Torres Vedras

Francisco Toscano Rico

26.01.2021

Francisco Toscano Rico é desde 2019 presidente da CVRL (Comissão Vitivinícola Regional de Lisboa), entidade sediada em Torres Vedras. A [Torres Vedras] esteve à conversa com este engenheiro agrónomo de formação, uma entrevista em que se abordou o seu percurso profissional, o trabalho da CVRL e diversas questões relacionadas com a realidade vitivinícola local, regional e nacional. Na opinião de Francisco Toscano Rico, apesar da viticultura da região ter ainda aspetos a melhorar, o futuro da mesma é, sem dúvida, promissor. Exemplo disso é o facto de, em 2020, um ano difícil para a Economia nacional devido aos efeitos da pandemia provocada pela doença Covid-19, os Vinhos de Lisboa terem registado um crescimento de vendas na ordem dos 17%, tendo 85% das suas garrafas sido exportadas.

 

 

Primeiramente pedia-lhe para abordar o seu percurso profissional até chegar à presidência da CVRL…

Tirei o curso de Agronomia no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa e fiz o estágio final precisamente em viticultura, em vindima mecânica, que na altura era uma novidade. Nesses tempos a minha família era também produtora de uva, portanto tinha uma ligação muito próxima com a área da viticultura. Finalizado o curso, em 94, integrei o Instituto da Vinha e do Vinho, e tive então cinco anos de trabalho neste instituto, na altura muito ligado àquilo que são os apoios comunitários. Posteriormente abracei outras áreas, dentro do Ministério da Agricultura, tendo estado no setor do leite e dos laticínios. Portanto, foi uma mudança um pouco radical, do vinho para o leite, mas que me abriu imensos horizontes e de que gostei imenso. Ao fim também de cinco anos, também dentro do Ministério da Agricultura, mudei de novo de área, estive a trabalhar na área da Higiene e Segurança Alimentar, numa altura em que foi necessário reforçar essa componente. Em 2011 fui convidado para assessorar o secretário de Estado da Agricultura, tendo trabalhado de novo na área da viticultura e do vinho. No final de 2014 regressei ao Instituto da Vinha e do Vinho, como vice-presidente. Na altura o presidente era o engenheiro Frederico Falcão, atual presidente da ViniPortugal, fiz equipa com ele, e foi uma experiência que correu muito bem. Em finais de 2018 surgiu então o convite para deixar o setor público e vir para a associação de produtores de vinho de Lisboa, para a CVR Lisboa, tendo assumido a sua presidência no dia 1 de janeiro de 2019. Estou desde aí na comissão de corpo e alma. Estou a gostar imenso do desafio, é também bom estar do outro lado. A minha experiência era muito de setor público, de política pública, agora estou na parte operacional, no fundo, de quem utiliza a política pública no seu dia a dia. É o outro lado da moeda, o que enriquece imenso e é um desafio fantástico.

 

 

Que balanço pode fazer do trabalho que tem realizado até ao momento na Comissão Vitivinícola Regional de Lisboa?

A comissão definiu um novo plano estratégico assente em alguns pilares fundamentais. Por um lado, mais e melhor controlo, o que tem a ver com a área de controlo e certificação do produto, porque é algo que nós entendemos como importante para garantir a credibilidade do produto que vai para o mercado. E algo que é fundamental é a capacidade de resposta no controlo. Hoje em dia os produtores de vinho são confrontados com pedidos de encomendas diárias e nós temos de estar capacitados para fazer a certificação num curto espaço de tempo. E isso é uma mais-valia para a região, nós conseguirmos realmente acompanhar a sua dinâmica. Lisboa é uma região que está a crescer imenso todos os anos, isso é ótimo, isso exige muito mais de nós e por isso estamos a reforçar a equipa técnica, mas também estamos a mudar a forma de trabalhar.

Outra vertente do nosso trabalho é dar notoriedade à marca Lisboa e às suas denominações de origem. E essa notoriedade é no fundo dar visibilidade à região e visibilidade àquilo que são os produtores e os seus vinhos. E entramos assim na fase de marketing e promoção. E o que é que temos feito? Procuramos obviamente estar nas grandes feiras internacionais, levando os nossos produtores a contactar com tudo o que é trade lá fora. Por outro lado, procuramos estar nas publicações de referência internacionais, em revistas da especialidade. Trazemos também jornalistas e importadores estrangeiros à região porque desta forma conseguimos proporcionar experiências que ajudam a criar um lado afetivo com o território e com os nossos vinhos. Com a pandemia, estamos também a apostar na comunicação e em eventos online, com provas de vinho e masterclasses para jornalistas, sommeliers e trade em geral.

Ultimamente e cada vez mais queremos também dar um impulso ao enoturismo. A região está a crescer muito, está a exportar 85% daquilo que é a sua produção total, e acreditamos que o enoturismo pode gerar muito mais valor por aí. Houve um impulso fundamental dado por parte da Cidade Europeia do Vinho Torres Vedras/Alenquer 2018, que despertou toda uma região, não só os produtores de vinho, mas também os agentes associados à gastronomia e à cultura, e os próprios municípios. Há uma dinâmica que se criou com esse evento, que foi fundamental, e que marcou claramente aqui um ponto de viragem. E agora temos que dar tração àquilo que foi feito. E acreditamos que valorizar o vinho passa muito pela parte do enoturismo. E quando falamos em enoturismo não falamos só de adegas, não falamos só de vinho. O vinho ganha imenso quando se explica a sua origem, e a sua origem é a sua História, a sua envolvente, a Cultura, a Gastronomia, é tudo isso que depois enriquece o próprio produto.

Estamos agora a começar a trabalhar e também com outras regiões, uma área que é fundamental hoje em dia, que é a da sustentabilidade. A sustentabilidade começa na vinha, mas tem que ir até à garrafa. O consumo de energia, o consumo de água, as boas práticas na viticultura, a sustentabilidade na biodiversidade na vinha, tudo isso são matérias que cada vez mais a própria sociedade exige do lado de quem está no mercado. Não é que não haja já boas práticas, mas queremos ser mais exigentes.

 

 

Como vê a realidade dos vinhos de denominação de origem controlada como o DOC de Torres Vedras?

A força, no fundo, da região, está muito assente na marca Lisboa. Temos cerca de 126 produtores de vinho numa região que começa em Carcavelos e vai até Leiria, com um volume de vendas que em 2020 superou os 65 milhões de garrafas, com um crescimento de 17% mesmo em ano de pandemia, o que demonstra a vocação exportadora dos vinhos de Lisboa. Isto para dizer que a marca Lisboa é que no fundo tem alavancado tudo o resto. Depois, as denominações de origem, que valem 3% desses cerca de 65 milhões de garrafas, são pequenos nichos muito interessantes, porque são todos eles muito diversos. As próprias regiões dentro dos Vinhos de Lisboa têm uma identidade diferente que se traduz depois num produto diferente e com uma identidade muito própria. Falando de Torres Vedras, é para já um pequeno nicho, mas que é uma bandeira importante, no fundo, dentro de um chapéu maior que é Lisboa. É uma identidade e uma qualidade que é reconhecida e que por ser diferente do resto nós também acarinhamos.

 



Acha que os produtores regionais já estão mais sensibilizados para a questão da certificação?

Sem dúvida. O que nós temos visto é uma região que duplicou as vendas desde 2014, e obviamente as vendas pressupõem a certificação prévia. Esse facto demonstra uma explosão e um interesse, que não é idílico. Há procura pelo produto, e é a procura que incentiva depois o produtor a ir atrás da certificação. Porquê? Porque o mercado já está a remunerar a marca Lisboa, senão o produtor não ia certificar, vendia como outro produto qualquer ou a outro armazenista qualquer no país ou no estrangeiro.

 

 

Relativamente à estratégia de marketing, quais são os mercados em que a CVRL está a apostar atualmente em termos de promoção?

Para ter uma ideia, Lisboa exporta para mais de 100 destinos diferentes. E metade dos produtores de Lisboa já exportam para países terceiros. Portanto, praticamente todos exportam para a União Europeia, mas metade deles já exporta para fora da União Europeia, o que é obviamente um sinal muito interessante e muito forte desta vocação que Lisboa tem para a exportação. Não podemos, no entanto, pensar que em termos de comunicação conseguimos chegar a cerca de 100 mercados. Temos a ViniPortugal, que representa todos os produtores de vinho de todas as regiões de Portugal, e que tem o seu plano de marketing, que é muito abrangente, e o que nós fazemos é tentar dar força a esse plano. No fundo, atuamos supletivamente. Vemos dentro desse grande plano nacional o que nos interessa mais e tentamos escolher dois, três, quatro grandes mercados. Recentemente apostámos de forma particular no Brasil, nos Estados Unidos, no Canadá e na Suíça.

 

 

Como vê de uma forma geral a realidade vitivinícola do concelho e da região?

A realidade é muito diversa e, olhando para o ano de 2020, vemos que há claramente um choque assimétrico que tem a ver com as diferentes realidades que encontramos aqui em Lisboa. É uma região muito forte, a crescer, com a exportação a aumentar, mas depois vemos empresas mais pequenas, mais ligadas ao canal da restauração, que com o lockdown foram muito impactadas. Vemos claramente uns a crescer muito e outros a passar alguma dificuldade.

Abstraindo-nos do ano de 2020 há, no entanto, aqui uma realidade muito interessante. Há uma viticultura muito profissional nesta região e há uma área média por viticultor que, tirando o Alentejo, é superior à do resto do país. A área média na região, pelo menos de área de vinha certificada, anda à volta dos cinco hectares. Há ainda muito minifúndio, mas vê-se uma viticultura profissional. Se virmos a produtividade da vinha e o preço da uva acaba por ser uma atividade mais interessante em Lisboa do que nas outras regiões vitícolas de Portugal.

E depois temos as adegas cooperativas, que eu considero um dos pilares desta região. Para ter uma ideia, cerca de 75% dos viticultores são associados das adegas cooperativas. Quando falamos do sucesso dos vinhos de Lisboa é incontornável que temos de falar do sucesso das adegas cooperativas. E felizmente a maior parte delas estão bem, estão a dar cartas, a apresentar novas referências, e por isso contribuem até para dar visibilidade à própria região.

Por outro lado, cerca de 50% da área de vinha foi reestruturada nesta região nos últimos 10 anos. Por isso é que a qualidade dos vinhos também subiu, porque há agora uma preocupação na instalação das vinhas com as castas certas nos locais certos. Quem planta hoje uma vinha sabe bem o que está a fazer. Já não é aquele experimentalismo que havia há alguns anos e isso depois reflete-se na qualidade da uva e do vinho.

E depois temos a área comercial. Se na exportação estamos muito bem, no mercado nacional temos claramente passos a dar. Considero que a restauração não tem sido grande amiga dos vinhos portugueses em geral e dos de Lisboa em particular. Temos de nos aproximar da restauração, ir ter com eles. Em Lisboa tem de se consumir Lisboa (de Lisboa cidade até Leiria).

 

 

A criação da marca Lisboa é claramente uma aposta ganha…

Sem dúvida. Em boa hora a região amadureceu as suas ideias, viu os caminhos possíveis que tinha de traçar para o futuro e acho que foi uma visão muito acertada.

 

 

Perguntava-lhe também se está a ser feito algum trabalho para uma melhor repartição das margens de lucro no negócio dos vinhos?

A CVRL estabeleceu no seu plano estratégico chegar a 2050 como sendo a região vitícola mais rentável do país. E acreditamos que conseguimos lá chegar. Isso passa pela valorização do vinho, vendendo-se o vinho por um melhor preço, poder-se-á remunerar melhor a uva. Na questão da repartição do valor acrescentado, é um problema do setor agroalimentar como um todo, o retalho fica com uma boa parte dessa margem e isso não é só no vinho. A vocação exportadora da região é por isso sintomática, ou seja, é uma procura de no mercado ver quem remunera melhor o trabalho. A título de exemplo, em 2020, foram para a Austrália centenas de milhares de garrafas de vinho de Lisboa, quando a Austrália é uma das maiores potências mundiais de vinho. Descobriram o vinho de Lisboa e foram quase meio milhão de litros para lá.

 

 

Na sua opinião, a criação do Smart Farm Colab - Laboratório Colaborativo para a Inovação Digital na Agricultura, que está atualmente sediado no INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária), é uma mais-valia para o setor vitivinícola regional?

A proximidade desta estrutura também é importante porque a proximidade física torna tudo mais fácil. De maneira que ter aqui um polo também agregador de várias vontades e ele próprio formado com valências muito diferentes poderá ser benéfico não só para a viticultura, mas para toda a área agroalimentar. Deve ser o setor a identificar as suas necessidades e a ir ter com estas estruturas profissionais que depois alavancam e dão andamento a processos muito ligados à experimentação e à investigação.

 



A localização da associação mundial de enoturismo em Torres Vedras é também um fator vantajoso para o setor vitivinícola da região?

É sempre. Ter associações com essa vocação dentro do território, obviamente traz mais dinâmica e mais atividade ao próprio território. Mais uma vez, a proximidade física acaba por ser uma mais-valia adicional. Portanto, acreditamos que seja mais um veículo para dar visibilidade ao território.

 

 

A realização do concurso mundial de vinhos Sauvignon no concelho de Torres Vedras vai também ser uma mais-valia para o setor vitivinícola regional?

A escolha de Torres Vedras para a realização desse concurso não acontece por acaso. Acontece porque o próprio Município tem demonstrado bom trabalho na área dos vinhos e por outro lado porque estamos numa região vitícola de excelência. Além disso, a organização do evento entende que Torres Vedras é um local com capacidade de enriquecer o mesmo. O trazermos aqui à região especialistas internacionais na área dos vinhos que terão depois a possibilidade de visitar os produtores e o território, acho que vai ser uma grande mais-valia.     

 

 

Podemos dizer, em jeito de balanço, que o setor vitivinícola regional e nacional tem um futuro risonho? De resto, o célebre Relatório Porter já apontava este setor como um daqueles em que a economia nacional devia apostar…

Sim, não tenho dúvidas disso. O Relatório Porter também ajudou a despertar o próprio setor e a orientá-lo, mostrando quais eram os caminhos possíveis. A própria formação da ViniPortugal, que foi criada para a internacionalização do vinho nacional, também nasceu do Relatório Porter. Todo o trabalho que tem sido feito tem dado resultados. Portugal está a crescer, por um lado exportando mais, mas também criando mais valor. Hoje em dia Portugal já é visto como um grande país vinhateiro em termos de qualidade, e os críticos internacionais reconhecem isso. O próprio consumidor nacional é cada vez mais entendedor da qualidade do produto. Não tenho dúvidas que o futuro não só desta região, mas de Portugal como um todo, passa pelo vinho.

Última atualização: 27.01.2021 - 12:06 horas
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