Passeio dos Poetas
Fonte de inspiração, transversal no tempo, o pitoresco lugar de Santa Cruz seria redescoberto no século XIX por homens e poetas que se foram instalando paulatinamente.
Foi nesta pequena aldeia de pescadores que ilustres escritores se renderam aos encantos da praia, deixando-se contagiar pela melodia do mar, expressando-a na composição de admiráveis textos poéticos, marcando para todo o sempre a história local.
Convidamo-lo a conhecer Santa Cruz e a envolver-se neste cenário de natureza contagiante e de matizadas cores, que serviu de inspiração a ilustres poetas que extrapolaram para a poesia e prosa a sua inspiração e pensamento.
Poetas
Kazuo Dan (1912-1976)
Kazuo Dan, admirável escritor japonês do pós-guerra, elegeu Santa Cruz, no ano de 1971, como o destino ideal para passar umas merecidas férias de um ano e quatro meses, encantando-se pela beleza da aldeia e pelas gentes que o receberam.
Porém, foi o sol poente de Santa Cruz que mais o marcou e fascinou, referindo que “sempre que sentia a sua proximidade, deixava de lado o que quer que estivesse a fazer, corria ao penhasco mais próximo e punha-ma a gritar, a exemplo do ilustre Kiyomori: “Devolva-mo, Devolva-mo!”
Então, sentia a vibração do Sol ardente no meu âmago e via-o desaparecer por entre as ondas.”
No monumento erigido em sua homenagem pode-se ler um “haiku” (pequeno poema japonês de três versos, de cinco, sete e cinco sílabas, respetivamente) que escreveu como tributo a Santa Cruz e ao seu belo sol poente.
João de Barros (1881-1960)
Natural de Figueira da Foz, João de Barros, eterno apaixonado pelo mar, particularmente pelo Oceano Atlântico, passou diversos verões na Praia de Santa Cruz, mais propriamente na Pensão Mar Lindo, criando fortes laços de amizade, incutindo a sua cultura e os seus ideais de fraternidade e humanidade aos locais e veraneantes.
O notável poeta, escritor e jornalista enamorou-se por Santa Cruz, considerando-a como uma “praia que a natureza fez radiante e formosa… um dos mais fascinantes lugares de repouso e sonho que existe no Mundo”.
Antero de Quental (1842-1891)
Antero de Quental, filósofo e exímio poeta português, passou dois meses de férias na Praia de Santa Cruz no verão de 1870, durante um dos períodos mais conturbados de toda a sua existência, na companhia do seu amigo Jayme Batalha Reis.
Durante a sua estada nesta praia, tomava banhos no mar e dedicava-se a longos passeios pelas dunas e a traduzir em verso Fausto de Goethe. Foi em Santa Cruz que Antero compôs alguns dos seus sonetos filosóficos, entre eles o Justitia mater, no qual cita o mar que tanto o inspirou.
Locais de interesse
Azenha de Santa Cruz
Edificada nos finais do século XV, a Azenha de Santa Cruz abriu novamente as suas portas para acolher um Centro Interpretativo que conta a história do edifício, da moagem do cereal e do fabrico do pão. O mesmo espaço evoca e glorifica três notáveis poetas que, em diferentes épocas, passaram por Santa Cruz.
Alto da Vela
A sul de Santa Cruz ergue-se o Alto da Vela, altivo miradouro natural como que a proa de um navio que rasga o mar e de onde é possível vislumbrar o extenso areal que borda toda a costa com finas areias douradas. Foi um dos locais de eleição de Antero de Quental para as suas longas caminhadas que realizava, frequentemente, com o seu amigo Batalha Reis. Cerca de 100 anos mais tarde, um outro poeta, Kazuo Dan, também aí se deslocava frequentemente para contemplar a amplidão do Oceano.
Casa Antero de Quental
Neste local existiu, até 1989, a casa onde viveu Antero de Quental com o seu amigo Jayme Batalha Reis durante os meses de agosto e setembro de 1870.
“Moravamos n’uma casinhola terrea, das ultimas habitações, ao sul, que voltava as costas a todas as outras, de telha van e adobes rebocados, porta sempre aberta para um campo valado por piteiras (…). O pequenino prédio pertencia ao Francisco Banheiro, que com a Madalena, sua mulher, nos tratava dos quartos, da cosinha e da roupa.” (Jayme Batalha Reis).
Pensão Mar Lindo
Sobranceiro ao Largo, no primitivo Casino de Santa Cruz e Salão de Chá, situa-se a Pensão Mar lindo, um dos locais de eleição do poeta João de Barros para passar as suas férias de verão na companhia de sua mulher Raquel Teixeira de Queirós.
Numa carta enviada do referido estabelecimento hoteleiro ao seu amigo Ferreira de Castro, a 15 de agosto de 1949, o poeta menciona que “Até 31 deste mês – sou certo em S.ta Cruz. Se puder, ficarei mais uns dias de setembro. Mas a Raquel não tem passado bem aqui, e, por conseguinte, não sei o que farei no mês próximo.”
Escadaria Júlio Vieira (1880-1930)
Amante incondicional de Santa Cruz, o torriense Júlio Vieira dedicou-se à divulgação e propaganda desta Praia com o intuito de atrair visitantes, devendo-se a ele importantes obras de aperfeiçoamento, destacando-se as esplanadas e muralhas sobre as ribas com as suas balaustradas, assim como as escadarias de acesso à Praia de banhos.
A Santa Cruz dedicou o seguinte poema:
“Quem me tirar de Santa Cruz a ida,
Tirar-me-á o resto da minha vida.”
Casa Kazuo Dan
Aquando da sua estadia em Santa Cruz, Kazuo Dan habitou uma moradia onde recebia os seus amigos e estudantes japoneses em Lisboa, preparando "jantaradas" com os diversos peixes que lhe eram oferecidos pelos locais.
No seu quintal, pela manhã, dedicava-se a “plantar as sementes e as flores apanhadas a bel-prazer nos campos, muitas das quais sem sequer saber seus nomes, regá-las, polvilhar-lhes adubo químico e cinzas da lareira.”
À rua onde habitou foi posteriormente atribuído o nome de Rua Professor Kazuo Dan, como forma de homenagem ao poeta.
Bar "Imperial"
O bar “Imperial” era local de eleição de Kazuo Dan, onde passou vários e memoráveis momentos na companhia dos seus amigos. O bar “Imperial” desde cedo impressionou, pela positiva, o poeta. O estabelecimento tinha, na época, uma danceteria “Go Go” decorada com uma bola espelhada de três cores e bandeiras de diversas nações. Hoje, o restaurante é bem diferente da época, mas vai poder ouvir muitas estórias pela voz de quem o recebeu na década de 70.
Kazuo Dan refere nas suas memórias que “Bem no meio, a Maria Calada de dezassete anos vestida de preto, a traje de baile, estendeu-me o braço com um sorriso, como prima-dona. Recusei o seu convite dizendo, 'Não sei dançar, não sei' e fugi arrastando-me para um balcão instalado num dos cantos.”