Joaquim Ribeiro
08.02.2024
Em criança queria ser mergulhador ou jornalista. Nunca soube muito bem porquê. Já na sua adolescência, depois de ter recebido como presente uma máquina de datilografar, publicou, com amigos, um jornal que teve um relativo sucesso na sua aldeia (Pero Negro, situado no vizinho concelho do Sobral de Monte Agraço). Foi um prenúncio para o que viria a ser a sua vida profissional, a qual iniciaria, após um percurso escolar sinuoso, no jornal onde trabalha há 36 anos: o Badaladas. Está-se a falar de Joaquim Ribeiro, diretor do semanário torriense, com quem a [Torres Vedras] esteve à conversa, numa entrevista que teve como ponto de partida as comemorações dos 75 anos desse periódico.
Começava por lhe perguntar que iniciativas estão a ser realizadas para comemorar os 75 anos do Badaladas?
O jornal completou 75 anos em maio. Nesse mês fizemos a primeira iniciativa do plano de comemorações, que foi colocar uma coroa de flores no busto do padre Joaquim Maria de Sousa, o fundador do Badaladas. Depois, e até porque era necessário suporte financeiro para o programa, decidimos fazer as coisas com alguma calma. E por isso só agora estamos a levar a cabo quase todas as iniciativas do plano comemorativo.
Do mesmo fazem parte cinco palestras, três delas com colaboradores do jornal: uma com o professor Venerando de Matos, sobre uma série de debates muito intensos que aconteceram nos anos 60 nas páginas do Badaladas; uma outra, com o professor Moedas Duarte, sobre o período da entrada de Portugal na CEE; e ainda uma com o professor Álvaro de Matos, sobre a censura. O plano prevê ainda palestras com Pedro Marques Gomes, sobre o período do PREC, e com Paulo Fontes, que é especialista em imprensa católica. Um resumo de cada uma destas cinco palestras é publicado no jornal e todo o trabalho de investigação inerente às mesmas levará à publicação de um livro com artigos mais desenvolvidos. E conseguimos que esse trabalho tivesse a chancela académica, nomeadamente da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade de Coimbra, o que coloca um selo de qualidade científica no mesmo. Teremos ainda uma palestra extra com o D. Manuel Clemente, sobre um tema que ainda não está escolhido.
Haverá também uma mesa redonda, em princípio com os presidentes das direções da Associação Portuguesa de Imprensa e da Associação de Imprensa de Inspiração Cristã, que são duas entidades das quais o Badaladas é sócio e está representado nos respetivos órgãos sociais.
Teremos ainda uma iniciativa que passará por trazer às ruas de Torres Vedras ardinas a vender o Badaladas, sendo que os lucros dessa venda de jornais deverão reverter para alguma entidade.
Pretendemos ainda realizar outra iniciativa, que é levar o jornal às escolas, uma ação de literacia mediática, no âmbito da qual se proporcionará uma exposição itinerante sobre o Badaladas, que, das escolas, poderá seguir para outros locais, como as associações.
Este conjunto de ações comemorativas dos 75 anos do Badaladas poderá vir a estender-se até 2025.
Considera que o Badaladas tem tido um papel relevante na evolução e no desenvolvimento do Concelho ao longo dos últimos 75 anos?
Sim, claro que tem tido, como outros jornais locais também tiveram esse papel nos seus concelhos. E se formos folhear jornais mais antigos vemos que o Badaladas envolveu-se numa série de causas que promoveram esse desenvolvimento, sendo que o jornalismo local também é um jornalismo de causas e até de envolvimento afetivo com as pessoas e as instituições. Ao longo dos anos foi divulgando o que de melhor foi acontecendo em Torres Vedras, e também o que de pior aconteceu, o que também é natural.
A APECI e a Associação dos Amigos de Torres, por exemplo, nasceram precisamente nas instalações do Badaladas. E o Badaladas esteve ainda na fundação de outras associações, como a Associação para a Defesa do Património e a ADRO.
Tem carteira profissional desde o final dos anos 80. Como tem visto a evolução do panorama mediático desde essa altura?
Desde 87 que sou jornalista, foi quando vim para o jornal. Antes disso estive envolvido no movimento das rádios locais, estive ligado à RadiOeste, numa época de amadorismo, mas foi no Badaladas que realmente me iniciei na profissão de jornalista a tempo inteiro. A carteira profissional veio depois, porque vivi um processo complexo para obtê-la, já que o Sindicato dos Jornalistas achava estranho que alguém na província quisesse ter carteira profissional.
Apanhei o processo de profissionalização do jornalismo regional, tendo mais tarde surgido o problema da quebra de leitores e ouvintes para os jornais e as rádios locais e regionais, respetivamente, e, consequentemente, de receitas publicitárias. Houve inclusivamente jornais regionais que fecharam, não me lembro de terem aberto muitos aqui na região.
E com isto surgiu um problema que está a ser estudado e que é abordado em todos os encontros de jornalismo regional a que vou, que é o deserto de notícias. O estudo dessa questão implica não só saber onde há jornais ou rádios, mas também saber o que fazem, se produzem ou não informação, se têm ou não jornalistas, se têm ou não regularidade. Essa situação está a ser mapeada em Portugal pelo investigador da Universidade da Beira Interior, Giovanni Ramos, que esteve inclusivamente no Badaladas a estudar o seu funcionamento, e acabou por concluir que Torres Vedras é um concelho que está a caminho de ser um deserto de notícias. E concluiu também que se as pessoas não têm um órgão de comunicação social para se informar sobre a realidade do seu concelho, vão fazê-lo em locais que não são os mais adequados, que não têm a mediação do jornalismo. E isso é um perigo para a Democracia.
Consegue de alguma forma antever o futuro do panorama mediático?
Há 20 anos apareceu a Internet e toda a gente achava que os jornais em papel iam acabar. Acontece que não foi bem assim, não foi exatamente uma mudança automática. O Badaladas inclusivamente é um semanário e continua a ter o seu espaço no panorama mediático, não divulgando notícias com tanta celeridade como outros órgãos de comunicação social, mas transmitindo a informação de forma mais contextualizada, enquadrada, e, por vezes, até dando notícias inéditas.
Neste momento as mudanças que estão a acontecer não dependem de nós, dependem do comportamento dos leitores, que nós não controlamos. Pensamos que o Badaladas deve ter um site, mas o facto é que os jornais têm feito contas, e têm concluído que a taxa de conversão é muito baixa.
Andamos aqui à procura de uma solução ou de várias para financiar o jornalismo. Há jornais que já estão a fazer outras coisas, como por exemplo a organizar eventos ou a explorar outdoors. Acho que ninguém sabe o que vai ser o futuro do jornalismo regional, andamos um pouco numa atitude de tentativa e erro.
Passando a entrevista para um registo mais pessoal, pedia-lhe que fizesse uma breve resenha do seu percurso profissional.
Quando era miúdo queria ser jornalista ou mergulhador. Não sei porquê. Mas sei que os meus pais me ofereceram uma máquina de escrever, porque era uma coisa que eu queria ter, também não sei bem porquê. Depois, com 13 anos fiz um jornal com uns amigos, editámos ainda cinco números, impresso de uma forma muito rudimentar, paginado na máquina de escrever, e vendemos o jornal lá na terra, e até teve algum sucesso. E ficou aquele bichinho do jornalismo.
Mais tarde, tive oportunidade de fazer um curso de jornalismo nas Caldas da Rainha, e fi-lo enquanto estudante através do Badaladas. E o Badaladas quando pensou em profissionalizar a redação lembrou-se de mim. Na altura não estava muito virado para isso, porque queria seguir os estudos, ir para a faculdade - acabei por ir mais tarde, como trabalhador-estudante, cursar Antropologia -, mas acabei por ficar a trabalhar no jornal. E a partir daí foram 36 anos, até hoje. Houve um período em que fui chefe de redação, depois deixei de o ser, agora sou diretor. Tenho encarado estes cargos como uma comissão de serviço.
Para além disso, tenho também sido correspondente dos jornais desportivos A Bola e O Jogo, colaborei com a revista desportiva Amor à Camisola, e estive envolvido em projetos de imprensa digital, nomeadamente no Oeste Diário e no Tornado.
Tem projetos, desejos, sonhos, objetivos, que gostaria de ver concretizados no futuro?
Antes de ser diretor do jornal, há dois anos atrás, tinha alguns projetos, que tinham a ver com a comunicação social, mas que depois de assumir esse cargo, o que aconteceu de uma forma um pouco imprevista, acabaram por ser adiados. E, portanto, agora, a minha prioridade é o Badaladas.
No entanto gostava de já num futuro próximo concretizar o projeto de reorganização do museu etnográfico da minha aldeia.
Tenho também o projeto de escrever um livro, mas não sei se tenho competência para o fazer, talvez seja uma daquelas coisas que ficará para quando eu me reformar.
Para concluir a entrevista, perguntava ao Joaquim se quer deixar alguma mensagem aos leitores da [Torres Vedras]…
A mensagem que eu deixo é para que olhem para o Badaladas como um jornal que faz um trabalho sério, um jornalismo independente.
E quem faz jornalismo contribui para uma Democracia mais saudável, não só porque faz um escrutínio do poder político, mas também porque permite ao cidadão estar bem informado, e quem está bem informado está em melhores condições para decidir.
Isto para além de o Badaladas servir também de espaço para revelar problemas que sejam relevantes para a comunidade.
As pessoas dão sempre como um dado adquirido o Badaladas continuar a existir, até porque é propriedade da Igreja. Mas isso não é um dado totalmente adquirido.
Faço um apelo para que os munícipes reflitam um bocadinho no papel que a comunicação social tem em Torres Vedras, não só para o reforço da Democracia, mas até para a própria qualidade de vida no território do Concelho.
Data: 19 de dezembro
Local: Centro Pastoral de Torres Vedras