João Monteiro
01.05.2011
O maestro João Monteiro dirigiu nos últimos 25 anos a banda de música da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras, tendo durante a maior parte desse período acumulado também o cargo de chefia na banda de música da Força Aérea. Com ele, aquele agrupamento musical torriense evoluiu e prestigiou o concelho no país e no estrangeiro. Recentemente João Monteiro tomou a decisão de deixar essa banda que iniciou, assim, um novo ciclo. À [Torres Vedras] este músico e maestro fez um balanço do seu trabalho na mesma e abordou ainda outros temas, como o seu percurso musical, o panorama filarmónico e artístico do concelho e a evolução de Torres Vedras, cidade onde tem residido durante a maior parte da sua vida e pela qual nutre grande carinho…
Como iniciou a sua carreira na área da música?
A minha vida musical começou muito cedo, porque tive um pai que para além de filarmónico era um apaixonado pela música e que a mim e a outros irmãos encaminhou para a área musical. Não só a nós, também outras pessoas beneficiaram dos seus ensinamentos porque tinha conhecimentos e paciência para ensinar música.
Boa parte da sua família está ligada ao mundo da música…
Sim, eu e dois dos meus irmãos passámos por bandas militares e também outros familiares nossos enveredaram pelo mundo da música, fazendo hoje parte da banda dos bombeiros.
Desde novo que revelou talento para a área musical…
Dizem que sim, eu realmente desde muito cedo que comecei a gostar de música. Aprender a ler e a escrever na época foi praticamente interligado com o aprender música. É uma paixão que tenho desde que praticamente nasci. Com 8 anos comecei a tocar os instrumentos mais pequenos da banda, porque eu também não era muito grande, o flautim e a flauta. Tocava na Banda Recreativa Torriense, uma filarmónica que existiu em Torres Vedras, onde fiz a minha evolução musical e, mais tarde, em simultâneo, integrei a banda dos bombeiros. Posteriormente passei a tocar clarinete, requinta e também saxofone em grupos de bailes. Com 18 anos concorri à Banda Militar do Regimento de Infantaria n.º 1, na qual viria a ingressar.
No intuito de me valorizar musicalmente, inscrevi-me no Conservatório, onde estudei clarinete e outras disciplinas relacionadas com a área musical.
Estive nas bandas de música do Exército dos 18 aos 23 anos. Em 1968 fui nomeado para a Banda de Música do Regimento de Infantaria n.º 20 de Luanda, tendo nessa cidade continuado os meus estudos musicais na academia local. Mais tarde, porque pretendia ter outras experiências musicais e dedicar-me à música ligeira, pedi uma licença militar para ir actuar em Moçambique. Voltei a Angola e em 74 vim para Portugal. Em 78 quando a minha licença estava quase a terminar, fui convidado para a banda da Força Aérea, na qual viria a ingressar como solista clarinete após prestar provas públicas para o efeito. Entretanto, prossegui os meus estudos musicais com o maestro Marcos Romão dos Reis, com quem estudei Contraponto, Fuga, Instrumentação, Análise e Direcção. Em 1986 concorri a oficial chefe de banda e nesse ano fui promovido a Alferes. Após promoções sucessivas atingi o posto de Tenente-Coronel até passar à reserva em 2005.
Quando regressou a Portugal reintegrou a banda dos bombeiros…
Sim, ao regressar a Portugal instalei-me de novo em Torres Vedras e voltei à banda dos bombeiros, tendo por solicitação da direcção assumido o cargo de monitor/professor da escola de música. Com mais alguns elementos afectos à banda iniciámos a formação de novos alunos que se tornaram o alicerce da mesma. Foram meus alunos rapazes e raparigas que são hoje profissionais nas bandas militares ou professores de música em diversos estabelecimentos de ensino. Em 1985 sou convidado a exercer o cargo de maestro da banda, tendo conseguido evolui-la, imprimindo uma nova dinâmica e renovando os seus naipes.
Devo também referir que dirigi as bandas de Aveiras de Cima, Alcanede, A dos Francos, Lourinhã, Aldeia Grande e Ermegeira.
O que o levou a permanecer tanto tempo na banda dos bombeiros, primeiro como executante e nos últimos 25 anos como maestro?
Por paixão. A mim não me faltavam outras solicitações, de diversas bandas filarmónicas, de grupos de música ligeira, do teatro, e outras. Muitas delas ficaram para trás porque optei por dedicar-me à banda dos bombeiros. Convivi na nossa banda com grandes músicos, excelentes directores, grandes pessoas, algumas delas que já partiram mas que continuam bem vivas na nossa memória. Foi comigo que a banda se internacionalizou, realizamos excelentes actuações na Alemanha, na França e nos Açores. Torres Vedras e os seus bombeiros têm sido falados pela excelência da sua banda, e isso sempre me deu bastante prazer e gosto. Como músico profissional corri o país com a banda da Força Aérea e sempre ouvi falar bem da banda dos bombeiros de Torres Vedras, o que me deixava orgulhoso de à mesma pertencer.
Neste momento o concelho apresenta uma dinâmica muito interessante na área da filarmonia…
Sim, embora reconhecendo as muitas dificuldades das bandas filarmónicas do concelho, pela necessidade constante de renovar os instrumentos e fardamentos, despesas que muitas vezes têm dificuldade de suportar. Ao nível da massa humana os problemas vão sendo ultrapassados com o trabalho e dedicação de quem ensina nas suas escolas. As seis bandas do concelho têm desenvolvido um trabalho muito interessante. Temos pessoas competentes nas nossas bandas e eu gostaria de realçar, não diminuindo os outros, o maestro Álvaro Reis, que tem feito um trabalho excelente na banda da Ermegeira, não só “fabricando” músicos, mas também escrevendo e arranjando todo o reportório da mesma, demonstrando uma dinâmica e um interesse que é justo realçar. Espero que as nossas bandas continuem a evoluir para elevarem mais alto o nome das suas terras e o nosso concelho.
Para si, nos currículos escolares deve continuar a existir a componente musical?
Sim, é importante, é fundamental. O aprender música abre os horizontes aos alunos. Essa aprendizagem da música capacita as pessoas para outras coisas. E apesar das dificuldades económicas do país, espero que se continue a apostar na área da música.
Qual é a sua opinião em relação ao panorama artístico e cultural de Torres Vedras?
A área artística em Torres há alguns anos a esta parte tem evoluído bastante. Já se vêem algumas coisas aqui ao nível do melhor que se faz no país. Acho que o executivo municipal tem-se preocupado com essa área e penso que estamos no bom caminho. E já agora que tocamos na temática artística, devo realçar uma pessoa desta terra que é o Nuno Côrte-Real, que tem feito um excelente trabalho. Na área artística musical, o Nuno não se resume a Torres Vedras, ele dirige orquestras com diversas obras de sua autoria e recebe encomendas para o Teatro de S. Carlos e para a Orquestra da Gulbenkian. È uma pessoa que vai longe e projectará por certo a cidade de Torres Vedras.
Tendo residido a maior parte da sua vida em Torres Vedras, como vê a evolução da cidade?
Eu nasci em Alfeizerão, concelho de Alcobaça, em 1946, mas devido à música o meu pai veio para o concelho de Torres Vedras quando tinha cinco anos. Residimos primeiramente no Sarge e mais tarde viemos para Torres Vedras habitar na zona do castelo. Aqui cresci e quando regressei de África voltei a fixar-me em Torres Vedras porque tinha aqui a minha família e os meus amigos, embora fosse todos os dias para Lisboa. Não me arrependo de ter feito isso, porque Torres Vedras é uma excelente terra para se viver.
Ao longo destes anos deu uma volta de 180 graus. A partir do 25 de Abril teve uma evolução enorme. Na minha óptica, está uma excelente cidade. Além de outras melhorias fez-se a Expotorres, tiveram o bom gosto de construir a zona verde da Várzea e há pouco tempo inaugurou-se o novo mercado que é uma excelente infra-estrutura. A requalificação da zona do Choupal será igualmente uma intervenção interessante…
Foi para si emocionante o jantar de homenagem que lhe fizeram recentemente?
Sim, foi emocionante, não estava à espera. Fizeram tudo à minha revelia, não consegui desconfiar de nada, foi uma surpresa total. Fiquei muito contente…
Tem neste momento projectos futuros?
Vou continuar a escrever música, já tive convites de diversas bandas que me abordaram no sentido de dirigi-las, mas como fiz recentemente uma cirurgia e ainda não estou recuperado, para já não aceitarei convites. Trabalhei muito para a música, também me cansei um bocadinho, no aspecto de lidar com pessoas, o que nem sempre é fácil. Não sei se vou abraçar algum projecto, mas tudo é possível…
Gostaria de deixar alguma mensagem aos munícipes?
A mensagem que eu posso deixar aos munícipes é de que se envolvam quanto possível em volta das pessoas que trabalham em prol desta terra, e que deixem um bocadinho as cores partidárias de lado. Eu como militar tenho a experiência de saber o que é trabalhar em prol de um projecto sem divisões... Acho que cada vez mais as pessoas devem dar um bocadinho de si em prol do bem comum, porque os organismos públicos não têm capacidade de fazer tudo. Para a música, uma mensagem de esperança, que as bandas do concelho continuem como até agora, a apresentar o excelente trabalho que se lhes reconhece…
Entrevista extraída da edição nº2 (maio/junho de 2011) da revista municipal [Torres Vedras]