Fernando Martins
07.02.2025
Praticamente dispensa apresentações. Fernando Martins é uma cara bem conhecida dos torrienses, desde logo pelo facto de ser atualmente o rei da festividade que projeta Torres Vedras aquém e além-fronteiras. No entanto Fernando Martins é muito mais do que monarca daquele que é conhecido como o “Carnaval mais português de Portugal”. A [Torres Vedras] esteve à conversa com este professor de Educação Especial e de Inglês para saber mais sobre o seu percurso de vida, do qual destaca o seu papel de pai e a música como um elemento bastante presente. Aproximando-nos de mais um Entrudo, Fernando Martins deixa o repto aos seus conterrâneos para que vivam o Carnaval de Torres Vedras da forma mais saudável possível…
Começava por perguntar que balanço faz da mais recente edição da Semana da Visão e do trabalho que tem sido desenvolvido pelo Gabinete de Apoio à Deficiência Visual, em cujo funcionamento tem estado envolvido?
Eu faço um balanço muito positivo da recente 11.ª Semana da Visão, que celebrou mais um aniversário do Gabinete de Apoio à Deficiência Visual, um projeto que teve a sua génese num trabalho científico que realizei aquando da minha Pós-Graduação em Educação Especial, que terminei em 2010, e que preconizava precisamente a criação de um gabinete para apoio a pessoas com deficiência visual em Torres Vedras. Apresentei o projeto à Câmara Municipal, o qual foi aceite, sendo que a ideia do mesmo tinha surgido quatro anos antes, numa Feira de São Pedro, quando estava já a trabalhar com alunos com baixa visão e decidi fazer uma exposição de materiais de apoio à deficiência visual para despertar a curiosidade para a temática.
O objetivo inicial subjacente à criação do gabinete foi completamente superado, que era fazer com que os utentes do mesmo tivessem acesso a ajudas diversas, que saíssem de casa e participassem de forma ativa na sociedade. Neste momento participam até em espetáculos no Teatro-Cine. Há alguns anos isto era inimaginável.
Paralelamente dá também apoio a alunos cegos e com baixa visão na Escola Padre Vítor Melícias. É um trabalho gratificante?
Sem dúvida. É um trabalho muito especial. Historicamente as pessoas com deficiência tinham pouco acesso à educação, muitas até à própria sociedade. Hoje já conseguimos dar muito apoio a essas pessoas, já temos muitas condições para conseguir que um aluno com deficiência visual, por exemplo, tenha sucesso. A minha primeira aluna cega, aqui de Torres Vedras, por exemplo, atualmente está no 2.º ano da universidade. Há todo um percurso que é possível fazer e o meu papel é facilitar as condições, fazer a ponte entre o professor titular da disciplina e o aluno, fazer com que tudo seja o mais dinâmico e o mais pacífico possível. Que o percurso escolar de um aluno com deficiência visual grave seja o melhor possível, sem grandes dificuldades, nem obstáculos, que seja um percurso como o de qualquer outro aluno. E assistir ao sucesso dos meus alunos é muito gratificante. Tanto para mim, como para os outros professores, como para a escola em si. A escola Padre Vítor Melícias é, de resto, uma escola de referência para alunos cegos e com baixa visão e já temos bastante experiência na área do ensino para esses alunos, já temos uma estrutura montada, que permite que tenham sucesso.
Na sua opinião já têm sido realizadas em Torres Vedras intervenções relevantes pensadas para pessoas cegas e com baixa visão?
Sim. Posso até referir três exemplos muito claros. Um mais visível para a população em geral e bom também para qualquer pessoa com dificuldades de mobilidade são as passadeiras rebaixadas. E há outras duas situações que muita gente não tem conhecimento e que gostava de partilhar. Uma tem a ver com as obras do Jardim de Graça, em que técnicos, nomeadamente engenheiros e arquitetos, vieram reunir comigo e com utentes do gabinete para trocar algumas opiniões e ideias antes do projeto avançar. Isso também aconteceu relativamente à instalação de passeios pedonais na zona da Várzea, tendo o Gabinete de Apoio à Deficiência Visual sido inclusivamente chamado para testá-los. Isso não só demonstra uma abertura mental muito grande, como faz os próprios utentes do gabinete sentirem-se bastante úteis, ao participarem e contribuírem para decidir para uma coisa que é também para eles.
Fazendo um pouco uma viragem de página nesta entrevista, pedia-lhe para fazer uma abordagem ao seu percurso de vida, pessoal e profissional…
Sou torriense, nascido no hospital de Torres, há 50 anos. Cresci e vivi na aldeia dos meus pais, com eles e o meu irmão, na Caixaria. Aos 18 anos saí de casa para ir tirar um curso superior, em Aveiro, fiz uma licenciatura em ensino de Inglês e Alemão. Foi lá que conheci a minha esposa, acabei por casar lá, e começar também a minha vida profissional em Aveiro. Entretanto o meu filho nasceu e estive a dar aulas em escolas de várias zonas do país até me fixar no Concelho. Aqui, os locais onde estive a dar aulas durante mais tempo foi na Henriques Nogueira e agora na Padre Vítor Melícias.
A minha ligação à Educação Especial tem a sua génese no facto de ter dado apoio em Inglês a uma aluna cega, o que levou a interessar-me bastante pela temática da cegueira na área do ensino. Nessa sequência fiz um curso de Braille em Lisboa, na antiga Direção Geral da Educação. Depois fui chamado para um curso na ESE de Setúbal sobre deficiência visual que me deu mais ferramentas para dar apoio a pessoas cegas e com baixa visão. E tudo culminou na realização da pós-graduação que já referi de Educação Especial, o que permitiu efetivar-me como professor na área da Educação Especial na Escola Padre Vítor Melícias, onde estou há 10 anos.
Todo o meu percurso profissional tem sido muito positivo, tenho-me sentido muito bem nas minhas funções profissionais, tanto como professor de Educação Especial, como de Inglês, sendo que continuo a dar aulas de Inglês, colaborando com a ESCO e a ACIRO. Tenho assim mantido contacto com o mundo para o qual estudei inicialmente ao nível do ensino superior. Já agora confidencio que quando era pequeno queria ser jornalista, mas no 5.º ano fiquei deslumbrado pela língua inglesa e acabei por nunca mais deixá-la. A música foi de resto um fator que me fez despertar bastante para a língua inglesa.
Em termos pessoais, o papel que mais gosto de ter na vida é o de ser pai do Gonçalo e da Laura. No fundo, acho a família muito importante e essa vertente pessoal de pai é aquela que eu mais valorizo. Os meus filhos têm tido um percurso muito saudável, e isso satisfaz-me bastante.
Tem também tido um percurso ligado ao mundo da música de há algumas décadas a esta parte. Como tem sido esse percurso?
Falando da minha participação na banda dos bombeiros, refira-se que encaro a mesma como uma missão. Comecei a aprender música nessa banda em 1990, estreei-me em 1991, são 33 anos da minha vida que dedico com muito gosto à banda da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras, onde sou percussionista, além de ter a função de apresentador, tendo passado também pela comissão técnica da banda.
E a aprendizagem da música na banda dos bombeiros levou-me também a outros grupos. Neste momento toco guitarra num grupo chamado Modo Vilão, em que estamos a construir músicas originais. Também toco no Ciclo das Quintas, uma banda de covers, e em outros pequenos grupos que vão surgindo, como os Torres Brass.
Tem sido bastante gratificante este trabalho na área da música.
E foi também relacionado com a sua ligação à banda dos bombeiros que integrou um “cavalinho” do Carnaval, a OSGA. Como foi essa experiência de dar música ao Carnaval durante tantos anos por meio desse “cavalinho”?
Fazer parte da OSGA é quase uma praxe para os jovens que entram para a banda dos bombeiros. A OSGA dá muita estaleca a um jovem músico que está a começar. Parece uma brincadeira de Carnaval, mas são muitas horas a tocar. Para mim sempre foi um orgulho tocar na OSGA, que foi, talvez, o primeiro “cavalinho” do Carnaval.
É, desde 2019, rei do Carnaval de Torres Vedras. Como tem sido essa experiência?
Tem sido fantástica a todos os níveis. Estou muito feliz no cargo, acho que tenho feito um bom trabalho, pelo menos tenho tido um bom feedback das pessoas relativamente aos meus desempenhos. É um papel que nem sempre é fácil, mas com alegria, com sentido de responsabilidade, com vontade de querer fazer as coisas bem, de representar ao mais alto nível a nossa cidade, as coisas correm sempre da melhor forma possível.
E depois, a forma como as pessoas tratam os reis também é bastante positiva, a interação que temos é fantástica. O contacto com as pessoas tem sido muito importante para mim, dou tudo aquilo que tenho naqueles dias, não é fácil, às vezes, são sempre poucas horas de sono, muitas dinâmicas, muitos sítios para estar, muitas entrevistas. Mas depois há o outro lado, da energia que recebemos das pessoas, e que me faz estar sempre muito bem-disposto, com muita força para desempenhar o papel. Vou buscar muita energia de toda a dinâmica do Carnaval que abraça a cidade, e que é tão diferente da do resto do ano.
A terminar esta entrevista, gostava de deixar alguma mensagem aos seus conterrâneos numa altura em que já nos vamos aproximando do Carnaval?
A mensagem que eu deixo é a de sejam sempre muito criativos, que venham para o Carnaval com um espírito positivo, que se divirtam sem arranjar confusão, que participem. Quem não gosta de Carnaval que tenha a paciência necessária para suportar os incómodos desses dias ou que aproveite para passear. Quem quiser vir ao Carnaval será sempre bem-vindo. Tem sido esse o apanágio do Carnaval de Torres. De todos e para todos…