António Luís dos Santos
01.05.2017
Nesta edição fomos conhecer uma pessoa que dedicou grande parte da sua vida ao Varatojo.
No Pavilhão Multiusos da Associação Cultural e Beneficente de Santo António do Varatojo estivemos à conversa com António Luís dos Santos, mais conhecido por “Patachina” e falámos da sua forte ligação à terra que o viu nascer. Tanto na Associação como na Comissão de Festas todos lhe reconhecem a extrema dedicação em prol das gentes varatojanas.
Simples e emotivo, o “Patachina” falou-nos de tempos de outrora, de sacrifícios pessoais, contou-nos histórias engraçadas, explicou-nos a sua paixão pelo futebol e lamentou a dificuldade em trazer a juventude para o movimento associativo.
A sua energia, confessou, não tem segredo. “É o amor a uma causa” que nasceu do exemplo dos mais velhos.
O Sr. António nasceu no Varatojo há 70 anos.
Sabemos que fez o curso de formação de serralheiro na Escola Industrial de Torres Vedras e que trabalhou mais de quatro décadas na empresa Francisco António da Silva, como torneiro mecânico. Fale-nos um pouco da sua história de vida.
A Escola Industrial foi após a 4.ª classe feita e éramos obrigados a fazer o exame de admissão para termos entrada na Escola Industrial e Comercial de Torres Vedras. Felizmente foi na altura em que foi inaugurada, no 5 de outubro. Fiz os estudos até ao 3.º ano de dia e, depois, fui estudar à noite. Joguei no Torreense e acabei por completar o Curso Industrial à noite. Tinha três atividades em simultâneo. As minhas famílias eram pobres e, para complementar, o que eu ganhava no Torreense dava para as despesas escolares. Daí a minha vida ter ficado também tão marcada pelo futebol.
Entretanto aparece a vida militar. Fui para a Carregueira, depois fui para as Transmissões em Arca d’ Água, no Porto, depois vim para a Graça, em Lisboa, depois fui fazer o estágio em STM Morse, em Coimbra. Em Coimbra tirei um estágio de três meses e regressei à Graça. Depois ainda fui para Mafra, chefiar o Posto de Transmissões de Mafra e veio então o meu passaporte “lindo” para ir para Angola.
O Sr. António foi chefe do Posto de Transmissões no Serviço de Telecomunicações Militares em Angola.
Como tirei uma boa classificação no Curso de Morse e como o rapaz que lá trabalhava ia sair por motivo de tempo de serviço, fui eu. Fiquei a chefiar o posto.
Como era esse trabalho em Angola?
O trabalho era muito taxativo porque não podíamos sair dali. Estávamos no mato, embora eu não fosse para as “picadas” e estava sempre ali na Central. Daí ter passado um “bom tempo” no Ultramar. Em simultâneo estive a jogar no Futebol Clube de Cabinda, o que preenchia a minha vida. Acabei o serviço militar e regressei à minha casa.
Ao Varatojo?
Ao Varatojo!
No Varatojo todos o reconhecem como uma figura da terra. Mas reconhecem-no como “Patachina”. De onde vem esta alcunha?
Eu sou reconhecido como uma figura da terra por uma causa que sinto orgulho em dizer… [emoção] sou uma pessoa simples! Não tenho problemas, preconceitos disto ou daquilo.
Dediquei muito da minha vida à terra e a minha terra colheu os frutos de muito trabalho realizado por mim e por colegas meus, que trabalhamos diariamente tanto na Associação como na Comissão de Festas do Varatojo.
E “Patachina”, a alcunha?
A minha mãe, Maria do Patrocínio, também gostava de beber um copinho de vinho branco, como o filho. “- Ó Patrocínia, não vás aquela hora ao café buscar vinho branco, que é a hora de beber a bica”; “- Ó Patrocínia…”; “- Ó Patrocínia…” e assim ficou a alcunha de “Patachina”, que ficou por todo o lado. Isto, a vida, é mesmo assim!
No Francisco António da Silva a minha alcunha era o Serra. Porque motivo? Varatojo, Serra, Serra do Varatojo. Outra alcunha: o Sacristão, porque eu quando tinha os meus 10 anos, era a missa lida em latim, era acólito. A minha vida também está ligada à Igreja, porque eu sou Católico.
Voltando aqui um bocadinho atrás, a Associação Cultural e Beneficente de Santo António do Varatojo existe desde 1955 e o Sr. António é um membro associativo extremamente ativo. Fale-nos da sua ligação a esta Associação.
Esta Associação diz-me muito, como também me diz a Comissão de Festas.
Quanto à Associação, vim para aqui porque sempre fui uma pessoa muito dada aos outros. Não me refugiei em mim próprio. Eu dei muito e, por querer contribuir para a minha terra, dediquei-me muito à Associação. Tive comigo muitos dos meus “avós”, pessoas já com 70 e tal anos e eu tinha 14 ou 15 anos e aprendi muito com eles. Segui os passos deles e consegui arranjar aqui amigos que ainda hoje estão cá.
A minha vida pauta-se por muitos, muitos e muitos anos ao serviço da comunidade varatojana.
E de forte ligação a esta Associação?
É a minha Associação!
O Sr. António também dinamizou o atletismo, o basquetebol, o futebol; foi membro do Rancho Folclórico “Os Camponeses do Varatojo”; promoveu a Secção de Pesca e foi ainda um dos membros da Direção responsável por se trazer o Cinema para a Associação do Varatojo. De todas estas atividades qual a que lhe deu mais gosto desenvolver em prol da sua terra?
A minha dinâmica nesta Associação foi sempre muito ativa. Mas a que mais me fascinou, a que me obrigou a andar sempre à frente, porque eu era o timoneiro, o chefe do grupo, foi o futebol. O futebol para mim foi desde criança. Foi uma das boas armas da minha vida porque eu adorei jogar futebol.
Então, naquelas alturas da vida havia uma dificuldade enorme em termos água na nossa Associação. Havia uma cisterna e essa cisterna era cheia por um senhor. Eu vinha do trabalho, do Francisco António da Silva, trazia as panelas grandes da minha sogra e enchia as panelas, aquecia a água e, nos dias em que havia treino, punha a água quentinha lá em cima na cisterna e quando íamos tomar banho, depois do treino, não nos caía aquela água fria em cima do lombo.
Foi sempre um trabalho intenso e ninguém sabe dar valor a uma coisa dessas… sair do trabalho e vir para aqui aquecer a água.
Também fui convidado para fazer parte do Torneio da Câmara Municipal de Torres Vedras, onde permaneci durante 10 anos. Passei muitos bons bocados, mas também tive problemas. Fui “apunhalado” por diversas pessoas que não me compreendiam bem no campo do futebol e eu era uma pessoa honesta, sincera. Aquilo que eu observava era aquilo que eu transmitia em reunião de direção do grupo.
Para mim, o futebol foi algo de fascinante na minha vida! Agora já não posso jogar, mas também no futebol, por ser uma pessoa agressiva, tive uma fratura da tíbia e do perónio quando jogava na Ponte do Rol [risos].
E clubes por onde passou?
Ericeirence, Torreense, Ponte do Rol e, com 44 anos, deixei de jogar futebol pelo Varatojo.
O Sr. António também pertence à Comissão de Festas Anuais do Varatojo, as Festas de Santo António, e é uma das pessoas responsáveis por esta festa se realizar ano após ano. Eu gostava que me dissesse de onde vem essa energia e disponibilidade para fazer esse trabalho todos os anos com o mesmo empenho.
O meu pai fazia parte da Comissão de Festas com outros elementos. Eu, miúdo, fui incumbido de fazer a cobrança, que na altura era 5 tostões, 10 tostões ou 25 tostões, que era a quota mais alta. Então ia com mais um ou dois elementos andar na “pedincha” pelo Varatojo e também pelos lugares limítrofes: Casal Charrinho, Casal da Portela e outros. Eu gostei muito e também trabalhei muito.O Sr. Carlos Dias trabalhou comigo na Comissão de Festas. Demos muito ao povo varatojano que também nos tem ajudado.
Mas a coisa que mais me marcou foi termos ido ao Bombarral, buscar telhas para uma casa que está lá em baixo. Fomos a um domingo de Páscoa, de manhã, almoçámos e eu entrei de serviço aqui na Associação porque havia matiné. Estive de serviço até aquilo acabar. É esta força interior que nos leva a trabalhar e a convidar os mais novos para virem para cá, mas há uma dificuldade enorme em cativar os jovens. Também há uma coisa: na altura não havia a diversidade de coisas que há hoje em dia. Antigamente todos se deslocavam aqui. Quando era Teatro nós tínhamos aqui uma televisão e o pessoal do Varatojo deslocava-se aqui para ver televisão. Havia um afluxo grande. Agora cada um se diverte como quer. Nós dizemos: “- Queres fazer parte da Comissão de Festas?” ou “- Queres fazer parte da Associação?”, “- Vem pá!”, mas temos de andar a pedir um bocadinho forçosamente.
Isto não custa nada, tem é de haver este espírito interior, combatente!
E histórias engraçadas que nos possa contar, ligadas à Festa ou à sua vida associativa? Ouvi falar de uma mota que o Sr. António tinha!
Vamos lá ver… [emoção]. Estou a ficar emocionado!
Um dia um senhor foi ver-me o esquentador. Viemos entretanto à Associação beber a bica, às 23h00. Eu vim na “Vespazinha”e, em vez de a deixar cá em cima como de costume, deixei-a mesmo à entrada da coletividade. Quando saí a vespa já não se encontrava lá. (…) Desapareceu-me a mota.
Depois, um dia fizemos um jantar da Comissão de Festas e organizaram-me um festejo [emoção]. Aquele festejo é que ficou marcado para a minha vida!
Tantos bancos, tantas mesas, (…) foi na proximidade das 300 pessoas que acederam ao convite e fizeram-me a surpresa. Deram-me uma Vespa em pleno palco e eu vou chorar [emoção] … parecia uma criança!
Ou seja, as pessoas do Varatojo juntaram-se e ofereceram-lhe uma mota nova.
Através de uma comissão que foi criada. É isso mesmo.
E outras histórias? Agora sem querer puxar tanto ao sentimento, ouvi falar de uns pastéis de bacalhau!
Essa história aconteceu na Associação, mas espalhou-se a nível concelhio [riso]. Tem a ver com o Dia do Saloio, o 15 de agosto em Santa Cruz. O António José, um amigo meu, estava com uma certa dificuldade em fazer as compras porque tinha pouco tempo disponível e, então, eu disponibilizei-me para o ajudar.
Ele disse-me “- Vai ao LIDL que eles têm lá uns pastelinhos e vem mais cedo para as senhoras prepararem tudo para ir para Santa Cruz”. E eu apontei oito dúzias de pastéis de bacalhau. Até tenho aqui esse papelinho, que já lhe mostrei! Mas eu empreendi que eram oito kgs e não oito dúzias de pastéis de bacalhau [risos]. Aquilo era algo impressionante! A senhora perguntou qual a finalidade para aquela quantidade de pastéis. Respondi que era para o Dia do Saloio, que era para comer um pastelinho e entrar no convívio.
Ora eu chego aqui com 3 sacos e digo: “- Espera aí homem que ainda trago mais um saco, vou buscar ali à mota” e o António José disse: “- O quê?”.
E trouxe tudo na mota?
Tudo na mota! A máquina está habituada a trabalhar (…).
Conclusão da história: “- Ó Homem então tu estás maluco?” e eu respondi que tinha o papel comigo. Quando fui puxar do papelinho, estava lá escrito oito dúzias [risos]!
Assim deu também para alguns amigos comerem à custa do orçamento [risos]. A coletividade pagou as oito dúzias e o resto paguei eu. (…) Hoje falam-me dos pastéis de bacalhau e eu tenho de aguentar, mas também me dou à festa.
Também tenho a indicação que foi ajudante no Convento do Varatojo como acólito, como ainda há pouco referiu, aprendeu Latim e é líder da Trezena há 30 anos. O que é a Trezena Sr. António?
Vejamos um pormenor. A missa, naquela altura, era toda ela lida em Latim (…). Eu como aprendi o Latim, acompanhava sempre a reza, e o meu tio Feliciano deixou de dar a Trezena, fiquei eu. O que é que se entende por Trezena? Trezena são 13 dias, com início a 31 de maio e fim a 12 de junho, o dia da fogueira de Santo António. A Trezena começa às 20h00 e acaba às 21h00, mandamos um “foguetezinho” para chamar as pessoas e para que saibam que o sacristão vai a caminho. Eu também sou amante de deitar foguete [risos].
O “Patachina” é considerado então um “talismã” de vários eventos realizados aqui no Varatojo. Qual é o seu segredo? É a dedicação?
Isto não tem segredo nenhum. É o amor a uma causa.
Nós fomos educados desde pequeninos a estas andanças e a saber trilhar o caminho dos mais velhos, acompanhá-los no seu dia-a-dia, no seu quotidiano. O respeito que nós tínhamos pelos mais velhos é algo que me fascina e eu tentei sempre acompanhar os passos dos antigos. Nós vamos ficando mais velhos também, mas o espírito mantem-se: a entrega; a ajuda; o saber conviver; o saber dizer bom dia com um sorriso a todas as pessoas (…).
O Sr. António falou-nos na dificuldade em chamar os mais novos para a vida associativa. Há alguma mensagem que gostasse de deixar à juventude?
Sem dúvida! Esta Associação sempre se manteve por ter o desporto a funcionar (…) e agora não acontece. Se surgisse alguém para dar um contributo, fosse em que área desportiva fosse, que viesse para a nossa Associação era muito bom. Era um convite que eu fazia como mais velho, como um dos obreiros do desporto Varatojano.
Gostaria que viessem ao nosso encontro, não só aqui no desporto da Associação como também na Comissão de Festas porque também estou com dificuldades em formar o grupo para os festejos deste ano. Deixo o convite e o apelo à juventude varatojana.
Este trabalho não custa nada, basta ter força interior e vir ao nosso encontro. Serão bem recebidos!