Torres Vedras

O caminho da luz

01.09.2015

Casa de Ceuta

Entrando nas vielas da urbe torriense pela atual rua Cândido dos Reis e, ladeando o Chafariz dos Canos, imagine o viajante como seriam as ruas medievais – da Corredoura, dos Canos e do Paço, que levariam os homens de então do exterior da vila à alcáçova, sobre a decumanus (via este-oeste no vicus romano) que há cerca de dois mil anos unia, num só os três eixos viários medievais: a Corredoura, a ruas dos Canos e a rua do Paço.

No cimo desta, por iniciativa de D. Beatriz, ergueu-se em finais do século XIII um paço régio, elemento só por si relevante para dar nome à rua. A presença do Paço Régio contribuiu decerto para a obrigatoriedade do calcetamento da rua onde se encontrava, embelezando e enobrecendo uma das principais vias da vila medieval. Aspeto urbanístico considerado pela toponímia, desde 1335, com referências à calçada a par dos paços d’El Rej ou à calçada que uay pera Santa Maria do Castelo, conforme o posicionamento do caminhante.

No paço teve lugar, nas vésperas de São Tiago de 1414, o Conselho Régio presidido por D. João I, que fora decisivo na preparação da armada com destino à conquista de Ceuta, acontecimento que teve lugar há 600 anos. Encontrava-se então ‘Torres Vedras no Caminho de Ceuta. No mesmo edifício, cerca de duas décadas depois, dava à luz D. Leonor de Aragão, mulher de D. Duarte, a infanta D. Leonor, que viria a ser imperatriz da Germânia, por casamento com Frederico III. Este seria, para ambas as Leonor o caminho da Luz, porque se uma dera à luz, a outra recebera-a aqui, no sítio do paço, onde se erguera em inícios do século XX uma nova moradia, que recentemente adquirira o epíteto de Ceuta.

A oriente da casa de Ceuta, encontra-se uma ampla porta, encimada pelo número 11A e, sobre este, uma lâmpada, símbolo que, no Ocidente, se encontra associado à emanação da luz, sinal da presença real de Deus. Pois a divindade revela-se na luz, o que explica que toda a aparição do sagrado seja rodeada de uma auréola de luz pura, astral, na qual se reconhece uma presença transcendente, na mesma luz que o próprio homem, quando emanada do céu, reconhece o caminho de salvação. Por isso Deus revela-se na luz e a luz é manifestação divina, como ‘a lei de Deus é uma luz sobre o caminho dos homens’ (Salmos, 119, 105).

Na casa de Ceuta, a lâmpada está certamente ligada ao elemento fogo, a chama – símbolo de purificação, de iluminação e de amor espirituais. É a imagem do espírito e de Deus, a alma do fogo. A lâmpada pende de um círculo em forma de sol, sugerindo ‘o olho de Deus’, que tudo vê. Ei-lo sobre a porta, lugar de passagem entre dois mundos, entre o conhecido e o desconhecido, a luz e as trevas, por isso a porta abre-se para um mistério. A porta indica uma passagem, do domínio profano para o sagrado, e convida a atravessá-la. Virada a oriente, é a ‘porta do sol’, que simboliza a saída do cosmos… a porta que se fecha, mas que também se abre. A porta que, na tradição cristã, dá acesso à revelação, que se identifica com Jesus, a mesma porta que é lugar de chegada, possibilidade de acesso a uma realidade superior. Eis porque um símbolo pode ser interpretado, e outras leituras são igualmente possíveis… no caminho da luz!


Carlos Guardado da Silva

Última atualização: 26.09.2019 - 16:12 horas
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