Torres Vedras

João Moedas Duarte

01.07.2019

Durante o mês de maio o átrio do Edifício da Câmara Municipal acolheu a exposição 28 de fevereiro de 1969, memórias do sismo, promovida pelo CERU (Centro Europeu de Riscos Urbanos) e pela SPES (Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica). Esse foi o ponto de partida para uma conversa com João Moedas Duarte, um torriense especializado no estudo de sismos, que, para além de ser requisitado por canais televisivos para comentar este tipo de fenómenos naturais, viu recentemente um estudo por si elaborado, relacionado com a falha tectónica existente a sudoeste do cabo de S. Vicente, ser publicado na edição americana da National Geographic.

 

 

Começava por perguntar qual é a sua opinião sobre a recente exposição relativa ao sismo de 1969 que esteve patente no átrio da Câmara Municipal. Acha importante este tipo de iniciativas?

É de louvar esse tipo de iniciativas porque passaram 50 anos sobre o sismo de 1969, o qual foi marcante para toda uma geração, e infelizmente as pessoas têm a memória curta. Pouca gente sentiu sismos e manter as pessoas alerta para esses fenómenos e ensiná-las a reagir passa precisamente por este tipo de iniciativas. Portanto, são ações que devem existir cada vez mais. Penso que até vai ser criado um museu do sismo em Lisboa e estas ações, como as que fazem nas escolas do concelho de Torres Vedras através da Proteção Civil, que vai ensinar as crianças a saber o que fazer no caso de um sismo, é muito importante.

 

Sismos como o de 1755 são fenómenos que ficam inevitavelmente na memória dos povos…

O sismo de 1755 foi muito particular porque ocorreu num momento único da História, precisamente na altura do Iluminismo. Houve logo muitos filósofos que se interessaram por esse acontecimento, Imanuel Kant, por exemplo, escreveu três tratados em 1756 sobre o mesmo, Voltaire e Rosseau também se debruçaram sobre ele. O próprio Marquês de Pombal na altura percebeu que esse sismo tinha sido um fenómeno único. Para perceber os seus danos fez um inquérito com 12 perguntas que enviou para todas as paróquias para tentar, primeiro, perceber quais tinham sido os danos, para se realizar a reconstrução, mas também fez várias perguntas que se percebe que eram científicas. Ele pergunta coisas como quanto tempo demorou o sismo, se a onda do sismo foi sentida mais forte numa direção do que em outra, em relação ao tsunami, se o mar recuou primeiro ou não. Hoje em dia ainda usamos esses registos históricos para perceber o que aconteceu naquela altura e com eles conseguimos ter uma ideia de qual foi a zona do epicentro do sismo, que terá sido ao largo do Algarve.

 

Existe assim uma falha tectónica ao largo do Algarve que está na origem de grande parte dos movimentos sísmicos em Portugal. E foi com base nessa conclusão que levou a cabo o trabalho que foi publicado na National Geographic

Exatamente. Nós temos uma grande zona de fronteira de placas, que se estende desde os Açores até Gibraltar e que continua pelo Mediterrâneo passando pelo sul de Itália. Por isso há sismos praticamente todos os dias. Se formos à pagina de internet do IPMA [Instituto Português do Mar e da Atmosfera] vemos que há sismos de pequena magnitude, todos os dias, mas por vezes há sismos grandes. Por isso nos últimos 30 anos houve um grande investimento, quer nacional quer internacional, para ir explorar aquela zona a sudoeste do Cabo de S. Vicente, para procurar a falha que gera esses fenómenos. No entanto, nunca se encontrava essa falha, o que criou um enigma, porque o sismo de 1755 foi um sismo de magnitude de 8.5 e, portanto, teria de ter sido originado por uma falha bastante extensa, com mais de 200km. E foi só agora que conseguimos identificar não só a expressão dessa falha à superfície mas também o que estava a acontecer em profundidade.

É importante realçar que este trabalho envolveu uma equipa muito grande, estiveram envolvidas nesta investigação para cima de mil pessoas. Assim, ao longo do meu doutoramento compilei dados de geologia marinha recolhidos em mais de 40 campanhas realizadas ao longo de 20 anos, sendo que eu tive o privilégio de participar em algumas dessas campanhas, embora a maior parte delas tenham sido realizadas por equipas internacionais, de franceses, espanhóis, ingleses. O meu trabalho no fundo foi ligar os pontos de algumas dessas investigações.

 

E como surgiu a oportunidade dessa investigação na National Geographic?

Todos os anos temos em Viena uma reunião anual de cientistas que é mundial apesar de organizada pela União Europeia das Geociências, que conta com a participação de cerca de 15 mil geocientistas. O que fazemos é submeter à anteriori uma comunicação em forma de resumo que é publicada imediatamente e foi dessa forma que uma jornalista da National Geographic, da edição americana, deparou-se com o nosso trabalho. Telefonou-me até antes da reunião, eu falei-lhe um bocado da investigação e ela ficou muito curiosa, porque de facto a temática tem um grande impacto. Nós em Portugal não temos ideia do impacto que o sismo de 1755 teve lá fora. Foi sentido inclusivamente na Alemanha e causou pequenos tsunamis em lagos na Áustria, o que é uma coisa impressionante. A Irlanda, por exemplo, sofreu consequências do tsunami, que foi transatlântico, e que terá também causado destruição nas Caraíbas, no outro lado do oceano. Por isso, se hoje em dia acontecesse um tsunami dessa dimensão afetaria a outra costa atlântica, o mar poderia entrar por Nova Iorque. Há quem diga mesmo que o sismo de 1755 pode ter representado o início da sismologia moderna, já que foi o maior sentido na Europa em termos históricos.

 

Os edifícios, as construções, em Portugal já oferecem alguma segurança para esse tipo de fenómenos?

Essa é uma área que passa um bocadinho ao lado da minha, mas o que eu ouço dos meus colegas é que pelo facto de termos tido o sismo de 1755 houve desde essa altura a preocupação de fazer construções, como é exemplo a famosa gaiola pombalina, preparadas para suportar sismos de grandes magnitudes. Acredito que se foi perdendo essa memória, mas depois do sismo de 1969 passou a haver de novo uma consciência para esses fenómenos e julgo que por volta dos anos 80 houve uma legislação muito forte nesse sentido.

 

Neste momento até já existe equipamento que pode alertar com alguma antecedência para a ocorrência de um sismo…

Exato. Neste momento em Portugal temos um sistema de alertas de tsunamis ativo que foi implementado em 2017 pelo IPMA. Há certas cidades costeiras que já têm sirenes. Cascais, por exemplo, já tem um sistema de sirenes, mas a ideia é que possamos receber alertas no telemóvel assim que há um sismo. Um tsunami pode demorar cerca de 40 minutos a chegar até à costa, o que é o suficiente para evacuar as praias, mas já os sismos propagam-se muito mais rapidamente, demoram cerca de um, dois minutos, a fazerem-se sentir, desde que se desencadeia. Se tivermos uma aplicação de alerta no telemóvel, temos capacidade para fazer alguma coisa. Se, por exemplo, estivermos na rua podemos afastar-nos dos edifícios grandes, se estivermos dentro dos edifícios podemos procurar resguarde. Um minuto dá para muita coisa.

 

Afastando-nos um pouco destas questões mais ligadas à sismologia, eu pedia-lhe para abordar um pouco do seu percurso académico e pessoal…

Eu tive a sorte de desde muito novo os meus pais me fazerem pensar um pouco “fora da caixa” e de me levarem a fazer coisas diferentes. E um bocado nessa perspetiva inscreveram-me nos escuteiros quando tinha oito anos. Depois dos escuteiros passei para o Espeleo Clube de Torres Vedras, onde fazíamos espeleologia, íamos às grutas dos Cucos e de Montejunto. Nessa altura houve um grupo dentro do Espeleo Clube que começou a interessar-se pela paleontologia - o Bruno Silva, o Lecas, o senhor Almendro - e também pela arqueologia, chegámos a fazer escavações no Castro do Zambujal, e também no Castelo. A partir daí foi quase natural, quando tive de optar por um curso universitário achei que gostava de ir para um onde passasse muito tempo fora, no campo. Daí fiz o curso de Geologia, em Lisboa. Posteriormente fiz o mestrado em Cartografia Geológica em Évora, e depois voltei a Lisboa para um doutoramento aí já na área da Geologia Marinha. A seguir ao doutoramento fui para a Austrália onde estive quatro anos na Universidade de Monash, em Melbourne, tendo trabalhado com grandes especialistas em questões relacionadas com as zonas de subducção e o processo de fecho dos oceanos. Em 2015 regressei à Universidade de Lisboa, onde continuei a estudar as questões relacionadas com as zonas de subducção, que têm um papel fundamental na teoria tectónica de placas, bem como com a formação dos supercontinentes e de perceber como se separam.

 

Neste momento a área territorial marítima de Portugal é muito maior do que há alguns anos atrás. Há todo um novo mundo subaquático para explorar…

Exatamente, futuramente vamos ficar quase com um quarto do Atlântico Norte à nossa disposição para investigar, para obter conhecimento, embora estranhamente hoje seja mais fácil termos sondas em Marte do que no fundo do mar.

 

Como já disse, teve também uma experiência profissional na Austrália. Que principais diferenças encontra entre o ensino em Portugal e no estrangeiro? Que ponto de situação pode fazer em relação ao ensino em Portugal neste momento?

Na Austrália estive exposto a um ensino anglo-saxónico e apercebi-me que os anglo-saxónicos são muito mais pragmáticos e têm muito menos carga horária, dão muito mais valor à liberdade das pessoas descobrirem por si próprias. Nós historicamente temos um ensino mais francófono, mais de livro, um pouco mais pesado, com muita carga horária, muitas aulas presenciais. As grandes ditaduras do sul da Europa criaram uma carga que durante muitos anos se sentiu. Eu diria que isso agora está a mudar, e já se nota nesta nova geração, em que os professores têm uma mente muito mais aberta. Mesmo ao nível das universidades está a começar a optar-se por haver menos aulas, haver cursos mais pequenos e gerais, e depois as pessoas especializarem-se nas áreas em que gostam e serem áreas muito aplicadas e aplicáveis.

De facto, cada vez mais Portugal tornou-se um país moderno, europeu, hoje já podemos dizer que Portugal é um país europeu, quando vamos a Lisboa podemos dizer que é uma capital europeia. Temos de perder o preconceito de que somos pequenos. Não somos pequenos, somos tão grandes e tão bons como os outros. Eu diria que às vezes até somos melhores...

 

E para além disso, o próprio sistema de ensino tem produzido mão de obra extremamente qualificada, nomeadamente o ensino universitário, que infelizmente muitas vezes tem de ir para o estrangeiro procurar melhores condições de trabalho e de remuneração...

Exatamente. Eu fiz parte talvez da geração mais qualificada do país, foi a primeira geração em que houve uma qualificação massificada das pessoas. Mas o país não estava preparado para absorver essa massa e as próprias empresas muitas vezes não viam a mão de obra qualificada como vantagem. Isso sentiu-se muito nos anos 80, 90. Eu diria que só agora essa situação está a mudar e está a começar a perceber-se que o conhecimento em qualquer área é uma vantagem. O treino mental, a educação, é uma vantagem em qualquer área e vai ser a próxima geração a usufruir dessa mudança. Essa geração que está agora nas escolas secundárias, nas escolas preparatórias, nas escolas primárias, quando chegar à universidade já vai encontrar um Portugal completamente diferente, que eu tenho esperança que os consiga absorver.

 

Cresceu e mora em Torres Vedras. Faz o seu percurso quase diariamente até Lisboa. Porquê? Acha que Torres Vedras é um bom sítio para viver?

Sim, acho que é um bom sítio para viver. Os meus pais são do Ribatejo e vieram para Torres Vedras nos anos 70, porque já nessa altura Torres Vedras era considerado um local com boa qualidade de vida. Está próximo do mar, está próximo de Lisboa, tem uma população bastante “arejada”, ao contrário de outros locais do país que são bastante conservadores. Neste momento, com a autoestrada, Lisboa ficou mais próxima, continuamos a ter uma das costas mais bonitas e que não foi destruída por turismo selvagem. Por outro lado, em Torres Vedras tem havido um investimento muito grande, temos o exemplo do antigo campo da feira, que agora é a Várzea, que hoje é um espaço absolutamente espetacular. A minha mulher é belga, vem cá com muita regularidade e ela adora ir para o Parque Verde da Várzea, é uma coisa que está ao nível das grandes cidades europeias. Há sempre atividades a acontecer, são coisas que dão vida à Cidade. E acho que a Cidade soube reganhar essa vida. Eu acho que Torres Vedras continua a ser em Portugal uma das cidades com melhor qualidade de vida.

 

Para concluir, perguntava-lhe se gostava de deixar alguma mensagem aos seus concidadãos…

É bom nós pensarmos global, mas temos de agir localmente. Aquilo que nós fazemos tem de facto muita importância. É por isso que eu gosto de falar com as pessoas, não gosto de estar isolado na universidade, porque o conhecimento fechado num sítio não serve para nada. O conhecimento tem de chegar às pessoas e as pessoas estão ávidas por esse conhecimento e devem-no usar. Devemos passar aos nossos concidadãos a mensagem de que a educação é uma aposta essencial para as próximas gerações porque são elas que nos vão redimir deste período que não está a correr nada bem.

Última atualização: 16.12.2019 - 15:17 horas
voltar ao topo ↑