Torres Vedras

Torres Vedras no diário de viagem de José de Cornide, em 1772

01.01.2016

Diário de viagem de José de Cornide

José de Cornide era natural da Corunha, descendente de uma família da nobreza rural galega. Foi um autodidata, tendo bebido das leituras e das investigações pessoais, das observações e das viagens de estudo, assim como dos seus contactos pessoais e da correspondência trocada, nomeadamente, com intelectuais galegos. Conheceria latim, grego e francês, e lia certamente português, italiano e inglês para além do castelhano. Não tendo frequentado o ensino universitário, era um iluminado, tendo-se interessado quer pelas humanidades quer pelas ciências naturais.

Esteve por duas vezes em Portugal, a primeira em 1772 e a segunda, entre 1798 e 1801. Na sua primeira viagem a Portugal, iniciada em 17 de março de 1772, fizera-a, entre Braga e Cádiz, na companhia de D. José Martinez Moreno, abade de Sabaguido. Entrou em Portugal, atravessando o rio Minho, em direção a Lisboa, onde chegou a 7 de Maio, tendo passado por Torres Vedras.

Não conhecemos o objetivo desta viagem. Sabemos, porém, que as viagens eram para o corunhês ilustrado um instrumento de estudo, consistindo muitos dos seus relatos em apontamentos para investigações posteriores. Pois não visavam, como veio a acontecer, a edição de roteiros das suas viagens, justificando-se, deste modo, as lacunas, as omissões, assim como a ausência de datas.

O seu Diário de Viagem atesta o gosto de Cornide pelos estudos históricos, geográficos e arqueológicos, assim como a ostentação de um saber quase enciclopédico, destacando-se a recolha de inscrições epigráficas latinas, como fez em Torres Vedras. Gosto, interesse e instrumento de formação, na sequência das viagens de estudo dos intelectuais e eruditos, sobretudo desde o século XVIII. Cornide viajava a cavalo. Todavia, à sua frente, caminhavam dois lacaios a pé, assim como o acompanhavam, para além de José Martinez Moreno, de mula, um ajudante de quarto e dois criados, a pé. Regra geral, permanecia apenas uma noite em cada localidade, onde pernoitava, partindo no dia seguinte manhã cedo, o que aconteceu em Torres Vedras. Entrara no concelho por Campelos, proveniente da Moita, no território da Lourinhã, passando por Vila Facaia, e sairia em direção ao Turcifal, passando pela Azueira rumo a Mafra.

Contrariamente a muitos visitantes que passavam por Portugal, sobretudo britânicos, franceses e italianos, não se encontra em José de Cornide a falta de objetividade, a arrogância, o preconceito ou o cego convencimento de superioridade intelectual que se observa em tantos viajantes que, vindos de fora da Península Ibérica, descreveram a sua passagem por Portugal com sobrecarregados tons de sobranceria. Talvez pelo facto de ser um espanhol, quando os países ibéricos estavam, até ao século XVIII, fora do Grand Tour, a grande viagem de aprendizagem da aristocracia europeia, sobretudo britânica, realizada antes de os jovens iniciarem a vida adulta, que privilegiava países como a França, a Alemanha e a Itália. E talvez ainda devido à unidade geográfica e cultural (e linguística) entre a Galiza e o Norte de Portugal.

Da então vila de Torres Vedras escrevera:

Torres Vedras (a quem, sem dúvida, deu nome um antigo Castelo que está junto à vila, a noroeste) é uma bela vila situada numa veiga que terá um quarto de légua de largura, bastante apta para todo o género de frutos, mas sujeita a inundações de um ribeiro que a atravessa Sudeste-Noroeste. Tem duas paróquias e um convento de Agostinhos.

A um quarto de légua, no caminho de Mafra, está um Seminário.

O castelo ocupa a parte superior de um pequeno monte livre e rodeado em parte pelo ribeiro que banha a veiga; a muralha e torres do primeiro recinto pareceram-me frágeis, mas as do segundo mais fortes e mais arruinadas, pode ser obra do século XV.

 

Carlos Guardado da Silva

Publicado: 15.01.2016 - 11:56 horas
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