Torres Vedras

José Paulo Duarte

01.01.2020

José Paulo Duarte, líder do grupo Paulo Duarte, recebeu recentemente o Prémio Carreira, atribuído pela revista Logística&Transportes Hoje. Este foi o ponto de partida para uma conversa da [Torres Vedras] com este (re)conhecido empresário torriense, a qual se estendeu a temáticas diversas como a atual conjuntura económica, a responsabilidade social empresarial, as alterações climatéricas ou o futuro da sua terra. Apesar dos Transportes Paulo Duarte praticamente não terem clientes no Concelho, José Paulo Duarte afirma ser um orgulhoso torriense, provindo de uma região cujas gentes são conhecidas pela sua humildade, honestidade e capacidade de trabalho.

 

 

Que significado teve para si a atribuição do Prémio Carreira pela revista Logística&Transportes Hoje?

Como deve calcular, todas as pessoas gostam de ser reconhecidas, eu não fujo à regra, e portanto, o reconhecimento pela revista mais importante do setor dos transportes é obviamente algo de especial para mim. E para além disso, a distinção foi atribuída por pessoas dentro do próprio setor, inclusive concorrentes, o que adquire outro relevo e expressão.

 

Qual foi o segredo do sucesso que levou à atribuição deste prémio?

Claramente tem a ver com a postura, a lealdade, a honestidade e o trabalho desenvolvido.

 

Pedia-lhe que fizesse uma retrospetiva à sua carreira profissional. Como foi o seu percurso?

A seguir ao 25 de abril não entrei na faculdade e estive um ano a dar aulas. Depois fui para a faculdade, não acabei o curso e casei aos 24 anos, tendo começado nessa altura a trabalhar para a empresa do meu pai, portanto, há 40 anos. A empresa foi fundada em 1946, contanto assim já com 73 anos de existência. Não há muitas empresas em Portugal que tenham atingido esta longevidade. Naturalmente foi a continuidade do negócio da família, mas com um grande crescimento, felizmente. Na altura, éramos uma empresa relativamente pequena e hoje somos uma das maiores do país. Em várias áreas de negócio somos a empresa líder de mercado.  É uma carreira que, olhando para trás, me orgulha muito, também pela família que constituí. Tenho os meus filhos comigo, trata-se já da terceira geração, e os mesmos estão bem preparados. Na minha opinião, temos o futuro bem assegurado.

 

Que balanço pode fazer do atual momento do grupo Paulo Duarte?

Em 2018, o grupo faturou cerca de 92 milhões de euros. Temos cerca de 15 empresas. A sede é aqui em Torres Vedras. Temos várias instalações, desde o Algarve a Lamego, Porto, Azambuja e Espanha. Temos a Transportes Paulo Duarte Espanha já há mais de 20 anos e fazemos transportes internacionais pela Europa toda. A nossa principal atividade são os transportes. Depois, temos uma outra atividade que já ganhou alguma expressão no grupo, que é uma rede de postos de combustível, temos cerca de nove no país todo. Estamos também na área imobiliária e na área agrícola, sendo que os meus filhos já estão também a desenvolver a área da restauração em Lisboa. E temos ainda uma empresa de seguros. Diversificámos muito a nossa atividade.

 

Para o futuro antevê novos projetos, novos desafios?

Eu e os meus filhos somos empreendedores, gostamos de desafios, daí, este grupo hoje já contar com mais de mil colaboradores. A responsabilidade social é muito grande, e temos isto muito presente: as pessoas para estarem connosco têm de estar bem, temos de ter bons colaboradores, queremos ser uma família, queremos estar sempre unidos, com todas as pessoas a pensarem na mesma direção. É daqui que tiramos o nosso pão para levar para casa. Temos de pensar sempre nisto, estar focados e sempre do mesmo lado da “barricada”. Portanto, este é o nosso foco e é o que tentamos sempre passar para os nossos funcionários, sabemos que temos realmente uma grande equipa, e assim, premiamos também as boas equipas. Sabemos premiar quem quer ser mais e melhor e daí também o nosso sucesso.

 

É muito pesado esse fardo de “dar de comer” a mais de mil pessoas?

Só mesmo quem tem esse fardo percebe isso. Porque em alturas de crise, que já tivemos - em 73 anos não foram só rosas, também tivemos espinhos -, chegar ao fim do mês e ter dificuldade de pagar ordenados, é uma preocupação que só quem passa por esses momentos pode entender.

 

Já perdeu o sono por razões profissionais?

Já perdi o sono por muitas e muitas noites, mas felizmente sempre consegui resolver os problemas/desafios. Ser empresário não é fácil. Muita gente pensa que sim, mas não é um papel fácil. Muitas vezes somos vistos como os “maus da fita”, mas se não houvesse empresários não havia governos, porque não havia pessoas a ganhar o sustento e a pagar os impostos. O Estado não produz dinheiro, quem produz são as empresas. É preciso que isto fique bem claro. Toda a gente devia ver a tomada de posse da Margaret Thatcher, em que ela disse que fazia tudo o que o povo quisesse, mas que não se esquecessem que era com o dinheiro dos contribuintes, ou seja, o nosso dinheiro.

 

Acha que o atual contexto é favorável à iniciativa privada, ao setor empresarial?

Pessoalmente, eu sou contra salários baixos. Uma empresa que só paga o ordenado mínimo tem o tempo limitado. Se uma empresa tem os seus assalariados a ganhar miseravelmente, então é porque não tem grande negócio/visão, é porque o negócio não dá.  Portanto, acho que se tem de valorizar as pessoas e pagar honestamente e bem para aquilo que é o seu trabalho. Um motorista de pesados nesta casa recebe entre 1.200€ e 2.300€ líquidos. Tem de se ter salários condizentes, senão não há empresas.

 

Infelizmente no seio da classe patronal ainda existe uma mentalidade que não é muito favorável à dignificação dos vencimentos dos trabalhadores…

Cada um tem a sua política. Agora, não acho que haja nenhuma empresa que seja competitiva com salários baixos. Se as empresas só são competitivas através do pagamento de salários baixos, é porque algo está mal. As empresas serem competitivas com baixos salários é um contrassenso. Acho que não é bom para a economia de qualquer país.

 

Qual é a sua opinião de uma forma genérica sobre o panorama económico do concelho de Torres Vedras?

Torres Vedras é um concelho que sempre foi privilegiado, nunca teve falta de emprego, existe é falta de mão de obra. Na agricultura, já há mais de 10 anos que recorremos a mão de obra asiática. As pessoas hoje não estão propriamente viradas para o campo, é difícil arranjar pessoas para a agricultura. Torres Vedras sempre esteve beneficiada porque está inserida numa zona rica, está perto de Lisboa. Inclusivamente temos hoje a oportunidade de trazer bastante população, pelos preços a que as casas de Lisboa chegaram, pois as pessoas estão a vender casas em Lisboa, e a conseguir comprar aqui e ficar sem empréstimos.  Portanto, esta revolução dos preços do imobiliário em Lisboa está a beneficiar concelhos limítrofes como os casos de Mafra e Torres Vedras.

 

Acha que há algum perigo de Torres Vedras se tornar um dormitório de Lisboa?

Não acho que seja um perigo. Se não houver pessoas não há comércio, não há nada. Não há perigo nenhum. Portanto, se as pessoas vierem para cá, vêm gastar dinheiro, vêm investir. É preciso é trazer pessoas. E trazendo pessoas, há comércio, há serviços à volta dessas pessoas. Basta ir para o Alentejo e ver-se o que é não haver pessoas.

 

Como tem visto a evolução de Torres Vedras ao longo do tempo, sendo que hoje é uma referência em muitos domínios, mas especialmente no da qualidade de vida?

Eu orgulho-me muito de ser saloio e, portanto, se não gostasse muito de viver aqui, não tinha aqui a empresa, porque não tenho praticamente nenhum cliente em Torres Vedras. Eu perco dezenas e dezenas de milhares de euros por ter a empresa em Torres Vedras, já que os nossos clientes estão maioritariamente em Lisboa e no resto do país. Enquanto as empresas daqui preferem dar trabalho a empresas de transportes de fora, eu tento comprar tudo o que posso em Torres Vedras. Os Transportes Paulo Duarte deixam milhões de euros em empresas daqui e não vejo reciprocidade nisso. É uma tristeza ter empresas tão grandes aqui que não se ajudam umas às outras. Essa é a parte que mais me custa. E a empresa está em Torres Vedras porque sou torriense, e muito torriense, porque senão, não estaria aqui.

 

As questões ambientais e de sustentabilidade estão atualmente na agenda do dia. A sua empresa também tem preocupações em termos de sustentabilidade?

Há atualmente um grande barulho em relação ao Ambiente, naturalmente que estamos todos de acordo de que o clima está a alterar-se a uma grande velocidade. Por essa razão fomos das primeiras empresas a investir em gás natural, já temos uma frota bastante grande com essas caraterísticas, somos uma empresa que utiliza motores EURO6, que são os menos poluentes da Europa, sendo que a nossa frota tem uma média de idade de 2,5 anos. Estes pressupostos estão relacionados com a evolução da empresa, a forma como se quer que as pessoas vejam a empresa, nomeadamente os nossos clientes. Temos muitos clientes focados no ambiente, e nós que somos naturalmente uma indústria poluidora temos de olhar seriamente para o futuro da Humanidade. Se nós somos bastante poluidores, tentamos que a nossa pegada seja a menor possível.

 

Porque tem de se pensar no mundo que se deixará às gerações vindouras. Acha que no mundo empresarial ainda há pouca sensibilidade para as questões ambientais?

Eu acho realmente que só não vê quem não quer. A Europa já deu muitos “tiros nos pés”, mas o facto é que os maiores poluidores do mundo estão se “nas tintas”, nomeadamente os Estados Unidos, a China, a Rússia e a Índia. A Europa está à frente da carruagem, mas isto vai custar muito dinheiro, não nos podemos esquecer disso. Portanto, há que premiar quem faz investimento ambiental. Até porque há os que querem andar para a frente, mas depois são confrontados no mercado com diferenças enormes de custo.

 

Já me confidenciou que é um amante da Natureza. É caçador, pescador, também. Passando para um registo mais pessoal, pode abordar, por exemplo, os seus interesses extraprofissionais…

Gosto de ler. Já não pesco como fazia e no que diz respeito à caça, ainda caço bastante, caço com o meu cão, a pé, fazendo cerca de 10/15 km. Faço exercício. Apanha-se pouco, mas ando no campo que é onde eu gosto de estar. É para mim muito relaxante. Deixo para trás as minhas preocupações, e naturalmente que alivio o stress. E gosto também muito de viajar. Enquanto estiver bem de saúde, quero aproveitar para fazer estas coisas que me dão prazer, porque tenho a noção que já não sou propriamente novo…

 

Tem algum projeto para o futuro, algum desejo em especial?

Um desejo grande que tenho é que esta empresa se mantenha por muitos anos, e que os meus filhos tenham muita sorte. Consegui efetivamente passar a pasta aos meus filhos, tenho aqui dois grandes trabalhadores e empresários/empreendedores, que têm um espírito completamente diferente. São indivíduos que jogaram râguebi durante 20 anos, integraram a seleção nacional, e não há desporto em que haja espírito de equipa como no râguebi. Portanto, o râguebi foi uma escola de vida para eles. Os dois, tiraram o curso de gestão e engenharia industrial no ISCTE, mas para mim foi mais importante os anos de râguebi que fizeram, como escola de vida, do que propriamente o curso superior. E isto sei-o porque também fiz desporto, nomeadamente na Física, onde comecei a fazer ginástica com três anos e fiz até aos 21, para além de hóquei em patins durante 13 anos. Na minha juventude não haviam computadores, como há hoje, a nossa vida era feita na Física. Aliás, tenho muito orgulho daquela obra que é a Física, uma obra feita por torrienses. São estes pequenos orgulhos que me fazem muito satisfeito em morar aqui.

 

Gostaria de deixar alguma mensagem aos seus conterrâneos nesta altura de entrada num novo Ano?

Desejo as maiores felicidades a todos os torrienses e que consigamos continuar a ser o que somos, a ser humildes como sempre fomos. Aliás, uma coisa muito importante é que somos pessoas de confiança, isto dito por toda a gente em todo o lado. Os saloios são pessoas que geram confiança, são trabalhadores, honestos, e empenhados na palavra. Não gostava de morar em mais lado nenhum.

Última atualização: 06.02.2020 - 16:38 horas
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