Torres Vedras

Carlos Guardado da Silva

01.07.2012

Carlos Guardado da Silva, historiador e responsável pelo Arquivo Municipal

Historiador de renome e diretor do Arquivo Municipal, Carlos Guardado da Silva tem sido o grande impulsionador do consagrado encontro de História Turres Veteras que completou este ano os seus 15 anos. À [Torres Vedras] este responsável municipal fez um balanço da iniciativa, tendo ainda aproveitado para abordar outros assuntos como o seu percurso profissional e pessoal, o funcionamento do equipamento que dirige, a importância histórica de Torres Vedras ou o estado da historiografia local…

 

Que balanço faz dos 15 anos do Turres Veteras que começou por ser um encontro de história de âmbito local e passou a ter uma dimensão internacional?

O Turres Veteras é um evento com sucesso, realizado em parceria com a Universidade de Lisboa, que exige muito trabalho - hoje apoiado por uma pequena equipa com grande experiência -, e que tem já um público fidelizado. Dois dos seus objetivos iniciais, que mantém, passam por promover o conhecimento, assim como por incentivar a investigação da história de Torres Vedras. O processo foi gradativo, tendo passado de local a nacional e, mais tarde, a internacional, com a temática da Guerra Peninsular, na 11.ª edição. É hoje, em Portugal, o único evento do género, realizado anualmente, com a publicação das atas no ano seguinte em coedição com uma editora nacional, destacando-se, positivamente, o dispêndio de poucos recursos por parte do Município de Torres Vedras. Do ponto de vista historiográfico, bem como acerca do conhecimento sobre Torres Vedras, podemos afirmar que existe um antes e um depois do Turres Veteras, não só devido aos resultados do encontro, mas também aos projetos que saíram do mesmo e deram origem a diversos estudos da colecção Linhas de Torres.

 

O Turres Veteras é já amplamente reconhecido pela respetiva comunidade científica? Quem participa neste encontro?

Sim, é verdade, o encontro é muito conhecido também dentro do mundo académico, pela sua elevada qualidade científica, assim como pela larga participação de investigadores no mesmo, mais de duas centenas, que apresentaram os resultados da sua investigação, a título generoso. Aqui vêm sempre os melhores especialistas dentro de cada temática, de várias instituições de ensino superior, nacionais e internacionais, mas também do ensino secundário, tão especialistas quanto aqueles, sendo um encontro que cada ano discute um tema. Já aconteceu depararmo-nos com certos trabalhos de História, e não só, em Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Polónia e Estados Unidos, e vermos os nossos livros da coleção Turres Veteras, que traduzem os resultados dos encontros, serem citados frequentemente, o que é bastante gratificante. Os participantes são do meio académico, mas também professores do ensino secundário, técnicos dos municípios, simplesmente curiosos, entre outros. É um encontro onde cabem todos os que desejam aprender, apesar do elevado nível científico.

 

Como perspetiva o futuro do evento?

O encontro é o resultado de uma construção permanente. Continuará a ter lugar, é esse o interesse do Município e da Universidade, com o que me regozijo, naturalmente… gostaria que continuasse, pelo menos até à 20.ª edição com edição anual. Nessa altura, teremos de fazer um balanço, como o fazemos anualmente, para o manter assim ou repensá-lo, sob as mais diversas formas, inclusive no formato.

 

Como tem estado a funcionar o Arquivo Municipal que conta desde 2006 com novas instalações?

O Arquivo Municipal encontra-se aberto ao público, desde Junho de 1997, e já antes permitia a consulta a investigadores externos, sendo alguns trabalhos publicados testemunhos dessa prática anterior. As novas instalações permitiram, porém, oferecer aos técnicos do Arquivo Municipal condições excecionais de trabalho e de salvaguarda do património arquivístico municipal. Para além destes aspetos, relevamos a melhoria da qualidade no atendimento ao público, quer no acolhimento, em open space, moderno, com 16 lugares sentados, quer pelo fácil acesso e horário alargado entre as 8h30m e as 18h, ininterruptamente... Tem uma equipa pequena, com cinco técnicos, três dos quais especialistas, mas coesa.

 

Para além da sua atividade regular, o Arquivo Municipal desenvolve várias iniciativas…

Pela sua natureza, os arquivos têm funções de âmbito administrativo e funções culturais. Do ponto de vista cultural, o Arquivo Municipal é conhecido sobretudo devido a quatro iniciativas: pelo já referido encontro Turres Veteras, pelas Sopas e Chás de Pedra, pela atividade editorial (mormente as coleções Turres Veteras, Linhas de Torres e Patronos) e pelos cursos de formação UniverCidades, que conhecem apenas duas edições. Mas continuamos a promover as visitas guiadas ao Arquivo Municipal, palestras nas escolas, entre outras atividades…. As Sopas e os Chás de Pedras, na 6.ª e 3.ª edição respetivamente, são outras iniciativas de sucesso, que acolhem, no primeiro caso, a média de 200 participantes por ano, no Convento da Graça. No caso dos Chás de Pedra, 150 participantes, na Azenha de Santa Cruz.

 

Que desafios antevê para o futuro do Arquivo Municipal e para os arquivos em geral?

Os arquivos têm cada vez maiores desafios, nomeadamente quando assistimos há alguns anos a esta parte a reformas administrativas e à contínua introdução das tecnologias nas organizações. São serviços-chave não apenas para a organização e conservação do património arquivístico, garantindo o acesso permanente, interno e externo, à informação, mas também para a modernização administrativa e a melhoria da qualidade das organizações. O seu objeto é o sistema de informação, seja municipal ou outro, e a informação é cada vez mais o produto estratégico n.º 1 em cada entidade, pelo que o sucesso das organizações depende muito da forma como cada uma gere e usa a informação, crucial no apoio à tomada de decisão. Importa no Arquivo Municipal, por exemplo, promover a digitalização de toda a documentação instalada, sem a qual a desmaterialização jamais teremos, e serviços online, para onde teremos de caminhar todos…

 

Para além de diretor do Arquivo Municipal desempenha também funções como docente da Universidade de Lisboa…

É verdade, sou também docente convidado do Curso de Mestrado em Ciências da Documentação e da Informação na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, desde 2007, e, nesse âmbito, oriento um conjunto de dissertações de mestrado e de doutoramento. E mantenho uma grande atividade de investigação e edição dos resultados da mesma.

 

Que outras funções desempenhou ao longo da sua carreira?

Fui docente do ensino básico, nas disciplinas de História e Geografia de Portugal e de Língua Portuguesa, na Escola Padre Francisco Soares; investigador bolseiro da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia; professor na Licenciatura de Turismo do Instituto Superior de Ciências Educativas, onde presidi ao Conselho Científico, e nos cursos de doutoramento em Turismo na Universidade de Salamanca e em Ciências da Educação na Universidade de Granada; ainda, durante 12 anos, desenvolvi trabalhos arqueológicos, e fui formador de diversos cursos sobretudo nas áreas da arquivística, biblioteconomia, modernização administrativa e gestão da qualidade.

 

Que publicações já editou? Quais destaca em particular?

Bem, é difícil falar delas, sobretudo quando são já cerca de 80 títulos, entre livros e artigos, estes quase 50, entre autoria e coautoria ou coordenação, em Portugal, Espanha, França e Moçambique. Naturalmente, os maiores destaques vão para O mosteiro de S. Vicente de Fora: a comunidade regrante e o património rural (séculos XII-XIII); Lisboa Medieval: a organização e a estruturação do espaço urbano; mas também para Torres Vedras Antiga e Medieval; e, no âmbito da Guerra Peninsular, mais ficcional, Um país silencioso: uma história das Linhas de Torres Vedras.

 

Que projetos pessoais tem na área da historiografia e da literatura?

No imediato, e no que diz respeito a Torres Vedras, a publicação, em coautoria, dos livros A medição do Tempo em Torres Vedras e A Fábrica das Histórias; e de âmbito nacional, mas também tendo por objeto de estudo Torres Vedras, A cidade e a floresta na Idade Média. Isto, para além da transcrição e estudo de cerca de 600 documentos para outro projeto editorial com informação ímpar acerca dos impactos humanos e materiais da Invasão Francesa de 1810-1811, sob o comando de André Massena, nomeadamente na Estremadura, entre a região da 1.ª Linha e o sul de Leiria, Torres Novas e Tomar.

 

Para além de historiador também se destacou como praticante de atletismo…

Fui atleta representando a Associação de Moradores da Fonte Grada, durante cerca de seis meses, em 1987; entre 1987 e 1990, do Clube de Futebol «Os Belenenses»; e, entre 1990 e 1996, do Sport Clube União Torreense. Tive e tenho, ainda que menor, uma grande atividade associativa, nomeadamente nas áreas do ambiente e do património, tendo participado, nesse âmbito, na Conferência Preparatória da Cimeira da Terra Rio+10, na ONU, em 2002. Gosto de viajar, ler, ir ao cinema, almoçar ou jantar com a família e os amigos… assim como de brincar com a Maria, a minha filha, que tem dois anos e meio.

 

Que importância atribui a Torres Vedras no contexto da História nacional e mundial?

Torres Vedras é um centro urbano desde o século XIII muito ligado ao poder régio, visto ter sido um senhorio de diversas rainhas. Desde a reconquista, dois acontecimentos marcaram Torres Vedras, dando-lhe um lugar de destaque quer na História nacional quer na História mundial: o primeiro ocorreu em 1414, quando em Torres Vedras teve lugar o Conselho Régio, convocado por D. João I, onde se decidiu a conquista de Ceuta, que teve lugar no ano seguinte, e que marca tradicionalmente o início da Expansão Portuguesa, a quem alguém chamou a primeira globalização; o outro acontecimento tem a ver com a Guerra Peninsular e, mais especificamente, com a construção das Linhas de Torres Vedras, sistema defensivo que ditaria o fim do sonho napoleónico, alterando-se aqui, pelo menos, o curso da história europeia.

 

Na sua opinião o concelho de Torres Vedras já está bem documentado em termos de publicações de caráter histórico? Existem alguns períodos que ainda não foram devidamente estudados?

Existem diversos períodos acerca dos quais ainda sabemos muito pouco! Sobre o Castro do Zambujal e sobre o período romano no território torriense, faltam-nos duas monografias, uma para cada. Mas também sobre o século XVI e o período Filipino está quase tudo por estudar. Tal como todo o século XVII e o século XVIII…

É preciso também estudar o Convento de Nossa Senhora dos Anjos, no Barro, assim como o Convento de Santo António do Varatojo. Falta à maioria das freguesias uma monografia, um projeto aliás planeado na sequência da elaboração da monografia Torres Vedras: passado e presente, publicada em 1996. Exceção para a freguesia de A dos Cunhados (que inclui a história da Maceira), com uma monografia de elevada qualidade, e as freguesias de Campelos e do Ramalhal. De igual modo, urge uma monografia sobre a Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras… Assim como importa, depois da edição destes estudos, criar outros produtos editoriais de menor pendor académico, para públicos mais generalistas, voltados sobretudo para a divulgação.

 

Ao nível da História local, gostaria de destacar o contributo de alguns autores?

Vários autores, entre outros, são obrigatórios para o estudo da História local: João Pedro Ribeiro para o Paleolítico Inferior e Médio; João Zilhão para o Paleolítico Superior; João Carlos Senna-Martinez e Ana Catarina para o Calcolítico; Michael Kunst para o Castro do Zambujal; Vasco Gil Mantas para o período romano; para a História torriense pós Reconquista Cristã saliento o meu contributo, os de Manuel Clemente, Pedro Gomes Barbosa, Ana Maria Rodrigues, Manuela Catarino, João Luís Inglês Fontes, Carlos Margaça Veiga, Natália Silva, Jorge Gonçalves Guimarães (sobre São Gonçalo e os Eremitas de Santo Agostinho), Paulo Drumond Braga, Paula Correia da Silva (sobre os conventos de Nossa Senhora da Graça e de Penafirme), Célia Reis, João Manuel Pereira, Venerando Aspra de Matos, Vítor Neto (sobre Henriques Nogueira), André Melícias e Cristina Clímaco (sobre a Guerra Peninsular e Linhas de Torres Vedras) e… Cecília Travanca e Maria dos Anjos Luís. E não esqueçamos os clássicos, e de consulta sempre obrigatória, Manuel Agostinho Madeira Torres e Júlio Vieira. E outros terei certamente esquecido!

 

Não é oriundo do concelho mas já há vários anos que reside em Torres Vedras. Gosta de aqui viver? Qual é a sua opinião em relação à cidade e ao concelho? Têm evoluído positivamente?

Nasci no concelho do Cadaval, precisamente no lugar de Pero Moniz. Mas sou também torriense, por adoção, onde vivo desde os 13 anos. Hoje partilho o meu coração pelos dois municípios, assim como pelo de Lisboa, a que tenho dedicado a maior parte da minha investigação. Adoro viver em Torres Vedras! É uma cidade pequena, com qualidade de vida, a 30 minutos de Lisboa, já com uma oferta cultural bastante interessante, que dispõe da maior parte dos serviços de que necessitamos para as nossas vidas, com uma grande diversidade paisagística e com uma costa – Santa Cruz e Porto Novo – com um cheiro a mar único…

 

Gostaria de deixar alguma mensagem?

Um desejo… que cada torriense seja um arauto de Torres Vedras, não apenas da sua História, mas também das atividades que aqui se fazem, das empresas, dos produtos, do pastel de feijão, do Carnaval, da Feira Rural, das Festas da Cidade ou do Turres Veteras, enfim do destino turístico Torres Vedras.

Entrevista extraída da edição nº9 (julho/agosto de 2012) da revista municipal [Torres Vedras]

Última atualização: 13.08.2019 - 12:33 horas
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