Histórias com Vinho - Adiafa
01.11.2018
“Feitas as vindimas, guardam-se os cestos”
No ano em que Torres Vedras e Alenquer são “Cidade Europeia do Vinho”, partilhamos consigo histórias ligadas a esta celebração. Nesta edição vamos recuar no tempo, até aos dias de trabalho árduo nas vinhas do Concelho, quando a adiafa marcava o fim das vindimas. Esta “história” é contada com a ajuda de Carlos Franco, do Rancho Folclórico e Etnográfico “Danças e Cantares” da Mugideira.
A chegada do mês de setembro anunciava que era tempo de colher as uvas que o sol de verão amadurecera. Tal como na monda e na ceifa, esta tarefa era feita por grupos de trabalhadores, que frequentemente vinham de fora para a campanha. A vindima significava, na altura, semanas difíceis de trabalho, onde entre um cacho e outro se cantava ao despique: “Logo de manhã cedo ao romper do dia / Canta a cotovia pelos trigais / Lá por esses modos de amor / Pela mocidade brilhando / Vão se colhendo as flores / Vão se beijando” (Canção das Mondas, Rancho Folclórico e Etnográfico “Danças e cantares” da Mugideira).
Cabia às mulheres fazer as tarefas mais leves, enquanto os homens ficavam responsáveis pelos trabalhos fisicamente mais exigentes. Segundo Carlos Franco, “as mulheres cortavam a uva para dentro dos cestos de verga e os homens acartavam-na para o lagar ou para a tina”. Já no lagar, eram também os homens que pisavam as uvas e colocavam, depois, o mosto em cascos, cubas, tonéis e pipas para que pudesse fermentar.
Terminada a apanha era tempo de celebrar. O patrão pagava a jorna e oferecia um almoço aos trabalhadores que tinham prestado serviços ao longo das semanas de vindima. A adiafa era a grande festa que marcava o fim da campanha, uma espécie de recompensa pelo trabalho, onde não podia faltar comida e vinho. O almoço oferecido era normalmente composto “pelas carnes assadas, o peixe assado e o atum de barrica”, partilha Carlos Franco. Celebrava-se o trabalho, a vida e o vinho, numa festa que se prolongava pela noite, com um baile onde se dançava ao som da concertina.
A chegada do outono marcava então o fim das vindimas. As parras mudavam de cor, pintando a paisagem de tons de vermelho e alaranjado que faziam esquecer os dias de trabalho árduo.
Com o passar dos anos, o som das tesouras a cortar os cachos e das cantigas à desgarrada deixou de se ouvir nas vinhas do Concelho. Os homens e as mulheres foram substituídos por máquinas que num compasso monótono vão “dançando” pelas vinhas. Embora ainda haja quem celebre o fim da campanha com a adiafa, principalmente na apanha da pera, esta é uma tradição que se tem vindo a perder.
Filipa Sérgio