Torres Vedras

Vasco d'Avillez

01.09.2011

Vasco d'Avillez, presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa

Vasco d’ Avillez é desde o início do ano presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa, depois de João Ghira ter dirigido durante vários anos os destinos desta entidade. Pouco antes de se iniciar o período das vindimas, Vasco d’ Avillez falou à [Torres Vedras] do trabalho da CVR, do panorama vitivinícola local e global e do futuro do mesmo, tendo ainda elogiado o trabalho da Câmara Municipal no que respeita à promoção dos vinhos do concelho…

 

Como está a decorrer o seu trabalho na Comissão Vitivinícola Regional, o qual é, de resto, bastante recente?

Houve efectivamente eleições na CRV há relativamente pouco tempo e a actual direcção está a trabalhar desde o dia 1 de Janeiro. Felizmente para mim trabalho com dois vogais que transitam das anteriores direcções, o que tem sido muito útil. É também preciso lembrar que a CVR já estava a trilhar um caminho bastante positivo porque durante anos foi dirigida pelo engenheiro João Ghira que é um homem muito cuidadoso e que fez um óptimo trabalho de organização e de projecção da CVR também para que esta viesse a ter um nome mais actual. Recorde-se no que respeita a vinhos que a nossa região já teve várias designações: começou por ser o Oeste, o que não era propriamente um atributo de qualidade; mais tarde passou a ter a designação de Estremadura, o que era confuso porque a Espanha também tem uma província com este nome, e os vinhos que integram a CVR não se coadunam com os limites da Estremadura. A opção por atribuir há três anos o nome de Lisboa à CVR prendeu-se com várias questões: por um lado era necessário envolver novas realidades que se iam juntando a nós como os vinhos das encostas d’ Aire; por outro lado havia uma série de vinhos que provinham precisamente dos arredores de Lisboa (Colares, Bucelas e Carcavelos) …

 

A designação de CVR Lisboa não tem também uma intenção de identificabilidade nos mercados externos?

Sim, é usar um nome que é conhecido. De todos os nomes que existem em Portugal, Lisboa é um dos mais conhecidos. Em termos comerciais é também um nome mais fácil de dizer. Por outro lado esta designação pretende ser um marco no que respeita ao aumento da qualidade dos vinhos da região e até da sua relação qualidade/preço…

 

A CVR está sedeada em Torres Vedras por alguma razão em especial?      

Estamos instalados num óptimo espaço, eram instalações do IVV não utilizadas, nós passámos a utilizá-las, o que é bom, porque sempre fazemos alguma manutenção, e a renda é muito em conta. E tornou-se um pólo, fomos os primeiros a vir para aqui e depois veio a ViniPortugal, os agricultores de Torres Vedras e ainda a Viticer, o que para Torres Vedras também é agradável, é uma mais-valia para a cidade.

 

Quais são as competências da CVR Lisboa?

Os dois grandes trabalhos que a CVR faz são, por um lado, o controlo e a certificação e, por outro, a promoção.

Temos de saber na nossa área a quantidade de terreno que tem vinhas, as castas plantadas, e a quantidade de uva produzida por ano e o seu destino.

Ao nível da certificação, classificamos os vinhos como regionais e de denominação de origem controlada (D.O.C.), conforme a nota que lhes é atribuída por uma câmara de provadores. Dentro da região temos nove denominações de origem controlada e uma delas é Torres Vedras. Devo realçar que aos poucos os produtores foram compreendendo que se forem um bocadinho mais exigentes em termos de qualidade podem submeter o seu vinho à nossa câmara de provadores e certificá-lo. Era importante que esse exemplo fosse seguido por outros vitivinicultores…

 

Qual é actualmente a estratégia de marketing da CVR?

É, por um lado, dar a conhecer o nome de Lisboa internamente e, por outro, promover os nossos vinhos no mercado externo. Aí temos como mercados prioritários Angola, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Alemanha. Temos depois também outros mercados que nos interessam muitíssimo, mas onde ainda investimos menos, que são Moçambique, Rússia e a Europa Central. Existe nesta última área países que já há muitos anos consumiam vinhos portugueses por intermédio da EFTA e que querem agora voltar a recebê-los.

Essencialmente oferecemos um vinho que se bebe todos os dias, a um cliente que aprecia vinho, com comida, e nesse campo temos tido imenso sucesso, dada a boa relação qualidade/preço dos nossos produtos. Por outro lado está a acontecer um fenómeno que nos favorece: nos Estados Unidos, por exemplo, baixaram-se os standards de consumo e isso permitiu os americanos irem de encontro aos vinhos portugueses…

O facto é que se nós nos chamássemos França ou Itália vendíamos o nosso vinho ao preço que quiséssemos, mas isso não acontece, mesmo que os nossos vinhos não deixem nada a desejar aos vinhos franceses ou italianos…

 

De qualquer forma é difícil competir com os “monstros” da produção de vinho como a Califórnia, a Austrália, a Argentina, o Chile e a África do Sul…

Sim, porque produzem em grande quantidade e qualidade e têm um apoio enorme do seu Estado ao nível da promoção e nós temos esse deficit…

 

Internamente, está a ser feito algum trabalho de promoção dos vinhos junto das camadas mais jovens?

Sim. Está a ser feito um trabalho conjunto entre a CVR e a Viniportugal no âmbito de uma campanha chamada Acopo que tem como intuito fomentar a venda de vinho a copo nos restaurantes, embora seja um trabalho difícil, porque andámos a dizer durante 50 anos que a garantia estava na garrafa e beber a copo era nas tabernas e agora surgimos com um conceito completamente diferente. Por outro lado, estamos a visitar todas as escolas de hotelaria e turismo para lembrar aos alunos que o vinho faz parte da nossa cultura, e é bom para a saúde, desde que seja consumido com moderação.

 

O vinho perdeu nos últimos anos bastante margem de consumo para a cerveja e para as bebidas “brancas”. Como vê esta situação?

É verdade. Tal acontece porque o trabalho e a vida antigamente eram duríssimos e convidavam a altos consumos de vinho. Por outro lado, a actual taxa de alcoolémia é exageradamente baixa para a nossa cultura e não favorece o consumo de vinho.

 

Qual é a sua opinião acerca do vinho do concelho de Torres Vedras?

Não lhe posso deixar de dizer que acontecimentos de há alguns anos atrás relacionados com a má condução dos negócios da Adega Cooperativa de Torres Vedras levaram a que a fama do próprio vinho do concelho sofresse com isso, nomeadamente entre as gentes do vinho. E vamo-nos esforçando no trabalho de promoção precisamente para mostrar que a realidade é outra e que a má imagem está ultrapassada. Os actuais vinhos de Torres Vedras estão muito bem, vão a concursos, ganham medalhas, e trazem prestígio para a nossa CVR.

 

Através do vosso trabalho conseguem ter uma percepção da melhoria da qualidade do processo de fabrico do vinho? 

Sim, por um lado, a partir de agora, as pessoas ou tratam as vinhas ou abatem-nas, o que permite diminuir a quantidade de doenças e outras dificuldades. Por outro, está a proceder-se à reestruturação das vinhas, que é colocar as castas certas nos locais certos.

Outra intervenção importante que se está a fazer é tornar a actividade mecanizavel, permitindo que o tractor possa passar nas vinhas, porque se o trabalho for todo feito a braço o vinho sai a um preço tal que não é competitivo.

Já ao nível da parte técnica nas adegas, assistiu-se a uma revolução. De 90 para cá os vinhos portugueses melhoraram muitíssimo e hoje têm uma qualidade invejável devido à modernização tecnológica das adegas e à melhoria dos seus quadros técnicos.

 

O concelho de Torres Vedras também tem vindo a acompanhar essa evolução extremamente positiva?

Sim, com um factor adicional que é o de ter uma gastronomia muito rica, muito bem representada, tem óptimos restaurantes, e são os próprios clientes desses restaurantes que exigem vinhos de melhor qualidade, muitos deles do concelho de Torres Vedras.

 

No entanto ainda existem alguns problemas na vitivinicultura local como a resistência ao emparcelamento…

Sim, mas para resolver esse problema era necessário abrir a cabeça dos portugueses e colocar-se lá um “chip” novo, já que temos arreigado na nossa cultura o sentido de propriedade…

 

Houve também há alguns anos o erro de se abusar dos químicos e da madeira na produção do vinho. Esta situação está ultrapassada?

Está a diminuir, o que também tem a ver com o aumento de gente formada em enologia que tem feito com que esses problemas se estejam a resolver. Mas actualmente temos um outro problema em mãos que é o de se fazer vinho com um grau de álcool muito alto. E o português pensa que a qualidade do vinho está directamente relacionada com o grau de álcool. O vinho em Portugal é para ser consumido com comida e temos muito pouca comida para ser consumida com um vinho de 14 ou 15 graus. O concelho de Torres Vedras teve uma resposta fantástica a isto que são os vinhos leves. Tem crescido a venda destes vinhos porque há cada vez mais pessoas que procuram um vinho que se adapte à comida e que não tenha por isso um teor de álcool muito elevado. São vinhos de Verão que se coadunam melhor com comidas leves. E o concelho de Torres Vedras tem-nos branco, tinto e rosado…

 

Há na sua opinião outros problemas que estejam a afectar a nossa vitivinicultura?  

Sim, há outro que está a surgir que é o do crédito. Mesmo quem foi óptimo pagador tem esse problema. É uma coisa terrível porque está a tirar-se as ferramentas das mãos de quem quer trabalhar. E não podemos abandonar a agricultura senão um dia não vamos ter nada para comer e para beber.

 

Uma das questões de que os produtores de vinho se queixam é de que as margens de lucro estão mal equilibradas no seu negócio. Concorda?

Sim, concordo. Tem de ser feito um trabalho muito íntimo entre os produtores de vinho, os restaurantes e os distribuidores para que todos eles possam ganhar e o negócio se torne possível. A restauração tem um papel muito importante neste negócio porque é lá que se fazem as marcas, é a montra, que leva depois as pessoas a irem comprar o vinho ao supermercado, e é também por isso que a sua margem de lucro acaba por ser maior…

 

Para muitos o maior sucesso do cooperativismo em Portugal verificou-se na área da vitivinicultura. É da mesma opinião?

Sou. Teve um papel fantástico nos anos 60 e tem ainda hoje. Em Portugal actualmente existem mais de cem cooperativas. Aproximadamente metade do vinho que Portugal produz vem de cooperativas e a qualidade dos vinhos destas é enorme. E além disso, a cooperativa tem uma função social que é a de receber uvas de produtores mais pequenos que não fazem vinho, até porque muitas firmas de produção de vinho têm as suas próprias vinhas ou os seus fornecedores. No entanto também não se pode cair no erro de em altura de crise se vender as uvas aos privados e ignorar as cooperativas, ou de vender as uvas melhores aos privados e as menos boas às cooperativas.

 

Há economistas que defendem que devemos apostar naquilo em que temos tradição de saber produzir bem. Acha que a vitivinicultura deve por isso continuar a ser uma aposta em Portugal e no concelho de Torres Vedras?...

Sem dúvida, devemos continuar, melhorando sempre a qualidade e os equipamentos e inovando, usando a imaginação.

Mas saliento que o marketing actualmente é a chave deste negócio...

 

A Câmara Municipal tem vindo a fazer um trabalho contínuo ao nível da promoção dos vinhos locais com a Feira Rural, as Festas da Cidade e as provas de vinho. Considera este trabalho importante?

Sem dúvida. Tudo o que seja feito em prol da melhoria da imagem do vinho de qualidade é óptimo. E a Câmara Municipal desde há muito tempo que faz esse trabalho. De resto, temos uma excelente relação com o Município e é óptimo quando existe uma ligação rápida e imediata entre as várias instituições, o trabalho fica todo mais fácil…

Entrevista extraída da edição nº4 (setembro/outubro de 2011) da revista municipal [Torres Vedras]

Última atualização: 13.08.2019 - 12:44 horas
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