Anais do Município
10.08.2022
A 8 de novembro de 1847 a Rainha D. Maria II, por Portaria do Ministério do Reino publicada no Diário do Governo n.º 267, ordenou que em cada uma das Câmaras Municipais dos concelhos do reino e ilhas adjacentes existisse um livro especial denominado Anais do Município, no qual se deveriam registar anualmente os acontecimentos e os factos mais importantes que ocorressem nos seus concelhos, assim como as descobertas de riquezas, substâncias e combustíveis minerais; o aumento ou diminuição da produção agrícola e suas causas; a longevidade das pessoas, com a declaração do seu modo de vida e do seu alimento habitual; as ações generosas que merecessem ser transmitidas às gerações futuras; e finalmente tudo o que pudesse interessar às tradições locais.
Apesar do termo de abertura do livro de Anais de Torres Vedras datar de 11 de julho de 1854, sete anos depois da publicação da Portaria, o escrivão da Câmara, Joaquim Pinto Martins, optou por registar factos anteriores, justificando que “aqui deles fazemos menção pelas datas em que aconteceram e com as circunstâncias que os acompanharam com aquela verdade e imparcialidade que nos for possível”.
Consequentemente, são descritos os relatos a partir de 1846 sobre assuntos tão díspares como a Batalha de Torres Vedras; a edificação do cemitério de São João; a visita do patriarca à vila; a valagem dos rios Alcabrichel e Sizandro; a passagem da rainha pela vila; a praça de touros; o mal das vinhas; o aparecimento de uma baleia na Praia do Farol, junto à Assenta; o terramoto; um notável meteoro; as bandas de música existentes; a construção da estrada de Loures a Torres Vedras; o Aqueduto dos Canos; o brasão de armas da vila; a grande cheia; e a abundante colheita de azeite, entre outros.
Um dos acontecimentos descritos ocorreu a 13 de maio de 1852 quando o pelourinho, símbolo intimamente associado à fundação dos concelhos, que atesta a sua autonomia e poder, e que estava implantado na praça em frente aos Paços do Concelho, foi demolido por ordem do então administrador do Concelho.
Recordando o que se passou na época, o escrivão referiu que, ao prepararem a visita de D. Maria II a Torres Vedras - que aconteceu a 1 de junho - deitaram abaixo o pelourinho “que era um grande pilar de cantaria, obra antiquíssima, e que decerto ali estava havia muitos séculos, e que indicava a antiguidade da Vila, sendo tão bem notável pela sua forma e lavores e por ser um monumento histórico”.
Quando o povo aclamou a nomeação do cirurgião Maurício José da Silva para exercer o cargo de administrador do concelho da Junta Provisória formada “contra o sistema governativo do Ministério Cabral”, numa sessão que ocorreu nos Paços do Concelho a 25 de maio de 1846, não imaginou decerto que a ele se deveria a destruição do pelourinho quinhentista com o pretexto de que estorvava a passagem da comitiva régia, o que “ofendeu e escandalizou todo o povo e pessoas sensatas da vila e concelho”.
Infelizmente, o livro Anais do Município contém somente dezasseis folhas e abarca um curto período cronológico - 1846 a 1856 - mas cumpriu o objetivo de servir para memória futura e está disponível para consulta no local estipulado pela Rainha de cognome "A Educadora": que se guardará cuidadosamente no arquivo da Câmara”. Numa última nota, para quem pretender complementar o estudo sobre a importância da redação dos livros de Anais dos Municípios para a valorização dos acervos documentais das câmaras, num contexto social e político marcado pelo romantismo e pelo nacionalismo, aconselha-se a leitura do artigo intitulado Para uma “Memória Municipal” – a Portaria de 8 de novembro de 1847 e os seus Anais do Município, da autoria de António Amaro Rosa.
Fundo: Câmara Municipal de Torres Vedras
Título: Anais do Município
Datas extremas: 1846 - 1856
Dimensão e suporte: 1 livro; papel
Paula Correia da Silva