Torres Vedras

Carlos No

27.01.2022

Imagem da peça

O percurso de Carlos No contempla o primeiro prémio de pintura na Feira de Arte de Portimão e a representação portuguesa na Bienal de Jovens Criadores da Europa e do Mediterrâneo (ambos na década de 1990). Em 2006, a exposição Classificados esteve patente na Paços - Galeria Municipal de Torres Vedras. Mais tarde, o Município viria a juntar Trânsito Proibido à sua coleção. Nesta conversa, ficamos a conhecer o artista e a reflexão sobre temáticas sociais que marca o seu trabalho.

 

Como foi o seu encontro com as Artes Plásticas? Quando soube que era este o caminho que queria trilhar?

Posso afirmar com bastante segurança que o meu encontro com as artes e, em particular, as artes plásticas, se deu na adolescência quando tive que optar, no liceu, pela área de estudo que pretendia seguir. 

É verdade que desde muito cedo, ainda criança, já tinha manifestado um gosto e um prazer muito grande em desenhar e pintar, mas a tomada de consciência sobre o "caminho que pretendia trilhar" só se deu, efetivamente, na adolescência e foi algo que se viria a consolidar cada vez mais à medida que os estudos e os anos iam avançando.

 

A reflexão sobre temáticas sociais relacionadas com os direitos humanos, tão presentes no seu trabalho, são preocupações que nasceram na infância ou adolescência, ou apareceram mais tarde, no processo criativo que foi explorando?

A preocupação com o bem-estar do outro, o gosto pela partilha, a convivência com meninos diferentes de mim, o desconforto sentido perante situações de injustiça ou violência era algo que eu já revelava ter desde muito novo, segundo me contavam as pessoas mais velhas da família, mas a introdução destas preocupações no campo do meu trabalho artístico só começou mais tarde, já depois de iniciados os meus primeiros trabalhos a nível "académico". Foi aí que eu decidi que o que mais me interessava explorar nos meus trabalhos seriam este tipo de temas e questões e não outras, de natureza mais formal, pesquisa material ou outro tipo de questões habitualmente levantadas dentro do campo da Arte e da pintura. 

 

Em 2006, a Paços – Galeria Municipal de Torres Vedras teve o privilégio de acolher a exposição Classificados. Fale-nos um pouco sobre a mesma, o tema e os trabalhos presentes.

Se falamos de privilégio, posso dizer que também foi meu, ao poder expor na Paços — Galeria Municipal de Torres Vedras, dado tratar-se de um espaço maravilhoso cuja programação vinha desde há alguns anos a demonstrar ter critérios de seleção rigorosos, apresentando exposições de artistas contemporâneos, alguns deles, inclusive, em início de carreira.

Daí o meu interesse em poder vir a expor neste espaço, algo que veio a surgir um ano mais tarde após a aprovação da minha proposta/projeto de exposição.

Esta exposição, posso dizê-lo hoje, acabou por ser uma exposição marcante na minha carreira artística, dado que foi a minha última exposição individual de pintura e, ao mesmo tempo, aquela onde, pela primeira vez, eu comecei a expor obras tridimensionais que tinha começado a produzir pouco tempo antes.

A exposição Classificados foi, assim, a primeira que realizei onde reuni pintura e escultura, mas tudo dentro de um único tema que, no caso, foi o da exploração laboral infantil. 

Eram obras nas quais, independentemente do médium utilizado, eu fazia referência a este flagelo, transversal no tempo e no espaço, que é ainda hoje vivido e sofrido por milhões de crianças em todo o mundo. 

Nestas telas surgiam, a par de imagens de ferramentas ou instrumentos de trabalho pesado e perigoso, pequenas frases com erros ortográficos solicitando ou oferecendo possibilidade de trabalho, mas apenas para menores de idade. Pretendi assim, de uma forma irónica e de confronto entre imagem e texto, recordar esta questão que continua a existir em muitos países, mas que, ao mesmo tempo, continua a ser negada, ignorada e/ou tornada invisível.

 

Trânsito Proibido é o título da peça que faz parte da coleção da Câmara Municipal de Torres Vedras, tendo sido adquirida alguns anos após a exposição Classificados. Qual é o conceito da peça?

Esta peça, que se caracteriza por ser um sinal rodoviário de trânsito proibido no qual surge uma imagem por mim concebida, faz parte de um conjunto mais alargado de outras obras, com idênticas características, que têm por tema a problemática da ausência de fronteiras e a livre circulação das pessoas pelos diferentes territórios. 

Estas obras, que foram criadas entre 2009 e 2011, procuravam, de um modo irónico, questionar os conceitos de território e fronteira e através delas eu pretendia fazer uma chamada de atenção e de alerta para uma questão que, nessa altura, continuava a existir mas de uma forma latente: as limitações e entraves existentes no Espaço Schengen criadas sobre as pessoas oriundas de país que não pertenciam à União Europeia (UE) — um tema que anos mais tarde veio a estar diariamente na agenda noticiosa de vários países da UE, conforme todos nós sabemos e conhecemos.

A ideia de utilizar sinais de trânsito, facilmente identificáveis e reconhecidos por todos nós, surgiu-me como base e meio para poder falar sobre este tema. A par do recurso material aos mesmos, introduzi imagens criadas por mim que pudessem ir ao encontro do sentido e significado final que lhes pretendia dar. 

Surgiu assim esta série artística que tinha por título Europa e da qual a Câmara Municipal de Torres Vedras veio a adquirir, uns anos mais tarde, uma dessas obras que pode ser vista atualmente no Porta 5 — Espaço Cultural.

 

O que se encontra a produzir atualmente? Os temas sociais continuam a ser o fio condutor?

Ando a produzir várias obras, inéditas, algumas das quais vou apresentar este ano numa exposição individual que irei ter em Lisboa, na Galeria Monumental. A par destas obras estou a criar outras que conto poder vir apresentar noutras exposições que venha a participar, ou realizar, brevemente. 

Todas elas são obras que andam à volta de temas e conceitos que tenho vindo a explorar de há 30 anos até hoje e que tenciono, sem dúvida alguma, manter no futuro. Presentemente estou a explorar questões relacionadas com a ausência de liberdade, opressão e tortura.

Legenda das fotografias:

Fotografia 1 - Trânsito Proibido
Fotografia 2 - Intifada, fotografia de Rui Oliveira
Fotografia 3 - Fronteira Namban, fotografia de Alberto Mayer

Última atualização: 02.02.2022 - 16:25 horas
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