Natália Pona
06.08.2025
Pediatra e diretora geral do Campus Neurológico, marcou a sua carreira profissional pelo cuidado da saúde e bem-estar da comunidade. A Revista Municipal esteve à conversa com a doutora Natália Pona.
Como é que surgiu o interesse pela Medicina?
Ao longo da minha infância, nunca os meus pais me ouviram falar em Medicina. A minha irmã mais velha sempre disse que ia ser médica e assim foi.
Eu tinha um gosto particular pela Matemática. Sempre disse que iria para Matemática Aplicada ou Física Nuclear, até ao dia em que fiz a candidatura ao Ensino Superior.
Estava com a minha irmã e ela disse: “mana, era tão giro que também fosses para Medicina, podíamos partilhar casa
e estar juntas na faculdade”. E eu disse: “que boa ideia!” Escolhi Medicina um bocadinho neste contexto, sem grande amadurecimento do tema.
No início do curso, há uma parte mais teórica que não se identifica muito com o que depois vai ser a prática profissional, e eu arrependi-me um bocadinho. Depois dos anos iniciais começaram os anos de prática clínica e, de facto, contactar com doentes e, no fundo, ter uma experiência mais prática levou-me a perceber que a escolha tinha sido adequada.
O que é que mais a realiza no contacto com os mais pequeninos?
Tenho duas vertentes como pediatra. A hospitalar, que exerci durante muitos anos, desde o início da minha formação académica e durante os treze anos em que desempenhei funções no Hospital Amadora Sintra. E a que tenho agora, que é uma vertente de ambulatório, de acompanhamento de crianças, digamos que saudáveis. São experiências completamente diferentes, porque na vida hospitalar lidamos muitas vezes com doença grave e, portanto, não há propriamente uma interação com as crianças, mas mais com os pais. A vida de ambulatório dá este gostinho pela Pediatria, que é o acompanhamento da criança saudável, das famílias. Gosto de todas as fases, particularmente dos muito pequeninos que vêm com pais de primeira vez e da interação com a família que se está a formar. E gosto também muito da fase da pré-adolescência e adolescência, em que às vezes a conversa é mais entre mim e o adolescente.
Acha que há alguma fase que seja mais desafiante para os pais?
A minha experiência profissional é muito semelhante à pessoal, porque a fase inicial da vida é de desgaste físico, no sentido em que os bebés são muito dependentes e, portanto, exigem muito, mas a fase que eu considero mais desafiante é a da adolescência.
Existe uma grande influência do grupo, dos pares, os filhos deixam de estar debaixo da nossa proteção e, portanto, começamos a ficar preocupados com as
opções que possam vir a tomar. Deixa de ser o nosso desgaste físico, mas passa a ser muito mais a preocupação a atrapalhar o nosso bem-estar, porque nos cria ansiedade, cria tristeza quando eles não conseguem alcançar os seus objetivos, e porque por vezes queremos estar presentes e eles não nos permitem. Os pais querem ser sempre os protetores e os primeiros a chegar aos filhos e, quando eles começam a crescer, passamos a ter um papel diferente.
Isso é também uma aprendizagem que tenta passar aos pais?
Claro que sim. A nossa obrigação, enquanto técnicos, é também de fornecer as melhores armas para que, enquanto pais e enquanto família, cresçam na proporção do crescimento e do desenvolvimento dos seus filhos.
Como é que foi passar para a gestão do Campus Neurológico?
O CNS surge de uma necessidade que o meu marido, que é neurologista e o diretor clínico, identificou para dar resposta a uma doença na qual ele se diferenciou bastante, que é a doença de Parkinson. Surge a ideia de fazer este projeto, que é familiar, porque envolve também outro irmão, o engenheiro João Ferreira, a quem coube a construção e a materialização da ideia.
Participei logo numa fase inicial, mas nessa altura eu ainda estava a trabalhar no Hospital Amadora Sintra, portanto a uma distância razoável de Torres Vedras, e já com seis filhos, pelo que não podia assumir um papel muito presente.
Já na fase de inauguração, pediram-me ajuda para terminar alguns dos documentos que eram essenciais para a abertura de uma instituição desta dimensão e comecei a perceber que era impossível conseguir dar esse apoio e manter a minha atividade clínica no hospital. Acabei por tomar uma decisão que foi naturalmente fácil e assumi a direção técnica do CNS. Tive de estudar muito, mas foi relativamente fácil porque não tínhamos no início o volume de doentes que temos agora. Já tinha uma grande experiência de gestão, com uma casa com seis filhos.
Ia perguntar isso mesmo, se há algo da sua vida pessoal que tenha contribuído para isso?
Tudo! As regras básicas da gestão de uma família grande são as mesmas que devemos ter numa unidade como esta. Passa tudo pela responsabilidade, organização, dedicação, capacidade de esforço e de empatia.
Mas é exigente ser mãe de seis filhos e ter um cargo de gestão, ser médica…?
Eu sempre fui muito organizada e essa característica ajuda-me em tudo o que faço ao longo da minha vida e, portanto, também ajuda em casa. Tenho uma empregada e, se não tivesse essa ajuda, a organização e a energia que tenho, era impossível.
Alguns dos seus filhos também estão a seguir vidas profissionais relacionadas com a Saúde. Sente que foi pelo exemplo?
Sim, venho de uma família, e o meu marido também, em que o trabalho é uma prioridade. A responsabilidade, a generosidade, o empenho e a noção de esforço são naturais e, portanto, nós já crescemos com esta noção de que a vida não é um mar de flores, não nos cai no colo.
Nós temos de investir para que o nosso futuro seja o melhor possível e, portanto, ao longo do crescimento dos meus filhos, eu nunca fui uma mãe que estivesse em casa a tempo inteiro. Sempre trabalhei e os meus filhos sempre se depararam com essa realidade: os pais trabalhavam imenso, mas estavam presentes nos momentos que eram importantes.
Naturalmente, eles sempre tiveram liberdade para escolher o seu caminho, com sentido de responsabilidade, de dever e sabendo que a escola estava sempre em primeiro lugar.
Se pudesse voltar atrás, teria feito alguma coisa de diferente?
Nunca penso assim. Quando visto esta bata, fico tão contente! Se tivesse voltado atrás e tivesse optado por Matemática Aplicada, não teria conhecido o meu marido porque nos conhecemos na faculdade e o meu futuro teria sido completamente diferente.
Não é algo em que penso, acho que fiz as escolhas certas no momento certo e acho que não tenho deixado nada por fazer. Tudo conta para apreciarmos o que verdadeiramente vale a pena.
Consegue dizer qual foi o momento mais marcante na sua carreira?
Existem três de grande impacto. O momento da escolha da especialidade, porque eu gostava muito da Pediatria, mas sabia que ia tirar muito da minha energia. A Pediatria tem de facto esta característica, pelo menos da forma como eu a faço. Tenho uma disponibilidade total para os pais. Faço trabalho que é de consultório, mas depois há trabalho totalmente pro bono, que dura as vinte e quatro horas, de respostas a mensagens, prescrições, relatórios, tudo isso. Na altura tinha um gosto particular também pela Radiologia, mas escolhi com o coração, e o coração é a Pediatria.
Outro momento foi na altura em que eu já era mãe. Estava a fazer o internato nos cuidados intensivos da Estefânia e deparei-me com uma doença muito grave de um bebé que tinha exatamente a idade da minha filha. O bebé acabou por falecer e isso marcou-me definitivamente em relação à minha visão sobre a Pediatria, sobre ser mãe, sobre a perda e sobre o investimento em prevenção, porque era uma doença que era evitável pela vacinação.
Outro momento é quando saio da Pediatria hospitalar. No meio médico temos esta necessidade de estar em equipa porque a revolução na área da Medicina é constante. A saída para um gabinete leva-nos a largar essa segurança do grupo e isso pode ser um desafio. A minha vantagem é que eu sempre mantive uma boa relação com as pessoas com quem trabalhei e, portanto, sinto-me apoiada. Obviamente obriga-me a um trabalho de estudo muito grande em casa para conseguir estar sempre atualizada.
Qual é o legado que gostaria de deixar enquanto médica?
Uma das melhores coisas que pode acontecer é eu saber que tenho três adultos que eu segui e que estão a tirar Medicina, que querem seguir Pediatria e que me pediram para escrever as fitas de fim de curso. Então isso não é legado maravilhoso, eu ter a capacidade de influenciar de forma inesperada as crianças que eu acompanho?
Recebo mensagens amorosas em que as pessoas dizem que sentem que eu sou o anjo da guarda. Não mereço isso, só faço o meu trabalho, mas receber uma mensagem destas porque a mãe está aflita e eu consegui aliviar esse sofrimento... Acho que vou deixar, sobretudo para os pais, uma ideia de terem tido suporte na altura em que precisaram.