725 Anos da Feira de São Pedro
01.07.2018
Carta per que El Rey mandou fazer feeyra na villa de Torres Vedras
Dom Denis, pela graça de Deus, Rey de Portugal e do Algarve. A quantos esta carta vyrem, faço saber. Saude. Eu mando fazer feerya na villa de Torres Vedras e que a comecem a fazer prymeiro dia de Mayo cada ano e dure ata primo dia de Junho.
ORIGENS
No século XIII registou-se um crescimento económico no território nacional que permitiu uma produção de excedentes e consequente escoamento para mercados e feiras. Juntando a este elemento o crescimento populacional dos centros urbanos, as feiras e mercados ganharam uma maior dimensão.
Se os mercados ocorriam semanal ou mensalmente, as feiras realizavam-se anualmente e a sua importância económica refletia-se na proteção que os monarcas lhes atribuíam. Vários foram os monarcas que concederam cartas de feira a diversas cidades e vilas do reino como forma de garantir o povoamento e a defesa pela fixação das populações, mas foi com D. Dinis que as feiras ganharam importância.
Foi neste âmbito que D. Dinis concedeu carta à feira da Vila de Torres Vedras, em 1293,a pedido da Rainha D. Beatriz, sua mãe. Esta realizava-se anualmente entre 1 de maio e 1 de junho. Curiosamente, esta foi a única feira do reinado de D. Dinis cujos rendimentos da portagem e direitos da feira revertiam a favor de alguém que não o rei, mas sim a favor de D. Beatriz.
Como forma de garantir o sucesso desta feira, D. Dinis atribuiu-lhe proteção especial, também conhecida como “paz de feira”, mandando que todos os que viessem à feira para vender ou comprar realizassem as suas viagens de forma segura e que não lhes fosse cobrada qualquer penhora por dívida que tivessem durante o período de realização da mesma.
A 28 de abril de 1318, D. Dinis concedeu nova carta de feira alterando a sua realização para o período entre 1 de junho e 1 de julho. Não existe, no entanto, qualquer referência ao nome da feira, apenas ao local da sua realização.
O NOME DO SANTO
A referência mais antiga à Feira de S. Pedro data de 1456, estando associada, no entanto, à feira que acontecia em Dois Portos. A atribuição do epíteto de S. Pedro à Feira de Torres Vedras data de 1521, com D. Manuel, por carta de 16 de agosto quando transferiu a feira de Dois Portos para a vila de Torres Vedras, facto que poderá revelar alguma decadência da feira criada por D. Dinis e a necessidade de a revitalizar, terminando com a concorrência que a feira realizada em Dois Portos poderia representar.
A MODERNIDADE
Nos séculos XVI e XVII pouca informação existe sobre a feira.
A 6 de abril de 1792, o juiz de fora e oficiais da Câmara de Torres Vedras enviaram uma carta a D. Maria I, solicitando que a Feira se realizasse entre 29 de junho e 1 de julho, sugestão que foi aceite pela Rainha e colocada em prática logo nesse ano. No entanto esta decisão não teve continuidade e a Feira só voltaria a ter três dias de duração em 1912.
Madeira Torres, na sua obra Descripção Histórica e Económica da Villa e Termo de Torres Vedras, editada em 1835, mas escrita cerca de 1819, dá um importante contributo para conhecermos algumas especificidades da Feira: “No (…) campo situado ao norte da Villa, o denominado a Varzea da Feira, ou de N. Senhora do Ameal, se faz anualmente huma feira pelo S. Pedro, a qual he de grande concurso, mas não de giro comercial correspondente, porque são raras as vendas de gado e de cavalgaduras, e as mais geraes, importantes versão sobre objectos de capella, quinquilharia, e de loiça. (…) Talvez nenhuma feira tenha huma situação tão aprazível, e commoda (…)”.
PORTA DA VÁRZEA
Não é conhecida a data exata em que a Feira passou a ser realizada nas imediações da Porta da Várzea, mas o Jornal de Torres Vedras, o primeiro jornal periódico torriense fundado em 1885, já dava conta da sua realização no local nesse ano: “A circunstancia de dois dias santificados, 28 e 29, fez antecipar um dia a afamada feira de S. Pedro d´esta Villa, na pitoresca alameda e explanada da Porta da Várzea”.
A IMPORTÂNCIA DA LIGAÇÃO FERROVIÁRIA
A Feira de S. Pedro ganha popularidade e regista maior procura a partir de 1887, graças à inauguração da ligação ferroviária entre Lisboa e Torres Vedras, em dezembro de 1886, e a regularização dos transportes de passageiros por essa linha a partir de maio de 1887. “De a verem tão concorrida, como este anno, não se lembram os moradores mais antigos daqui. Desde o amanhecer até à noite foi incessante a romaria até ao local da feira (…)” publicou o Jornal de Torres Vedras, que avançou ainda que nesse dia de S. Pedro de 1887 chegaram duas mil pessoas nos dois primeiros comboios.
O SÉCULO XX
Em 1912 a Feira de S. Pedro passou, como já mencionado, a ter uma duração de três dias, por edital da Câmara Municipal de Torres Vedras de 4 de junho de 1912, mas manteve um caráter básico, pelo que nos anos 20 do século passado começa-se a pensar uma nova organização da mesma. Em sessão de 30 de junho de 1921, a Câmara Municipal encarregou uma comissão de organizar uma planta da Porta da Várzea. Em 6 de junho de 1923 foi apresentado e aprovado o projeto de disposição da Feira de S. Pedro.
Em 1926 realizou-se, de 22 a 29 de julho, a 1.ª Exposição Agrícola – Pecuária e Industrial de Torres Vedras, que constituiu, de algum modo, a percursora da moderna Feira de S. Pedro quanto aos seus objetivos.
Na década de 60 do século XX a Feira não apresentava grande evolução na sua forma em relação ao século anterior, exceto em alguns divertimentos. Só com o 25 de abril de 1974 o certame alcançou a dimensão que lhe conhecemos atualmente, após a criação de uma comissão pela qual se pretendia criar uma grande feira agroindustrial capaz de dar a conhecer a realidade económica da região.
PÓS 25 DE ABRIL
Eis que no ano de 1975 a Feira de S. Pedro entrou num novo período, com a novidade de se alargar a sua realização para nove dias (de 28 de junho a 6 de julho) e convidar diversas coletividades, instituições e empresas do Concelho para nela participarem, estendendo-se ainda o recinto para sul e organizando-se os feirantes e entidades participantes por três pavilhões temáticos: o de Turismo, o Regional e o Desportivo.
A par destas alterações, a Feira passou a contar com um vasto programa de animação que integrava, por exemplo, a atuação da Banda dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras.
Em 1976 o número de pavilhões aumentou e o recinto da Feira de S. Pedro passou a incorporar outras mini-feiras como a do gado, a da agricultura e a do livro.
No ano de 1978 a Feira de S. Pedro ultrapassa definitivamente os limites do concelho de Torres Vedras e conta, na sua inauguração, e pela primeira vez, com um membro do Governo, Jaime Gama, o então ministro da Administração Interna.
Já no ano seguinte, com a elevação de Torres Vedras a cidade, a Feira de S. Pedro conheceu um aumento do número de expositores e do espaço coberto, bem como do número de dias de realização, que passou para 11 dias, como hoje se verifica.
Foi preciso esperar até 1981 para que um Presidente da República, o General Ramalho Eanes, visitasse a Feira de São Pedro e marcasse presença no seu ato inaugural, reafirmando-se, com esse ato, a importância económica deste certame.
Já em 1983 seria a vez do primeiro-Ministro, Mário Soares, passar pelo evento.
NOVO MODELO
A partir de 1985 a Feira conheceu um novo impulso, com a entrada de elementos para a sua Comissão, dirigida pelo vereador António Carneiro, constituindo-se uma equipa permanente e multidisciplinar de trabalhadores que possibilitou desenvolver um trabalho de continuidade.
Já no final da década de 80 do século XX começou-se a pensar na necessidade de redefinir o espaço da Feira, dado que o evento conheceu o auge do seu crescimento no espaço de ocupação tradicional e porque se projetava uma zona verde para o norte do recinto (o atual Parque Verde da Várzea).
NOVO LOCAL
Da redefinição, planificação e esforço em encontrar um outro local surge, em 1999, a realização da Feira de S. Pedro no Parque Regional de Exposições - Expotorres, onde acontece nos nossos dias.
A área da Feira estende-se, atualmente, por 4 hectares, possui dois pavilhões, um utilizado na Expo 98 e comprado pelo Município e o Pavilhão Multiusos, construído em 2004.
UMA FEIRA RENOVADA
Desde então, a organização espacial do certame tem sido alvo de alterações, com o objetivo de proporcionar uma melhor experiência aos visitantes.
Em 2007 foi criada uma zona de esplanadas junto ao Pavilhão Multiusos, onde também passou a ser instalado um palco para animação durante dias e noites de Feira. Mais tarde, em 2015, fruto da instalação do novo Terminal Rodoviário na Expotorres, a Feira de S. Pedro apresentou uma nova disposição de alguns dos seus espaços, com a restauração a passar para junto do Pavilhão Multiusos. O número de visitas alcançou um número record naquele ano, registando 232.501 visitas. Este foi o número mais elevado desde que foi implementado o sistema de controlo de entradas, em 2004.
UMA FEIRA QUE SE DESTACA
A crescente importância da vinha e do vinho na região também foi alvo de reconhecimento pela Feira de S. Pedro, que desde 2016 dinamiza o “Vinho nas Linhas”, um espaço onde os visitantes podem degustar alguns dos melhores vinhos da região de Lisboa.
Sendo anualmente visitada por mais de 200 mil pessoas, e constituindo-se como a terceira maior feira generalista de Portugal, a Feira de São Pedro contou, em 2017, com a presença do primeiro-Ministro no dia da sua inauguração. O certame foi inaugurado a 29 de junho, dia do seu patrono, por António Costa, que na ocasião recebeu a Medalha da Cidade de Torres Vedras.
Andreia Correia
Bibliografia
- MATOS, Venerando Aspra de. (2000). “O impacto da Chegada do Caminho de Ferro a Torres Vedras”. In Turres Veteras III – Actas de História Contemporânea. Torres Vedras. Câmara Municipal de Torres Vedras / Instituto de Estudos Regionais e do Municipalismo Alexandre Herculano: 114.
- MATOS, Venerando Aspra de (2012. Julho 4). “Feira de S. Pedro, um certame com 7 séculos de História e Histórias…;” disponível em: http://vedrografias2.blogspot.com/2012/07/feira-de-s-pedro-um-certame-com-7.html ; Acesso em: 14.06.2018.
- SILVA, Carlos Guardado da (2008). Torres Vedras Antiga e Medieval. Torres Vedras: Edições Colibri/ Câmara Municipal de Torres Vedras.
- SILVA, Carlos Guardado da (maio 2011); “A Feira de São Pedro”; In Revista Municipal Torres Vedras: 71-74.
- VIEIRA , Julio (9 junho 1912); “Feira de S. Pedro em Torres Vedras”, Folha de Torres Vedras.