Adiafa A Festa da vindima
01.09.2012
O vinho, elemento indispensável na liturgia cristã, era um importante suplemento da dieta alimentar do homem medievo, constituindo uma parte importante dos seus rendimentos. A par do pão, estava presente em todas as mesas e chegava em bestas ao mercado lisboeta, secundando o cultivo dos cereais no termo torriense. De bebida de elite, foi-se tornando, ao longo da Idade Média, um produto de consumo generalizado, apesar de distinto na sua qualidade, sendo esta marcada pela condição social.
Os cuidados especiais que a sua cultura exigia obrigavam a uma mão-de-obra numerosa, apesar de não exigir terrenos tão férteis quanto os cereais, dando-se mesmo nas terras magras, arenosas e pedregosas, desde que expostas ao sol e abrigadas dos ventos fortes. A vinha precisava de ser podada, empada, cavada e redrada, “desmamoada”, enxofrada, “esborralhada”, valada ou mesmo tapada com árvores, regra geral com oliveiras, até à colheita das uvas. Todo o ciclo da cultura do vinho implicava uma atenção permanente e exigia o recurso a uma mão-de-obra vasta, fazendo diminuir o plantio à medida que nos afastamos dos centros habitacionais. Um conjunto de cuidados que mantinham a vinha rasteira, através de vigorosas podas anuais, tornando-se a uva rica de açúcar, assegurando ao vinho elevado grau alcoólico. A esses duros trabalhos se refere o poeta Rodrigo Emílio: «Foram chuvas, sol e sachos,/Foram milhentas canseiras/ para as uvas serem cachos / e haver vida nas videiras.»
A diversidade dos climas, dos solos, das castas de uvas, dos tratamentos dados à vinha, bem como dos processos de fabricação explicam a grande variedade de tipos de vinho produzidos. A sua quantidade e qualidade refletiam-se nos sorrisos das gentes nos lagares que, depois de pisadas as uvas, meteriam o mosto em cascos, cubas, tonéis e pipas, todos de madeira, aguardando a sua fermentação. E testemunhavam-se no dia de São Martinho, mesmo festejado com aguapé.
Mas a grande festa tinha lugar, desde tempos medievos, no final da vendimia (vindima), com a adiafa, do árabe adh-dhiafa, quando, terminados os trabalhos de colheita das uvas, o patrão procedia ao pagamento dos salários e oferecia uma refeição, compensando os trabalhadores pelo seu árduo esforço, por vezes aumentado sob os calores estivais ainda em setembro e outubro ou quando o inverno rigoroso se fazia anunciar logo no início do outono, lembrando a máxima popular que primeiro de agosto primeiro de inverno. Era a festa de despedida da campanha, comemorado com um rancho melhorado oferecido aos trabalhadores, onde tinha lugar, por vezes, um agradecimento ao patrão, terminando com um baile. Aqui, ao som da concertina, abraçavam-se os corpos e dançava-se até noite profunda, renovando-se as juras de amores eternos, colhidos como as uvas pela vindima. Gestos e sentimentos que dariam família a muitos malteses e poriam fim às suas vidas errantes….
Carlos Guardado da Silva