António José dos Santos
01.09.2012
António José dos Santos, além de conhecido empresário, é já há 23 anos presidente da direção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, instituição que está prestes a completar os seus 100 anos de vida. À [Torres Vedras] abordou o passado, o presente e o futuro desta instituição bancária, bem como outros assuntos pertinentes como a evolução e o desenvolvimento do concelho, a atual crise económica e os problemas sociais do país nos tempos que correm. Segundo este responsável bancário e empresaria a crise veio para ficar durante uns tempos…
Começava por lhe pedir para fazer um ponto da situação relativamente à atividade da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras…
Bom, há 23 anos quando comecei a exercer funções de presidente da caixa, esta estava numa situação complicada porque a sua dimensão era muito pequena para os empréstimos que se faziam e podia por isso ter problemas de liquidez. Eu e aquela que é maioritariamente a atual direção entrámos, aumentámos em muito a capacidade financeira da caixa por meio dos depósitos, aliás, brutalmente logo no primeiro ano, e a partir daí a instituição entrou numa rotina normal e saudável como tem tido até agora e que espero que continue a ter por muitos mais anos. O volume de capitais que temos em outras instituições financeiras é sobejamente forte para dar um descanso às pessoas que estão à frente da caixa. Aliás, esta é uma das caixas agrícolas do país com uma situação financeira mais equilibrada.
Há algum tempo houve um problema com dinheiro que a Caixa Agrícola de Torres Vedras aplicou no BPP mas isso é uma situação ultrapassada…
Fizemos alguns depósitos a prazo nesse banco mas que foram liquidados pelo mesmo à nossa instituição e não tivemos qualquer prejuízo nessa situação.
Têm muito crédito mal parado neste momento?
Não, temos um rácio de cerca de 3%, o que é algo bastante positivo nos tempos que correm, o ideal era que fosse zero, mas isso é praticamente impossível. Esta situação também acontece pela prudência que temos nos empréstimos que fazemos. Até porque quando emprestamos dinheiro temos a consciência de que ele é dos depositantes, e a nossa primeira preocupação são os depositantes. A restante banca tem neste momento mais de 10% de crédito mal parado e esta percentagem está a subir todos os dias.
Já há alguns anos que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras não está ligada à caixa agrícola central…
Sim, porque tínhamos excesso de liquidez e tendo de colocar os nossos excedentes de liquidez nessa instituição, perdíamos dinheiro com essa situação, e por isso hoje somos um banco como qualquer outro, com a dimensão, obviamente, correspondente ao seu concelho.
Encara com orgulho mas também com responsabilidade o facto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras ser a única instituição bancária genuinamente torriense…
Sim, e sentimo-nos gratos pela confiança que os depositantes têm em nós, hoje é talvez a instituição que mais recursos financeiros tem no concelho. Tentamos fazer a melhor remuneração possível ao depositante e daí também termos os resultados atuais.
Por outro lado, temos financiado algumas obras recentemente realizadas no concelho como o pavilhão desportivo do SC Torres, o Centro de Dia do Turcifal, o Centro Pastoral de Torres Vedras que está ainda em construção, e muitas outras ligadas a juntas de freguesia ou a grupos desportivos. Quando melhor e mais saudável estiver o concelho, melhor.
Aliás, ainda recentemente, quando ocorreu o vendaval no final de 2009, foi a caixa que ajudou os agricultores porque, por um lado o Ministério da Agricultura não concedia dinheiro se não houvesse garantias bancárias e foi a caixa agrícola que as deu, e por outro, emprestamos o restante que era necessário para as intervenções de recuperação. Foi uma resposta rápida e eficiente.
Têm também prestado um serviço bastante benéfico à população com a criação de delegações em vários locais do concelho…
Sim, quando aqui cheguei tínhamos três ou quatro e hoje temos dezasseis balcões, sendo dois na cidade, tendo um sido criado recentemente para aliviar a pressão sobre o balcão central.
É um serviço público relevante, as pessoas não têm de se deslocar a Torres Vedras ou a outro local distante e muitas vezes os nossos clientes são pessoas do campo e idosas que têm dificuldade nesse aspeto. E até porque muitas vezes têm uma boa relação com as pessoas que estão nas delegações isso dá-lhes confiança, as pessoas sentem-se mais à vontade, e a caixa funciona muito por conhecimento pessoal. Criámos em quase todas as freguesias do concelho uma delegação. É um serviço que tem sido importante não só para a captação como também para desenvolver as respetivas zonas. Relacionado com este facto, devo-lhe dizer que enquanto um banco hoje demora no mínimo um mês para dar uma resposta a um pedido de empréstimo, nós demoramos três ou quatro dias.
As caixas agrícolas surgiram para financiar a atividade agrícola como o seu próprio nome indica. Continua a ser uma missão da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras…
Sim, ainda hoje é a nossa filosofia, o nosso cliente principal continua a ser a agricultura, principalmente as novas agriculturas intensivas, ligadas às estufas. Porque o regime jurídico das caixas agrícolas mudou, esta caixa passou também a trabalhar com outros setores. Por isso atualmente, em segundo lugar, trabalhamos com o comércio. E depois em terceiro lugar com a construção civil e o crédito à habitação. Depois, há outras situações residuais, como o empréstimo para o automóvel ou para outras situações. Em termos de serviços bancários fazemos tudo o que os outros bancos fazem à exceção de leasings, sendo que também já há muitos bancos que não os fazem.
Acha que o atual panorama económico de crise poderá se alterar a curto/médio prazo?
Não creio que a crise seja ultrapassada nos próximos tempos, na minha perspetiva, também como empresário que sou, penso que a crise veio para ficar durante uns tempos, não vai ser resolvida nos próximos três/quatro anos, pelo menos. Mas acho que a economia nunca vai voltar aos níveis que já teve. A construção civil tem sido a força motora da economia em Portugal e vai estar parada por uns bons pares de anos, se calhar, durante mais de 15 anos. Foi um setor que cresceu desmesuradamente, em 15 anos construiu-se o que se deveria construir em 80, e agora há uma fatura para pagar.
Acha que esta crise prende-se com erros que foram cometidos ao nível da concessão de crédito?
Sim, há pessoas que dizem que hoje têm cinco e seis créditos de vários bancos e esse facilitismo levou a esta situação. As pessoas quiseram imediatamente o que deveriam ter adquirido num período de quatro ou cinco anos. A economia sobreaqueceu sem necessidade alguma. A principal razão desta crise é sem dúvida o excesso de crédito.
E acha que Portugal vai conseguir dar a volta a esta situação?
Eu acredito que sim. Portugal é um país pequeno mas que tem um povo com uma dinâmica interessante, que tem a capacidade de dar a volta a situações difíceis. Para mim o grande problema de Portugal neste momento é o desemprego.
Pensa que o cenário social pode vir a agravar-se nos próximos tempos?
Isso depende muito do panorama da justiça. Nós, por exemplo, deparamo-nos agora com o problema dos rebentamentos das caixas multibanco em que por vezes os assaltantes para levarem uma quantidade pequena de dinheiro causam-nos prejuízos materiais de dezenas de milhares de euros, e muitas vezes ficam impunes. E devido a este problema provavelmente vamos ter de começar a retirar as caixas multibanco das nossas delegações. Se a justiça for mais célere e mais forte penso que as coisas melhorarão.
Como tem visto o crescimento de Torres Vedras e do seu concelho ao longo dos anos?
Tem sido um crescimento sustentável, foi se desenvolvendo equilibradamente, o que não aconteceu com outros concelhos. Por exemplo, ao nível da construção civil, acho que em Torres Vedras não existem tantos apartamentos para vender como em outros concelhos da região. Tenho pena que, por exemplo, a via entre Torres Vedras, Lourinhã e Peniche não tenha sido ainda construída, e acho que com os problemas financeiros que o Estado atualmente tem não o será nos próximos tempos. Nós vimos o que foi Torres Vedras depois da chegada da auto-estrada. Essa situação trouxe-lhe um muito maior desenvolvimento bem como à região. No entanto, não obstante este facto, Torres Vedras não é hoje um dormitório. O problema de algumas zonas é que se criam nelas as infra-estruturas, mas depois tornam-se dormitórios, o que é mau. Felizmente isso não aconteceu em Torres.
Atualmente não vivo aqui, já vivi, mas costumo dizer aos meus amigos que Torres tem tudo o que as pessoas precisam. Tem boas escolas, tem hospitais, tem serviços desportivos, tem tudo aquilo que uma pessoa normalmente necessita, além de haver uma proximidade entre as pessoas, que se conhecem.
A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras vai obviamente continuar a apoiar o desenvolvimento do concelho…
Claro, dentro das nossas possibilidades, dentro do possível, porque também estamos limitados por números, temos uma batuta em cima de nós que é o Banco de Portugal, que é, no fundo, o nosso “patrão”…
Como perspetiva o futuro da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras?
O futuro da caixa agrícola é o que for o futuro da economia do concelho de Torres Vedras. Nomeadamente o que for o futuro da agricultura, e principalmente da agricultura intensiva. Pessoalmente, penso que esse será o último setor económico a sofrer problemas graves. Todas as indústrias sofrem, mas penso que a alimentar será sempre aquela que sofrerá menos, porque a alimentação é uma necessidade primordial para as pessoas, podem não comer um quilo, mas comerão sempre meio quilo, ou 400 ou 300 gramas. Ou seja, essa situação fará com que a máquina funcione sempre. Relacionado com o que disse, estamos obviamente dependentes da capacidade de organização da agricultura intensiva no que diz respeito à exportação. Se a agricultura se souber mecanizar, ter capacidade exportadora na hora certa e com a qualidade que os países compradores exigem, pode passar um bocadinho mais ao lado da crise do que os outros setores, como é o caso da construção civil que é o mais afetado pela mesma.
Penso que a outra banca, a banca universal, é que sofrerá mais com a atual crise, quem vai bater em retirada não será a caixa agrícola mas as outras instituições bancárias, que vão fechar muitos balcões.
Destes 23 anos em que tenho exercido as atuais funções na caixa agrícola quero também salientar as boas relações que sempre tivemos com o Município de Torres Vedras. Sempre que precisámos de alguma coisa sentimos apoio da parte do Município.
E queria também aproveitar para agradecer a confiança dos nossos depositantes que é fundamental para continuarmos o nosso trabalho, porque se os depositantes não tiverem confiança em nós também não teremos dinheiro para movimentar. E no fundo, o nosso negócio é a compra e venda de dinheiro…
Como já disse anteriormente, ao longo dos 23 anos em que aqui tenho estado nunca houve qualquer problema de relevo, e espero que essa situação se mantenha, e para tal é necessário a confiança dos depositantes nesta instituição porque a caixa é deles, é de todos nós que estamos associados e ela…
Pessoalmente, tem sido gratificante para si a experiência de dirigir os destinos da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras?
Sim, é uma experiência diferente, já conhecia o ramo empresarial há muitos anos, desde 1967, aqui na região, e acho que tem sido uma boa experiência, que também me deu alguns conhecimentos ao nível da banca, relativamente ao seu funcionamento. Foi um pouco juntar o útil ao agradável. Faço o que posso, e como se costuma dizer, a mais não sou obrigado. E neste momento posso-lhe dizer que estou a pensar em fazer pelo menos mais um mandato. Atualmente não estamos na posição de líderes dentro do universo das caixas agrícolas mas não andamos longe, até porque temos de ter em conta que há caixas que abrangem vários concelhos, que têm uma área muito mais vasta, como é o caso da de Santiago do Cacém, que chega a Almada. Mas efetivamente, em termos de solidez financeira, somos atualmente uma das maiores caixas agrícolas do país…
Entrevista extraída da edição nº10 (setembro/outubro de 2012) da revista municipal [Torres Vedras]