As quintas Medievais Torrienses
01.05.2014
As quintas eram, como hoje, propriedades rurais com diversos edifícios de dimensão e produção consideráveis. Entre os edifícios, encontravam-se diversas ‘casas’, regra geral térreas, de habitação, mas também de transformação e armazenamento de produtos agrícolas, de que são exemplo as adegas, os lagares, os currais e os moinhos, de início associados a um curso de água. Por vezes, sendo residência senhorial, destacavam-se pela presença de uma torre, justificando a denominação de paço. Em torno das casas, encontrava-se o horto, de onde saíam as ervas e os legumes frescos para a cozinha ou diretamente para a mesa, a que se juntavam as árvores de fruto - pomares, vinhas e olivais de dimensões diversas. As terras mais distantes eram reservadas ao cultivo dos cereais, quando não deixadas em charneca para acolher os rebanhos nas pastagens.
A Inquirição de 1309, mandada fazer pelo bispo de Lisboa, refere algumas quintas no termo de Torres Vedras com a designação de ‘quintã’ ou ‘granja’, de grandes dimensões, se tivermos em conta as quantidades de cereal e vinho nelas obtidas, entre as quais se encontravam a de Teresa Novais no Braçal, a do Amo (mais tarde da Conceição, na Curvanceira), a de Pero Escacho (no Maxial), a de Giral Picanço (na Fanga da Fé, mais tarde Encarnação) e, finalmente, no Vale de Mend’Aires, a de Martim Gonçalves e a ‘que foy da Rainha dona Beatrix’, integrando, estas duas o património do mosteiro de Alcobaça em inícios do século XIV.
Todavia, as quintas marcavam presença na paisagem torriense desde, pelo menos, D. Afonso Henriques, atestando-se então a ‘quintã’ de Tamuja (mais tarde quinta de Alcobaça, em Runa, pertencente ao mosteiro de Santa Cruz de Coimbra), e as granjas de Fanga da Fé e Enxara, pertencentes ao mosteiro de Oia, entregues provavelmente à exploração indireta, mas com a presença de um celeireiro em Torres Vedras, que recolhia as rendas e cuidaria dos demais interesses do cenóbio. Outras quintas, ainda, pontuavam o extenso termo medieval torriense de que são exemplo a quinta da ‘Maceira dos frades d’alcobaça’, junto da Charneca onde o rei poeta fundou, em 1318, a povoação de Porto de São Dinis, com uma quinta do mesmo nome, ou, junto da vila, a quinta de Carcavelos. Algumas destas quintas, foram pólos de atração, dando origem a aldeias, como A da Rainha, do mosteiro das freiras de Celas, ou a da Ribaldeira. Outras, pelo contrário, devem a sua existência a antigas aldeias como a ribeira de Manjapão, com 30 fogos em 1309, reduzida hoje à quinta do mesmo nome.
Em inícios do século XVI, muitas das quintas eram residências e sedes de explorações senhoriais isoladas. Em cada uma delas, o único fogo aí atestado era encabeçado por um fidalgo cavaleiro ou escudeiro, tratado por ‘dom’, de que são exemplo a de Azueira, com D. Estevão de Castro, as de Benfica e Cadriceira, com D. Rodrigo de Castro, seu genro, e D. Pedro, seu filho, respetivamente, a da Ribeira, com D. Jorge de Castro, a da Patameira, com D. Afonso de Miranda, a da Torre da Rainha, com D. António de Meneses, e a ‘quimtã de dõ Simão’ que se chamava Vila Pouca. Quintas pertencentes a figuras de vulto da sociedade torriense, que viam nestas unidades de exploração uma fonte de rendimento, como acontecia com o escudeiro João Gil que, além de criar ovinos, explorava uma quinta do mosteiro de Lorvão, em Aldeia Grande. Refira-se ainda a quinta dos monges bernardos alcobacences em Valverde, onde D. Fernando construíra um paço régio, bem como uma granja que os regrantes do mosteiro de São Vicente de Fora possuíam em Randide, desde o reinado de D. Afonso III.
Pelo seu valor património, assim como pelo facto de serem excepcionais fontes de rendimento, as ordens religiosas procuraram integrá-las, desde cedo, no seu património, mas também as ordens militares, nomeadamente de São João do Hospital ou de Malta (a partir de 1530), de Santiago (quinta de Moncoval, em inícios do século XIII), Cristo e Avis com comendas em Torres Vedras.
Carlos Guardado da Silva