concorrência brutal de Lisboa em termos de preços, estamos muito perto de lá, e Lisboa tem realmente a capacidade de fixação do mercado externo, e hoje a preços muito apetecíveis.

 

Continua a ser um acérrimo defensor do aeroporto da Ota…

Eu acho que andamos um pouco distraídos em relação a essa matéria. Nem que fosse por respeito ao trabalho que fizemos tínhamos de estar neste momento a lutar pela Ota. O anterior secretário de estado das obras públicas, seguramente mal informado, veio dizer que a opção Ota não se coloca por causa dos nevoeiros. Eu gostava de saber em que estudo ele se baseou… A Ota foi perdida para Alcochete alegando-se razões também relacionadas com a expansão, embora todos nós saibamos qual foi o lobby que esteve por detrás dessa situação.

Qualquer decisão que não passe pela Ota é política e tecnicamente errada e criminosa, porque vai deixar-se a zona mais exportadora do país sem aeroporto. A Ota serviria Lisboa e o centro do país e relembre-se que nesta última área estão 4 milhões de habitantes.

 

Como vê o futuro da região em termos turísticos?

É necessária uma bandeira para promover uma região internacionalmente. Será com o Chafariz dos Canos ou com o Castelo de Óbidos que se promove esta região no estrangeiro? Não é. Esses produtos turísticos servem para quem cá está. O turismo cultural em Portugal não tem capacidade de concorrer com o de outras zonas da Europa. Então, modestamente, pensámos que o golfe podia ser uma bandeira para colocar a região no mapa e que ajudasse também a vender os outros produtos. É que o golfe vende-se à semana enquanto a média de dormida na região é de pouco mais de uma noite. Os estrangeiros passam por aqui entre Lisboa e Porto. Fora do verão os únicos que compram uma semana são os do golfe. Agora, se tiver um cliente de golfe que esteja cá uma semana, está estudado que nenhum joga nos sete dias. Sobra dias para o turismo cultural, para a gastronomia, para as compras. Não é uma questão de elitismo. Vemos o golfe como uma bandeira promocional para a região, porque envolve todos os outros segmentos a montante e a jusante. O concelho de Torres Vedras, por exemplo, na minha opinião, deveria ter mais dois campos de golfe para agarrar esse mercado.

Para além do golfe, só existe mais um produto turístico na região que pode ser internacionalizável: o turismo náutico. Este também está muito bem estruturado do lado da procura, não são necessários os custos de promoção genérica.

Já, por exemplo, as Linhas de Torres podem ter sucesso no mercado inglês, mas têm de ser integradas num produto mais vasto, numa rota de Wellington, que passe também pelo centro e norte do país. A Rota das Judiarias, em que Torres Vedras também está envolvida, é outro produto que tem um potencial enorme, tem um mercado fabuloso…

 

Foi durante cerca de 20 anos vereador na Câmara Municipal de Torres Vedras, durante as presidências de Alberto Avelino e José Augusto de Carvalho, com vários pelouros, nomeadamente, turismo, cultura, educação, assuntos sociais e juventude. Que balanço faz desse trabalho?

Gostei muito. Modéstia à parte acho que deixei marca, mas também tenho de ser justo em dizer que apanhei as coisas ainda muito embrionárias e por isso para mim foi mais fácil deixar marca do que aos meus sucessores. Quando estamos de iníco é mais fácil deixar a impressão digital. Consegui profissionalizar os meus setores, para além de eventos como o Carnaval e a Feira de S. Pedro, que passaram para a Câmara. Criei o novo Carnaval, impulsionando-o com a componente nocturna, os carros alegóricos e os temas; e a nova Feira de S. Pedro, que não tinha um único pavilhão coberto, e foi evoluindo com os lucros do Carnaval. No meu tempo foi também criado o Carnaval de Verão, o Corso Escolar, a Festa das Freguesias, o Festival das Vindimas, o Castelo de Música, a Torres Cultural, entre outras coisas. Os tempos também eram outros, tínhamos uma comissão de iniciativas muito dinâmica e a burocracia também era muito menor. Introduzimos novos métodos que depois os meus sucessores redinamizaram fazendo mais e melhor. Houve sempre um contínuo, não houve qualquer ruptura, bem pelo contrário… 

 

Torres Vedras e o concelho são atualmente uma realidade completamente diferente daquela que existia na altura em que era vereador…

Sem dúvida, e aí tenho de tirar o chapéu a quem tem dirigido o Município. É óbvio que as receitas provenientes da atividade imobiliária cresceram brutalmente em Torres, o que proporcionou à Câmara receitas incomparavelmente superiores, apesar de neste momento haver uma retração das mesmas. O Dr. Carlos Miguel tem por isso um projeto para a cidade e o concelho que infelizmente não vai conseguir aplicar como gostaria porque as receitas caíram a pique.

Mas Torres Vedras é um concelho que não tem parado de progredir. Hoje olho para os 12 municípios da região e não tenho qualquer dúvida em afirmar que nesse aspecto nenhum se lhe chega aos calcanhares. Torres hoje é um concelho moderno, pujante, rico, com uma vida cultural intensíssima, que não se vê nos outros concelhos oestinos. Há pessoas que vieram morar para Torres e dizem-me que ficaram admiradas com o que acontece aqui diariamente.

A própria qualidade da revista municipal, é tudo feito com muito requinte, muita qualidade…

A requalificação de Santa Cruz, por exemplo, não tem paralelo na região. Tem havido uma recuperação dos espaços públicos extraordinária, não só em Santa Cruz e em Torres, como também nas aldeias. Hoje dá gosto viver nas nossas aldeias e aí não há comparação com os outros concelhos da região.

Torres Vedras é hoje uma potência económica, é a melhor cidade de serviços da região. Mesmo a nível nacional já é uma referência, e quem cá está não tem a noção disso. Tem uma imagem muito boa…

 

Na sua opinião Torres Vedras não corre o risco de se tornar um subúrbio de Lisboa?

Não acredito nisso por uma razão muito simples: eu acho que o limite natural da área Metropolitana de Lisboa é a Malveira, porque Lisboa não tem a dimensão, por exemplo, de Nova Iorque, em que o limite urbano é de 100 kms. A dimensão de subúrbios tem a ver com a dimensão das cidades.

 

Em altura de 25 de abril, perguntava-lhe se na sua opinião os ideais desta revolução triunfaram?

Eu acho que sim. No entanto estou muito preocupado com o nivelamento por baixo em termos sociais e culturais da nossa sociedade e em especial da nossa juventude. Mas a culpa não é tanto dos jovens, mas sobretudo do sistema, porque os programas de ensino estão mais virados para a produção, para a economia. A escola também deve incitar à ética do trabalho, à disciplina e à cultura, e nesse particular regredimos a um tempo anterior ao do 25 de abril…

Entrevista extraída da edição nº8 (maio/junho de 2012) da revista municipal [Torres Vedras]

Última atualização: 13.08.2019 - 12:35 horas
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