Azulejos – arte e história num breve percurso pelas ruas de Torres Vedras
01.05.2014
O azulejo é um património comum aos povos do Mediterrâneo, e em Portugal é usado como decoração, de forma contínua, desde o século XVI até meados do século XIX, na cobertura total de paredes ou espaços interiores e de jardins. A partir desse período, com os azulejos semi-industriais e industriais, o seu uso alarga-se ao revestimento integral de fachadas de prédios, numa variedade decorativa que transforma a paisagem das cidades, com cores, brilhos e padrões de grande originalidade.
No espaço público de Torres Vedras podemos encontrar-nos com muitos destes objetos artísticos. Entre vários percursos possíveis, que ficam para outras descobertas, propomos um curto passeio que convida a prolongados olhares.
Iniciamos o passeio em frente à Igreja da Graça, a contemplar a sua galilé, revestida até meio das paredes de azulejos do século XVIII. Marcam a pintura barroca deste período as preocupações teatrais, cenográficas, de espetáculo, por vezes com moldura recortada (que assegura a cenografia da composição recortando a silhueta contra as paredes caiadas de branco) ou então em silhares, como vemos neste espaço. Os temas, que são frequentemente figurativos, podem ser também de figura avulsa ou de albarradas. Nesta galilé o motivo pintado é uma série de albarradas – vasos de flores – entre as quais se encontram motivos vegetalistas, putti e peixes imaginários.
Descemos a rua 9 de abril e entramos num outro tempo. Com a revolução industrial, as modernas tecnologias, as máquinas e os processos industriais são aplicados à cerâmica, o que permite o aumento extraordinário do uso e da produção do azulejo, que passa a fazer parte integrante da arquitetura moderna. O azulejo apresenta-se então como uma resposta prática para a manutenção exterior dos edifícios, já que este material, embora mais caro do que o reboco pintado, garante uma manutenção fácil e de maior durabilidade. O azulejo de padrão (composição decorativa regrada pela repetição de um módulo) de fabrico industrial invade as fachadas dos edifícios de habitação, que reveste completamente. Nesta rua encontramos duas fachadas de prédios do final do século XIX, em estilo Arte Nova, que acompanha a renovação dos hábitos sociais e o desenvolvimento urbano da época – o azulejo e as suas cores fortes, tornam as habitações únicas e individualizadas, com cores vivas e motivos vegetalistas nos frisos, nas barras das fachadas e nos frontões. Paramos para admirar as fachadas de azulejo, com padrões e cercaduras que delimitam portas e janelas e são elementos fundamentais da identidade urbana da cidade. Ao fundo da rua, no cruzamento com a rua Almirante Gago Coutinho, merece um olhar atento um terceiro prédio, com fachada de azulejos de padrão ligeiramente relevado, realizados em pó de pedra e vidrados a verde, e cuja cimalha é formada por um friso e frontão em decoração floral e vegetalista.
Paramos para admirar as fachadas de azulejo, com padrões e cercaduras que delimitam portas e janelas e são elementos fundamentais da identidade urbana da cidade.
Atravessamos o largo fronteiro à Igreja de S. Pedro e vamos deter-nos no início da rua Dias Neiva, para olharmos um painel que se encontra na parede, ao lado do nº 16. Rafael Calado (1937- 2006) é o autor deste painel, datado de 1962. Filho do primeiro diretor do momento inicial do museu de Torres Vedras (1929-1932), Rafael Calado foi um dos maiores especialistas portugueses em cerâmica, e desenhou aqui um painel urbano figurativo, em azul sobre branco, que merece que nos detenhamos para apreciarmos os pormenores da cena.
Invertemos aqui o passo, para voltarmos ao começo da rua 9 de abril e nos demorarmos deslumbrados diante da fachada do antigo Banco Nacional Ultramarino, depois delegação da Caixa Geral de Depósitos, agora encerrada. Eduardo Nery criou um padrão moderno de grande originalidade, que reveste todo o interior do banco e parte da fachada exterior, onde foi aplicado em 1972. O padrão foi desenhado para o “concurso ESTACO”, destinado a premiar os “melhores desenhos de azulejo decorativo”, promovido em 1966 pela fábrica de cerâmica ESTACO, em colaboração com a revista “Arquitetura” e o Sindicato Nacional dos Arquitetos. Nery não ganhou o concurso mas deixou-nos um azulejo com propriedades matemáticas e plásticas notáveis. É um azulejo com desenho modular, em dois tons de azul e um ocre, que permite um sem número de combinações, que nos detemos a procurar imaginar ou, se tivermos papel e lápis, a reproduzir o módulo algumas vezes, para descobrir por nossa experiência múltiplas e extraordinárias composições.
Texto de Cacilda Costa