Torres Vedras

Carlos Capela

21.12.2024

Não é de Torres Vedras, mas foi aqui que se estabeleceu profissionalmente. É professor de Educação Física e desenvolveu um projeto de voleibol de âmbito escolar de grande sucesso, que tem levado o nome de Torres Vedras além-fronteiras. A revista municipal [Torres Vedras] está à conversa com o professor Carlos Capela.

 

Começando precisamente por Torres Vedras, como é que surgiu esta ligação ao nosso Concelho?

Eu sempre quis vir morar para a zona a Oeste. Desde miúdo, vinha à pesca com o meu pai para a Ericeira. Entretanto, fui colocado na Escola Básica de Maxial. Ainda lecionei cerca de 10 anos nessa escola e apaixonei-me pela região de Torres Vedras. Pedi transferência aqui para a Escola Secundária Madeira Torres, apesar de ser uma escola diferente, era uma escola que abria outras oportunidades.

 

E já são 20 anos lecionar em Torres Vedras…

Aqui no concelho de Torres Vedras, juntando o Maxial à Madeira Torres já são uns 24 anos.

 

Voltando um pouco atrás, o que o levou a optar pela carreira de professor?

Os meus pais contavam que desde muito cedo eu dizia que queria ser professor de Educação Física. Também tive um professor de Educação Física que acabou por ser uma referência para mim. […] Fiz a minha carreia de estudante toda como atleta de futebol e de voleibol. Comecei a dar alguns treinos de voleibol e de futebol a crianças ainda muito jovem. E foi aí que eu decidi que queria seguir a carreira de professor de Educação Física e de treinador.

 

Aqui em Torres Vedras, desenvolveu o projeto “Madeira Torres Voleibol”. Como é que surgiu este projeto?

Isso é uma história engraçada, porque eu vim parar à Madeira Torres na perspetiva de estar mais próximo da escola sede da coordenação local do Desporto Escolar do Oeste, que era a Escola Secundária Henriques Nogueira. Eu estava a trabalhar com o meu colega Augusto Aniceto e quando íamos acompanhando as várias atividades nas escolas aqui da região eu dizia-lhe sempre: “um desporto escolar bem trabalhado pode ser tão competitivo como o desporto federado”. E fizemos uma aposta: “eu estou com vontade e vou arrancar com o desporto escolar aqui na escola e vamos ver quanto tempo é que eu demoro a ser competitivo com equipas federadas”. Na altura, arranquei com uma equipa feminina e uma equipa masculina, mas tive que optar para conseguir dar mais horas e para ter mais espaço de trabalho aqui no pavilhão. Optei pelo feminino por razões que eu acho que são culturais em termos de evolução e eu sentia que as meninas eram muito trabalhadoras, muito focadas. […] As coisas foram desenvolvendo e passados três anos as nossas equipas ainda sem serem federadas já estavam a ser convidadas para torneios de federados porque as outras equipas achavam que nós estávamos filiados na Federação Portuguesa de Voleibol. A partir daí, cresceu mais do que eu estava à espera, estamos com uma dimensão grande, com muitas atletas. O mais difícil por vezes é aliar a quantidade à qualidade. É no fundo o maior desafio agora nesta fase, mas temos conseguido. Temos equipas muito fortes, com excelentes resultados, com atletas de seleção nacional.

 

E como é que foi evoluindo até aos dias de hoje?

Nós começamos só aqui com o projeto do Desporto Escolar. Entretanto, sentimos a necessidade de recrutar alunas. Felizmente, como também foi colocada cá a professora Susana Maia, possibilitou nós conseguirmos de uma forma mais massiva ir buscar meninos mais pequenos. A professora Susana Maia começou a coordenar a parte mais jovem projeto, que abrange 1.º e 2.º ciclo, essencialmente. A partir daí, experimentamos o projeto “Gira-Volei”, que é um projeto da Federação, mas que também está ligado ao Desporto Escolar, em todas as escolas do Agrupamento. Isso começou a trazer-nos muitas crianças para o nosso projeto. Na altura, a atual presidente, que era vereadora da Atividade Física e da Educação, e o professor Rodrigo Ramalho sugeriram que nós agarrássemos no “Gira-Volei” e correu bem. Estamos a trabalhar neste momento em São Mamede da Ventosa - já pertence a outro agrupamento, o que também foi positivo -, em São Pedro da Cadeira, em Póvoa de Penafirme e em Ramalhal, que são as escolas que têm complexos escolares mais recentes e com boas condições.

 

Ao longo destes 10 anos, são vários os títulos conquistados a nível nacional. Como é que consegue mobilizar as alunas para a prática desportiva de nível federado?

Isso é uma boa pergunta. Vou dar um exemplo para ser mais objetivo: quando nós vamos para torneios fora do país não vamos só para o torneio, nós tentamos ir uns dias mais cedo ou vir um dia mais tarde e damos a parte social e cultural. Elas têm de ir não só numa perspetiva de jogo, porque nós exigimos muito no momento dos jogos, pedimos muito foco e sentimos que tem que haver a outra parte também. E então possibilitamos a que as atletas tenham outra atividade para além do voleibol. […] Depois temos esse foco da competição, isso é uma das estratégias que nós utilizamos. Tentamos sempre variar ao máximo os treinos e em 20 e tal horas de treino, que deu só numa semana 9 treinos, conseguimos não fazer um único treino igual. Outra das estratégias que utilizamos e que resulta muito é a ausência de telemóveis. Nós sempre que vamos para fora elas só têm acesso aos telemóveis durante 10 a 15 minutos ao final do dia e, por vezes, se os jogos se atrasarem, os professores enviam para os grupos de WhatsApp dos pais a dizer: “está tudo bem, mas hoje não há telemóveis”. Os pais já estão habituados, ao princípio seria um choque, mas como elas vêm desde muito novinhas já é habitual.

 

Em 2024, a equipa de voleibol júnior feminina conquistou o seu primeiro título internacional, em Bucareste. O que é que significou esse momento?

Foi um feito muito grande, nós estamos a falar de um título internacional. Nós já tínhamos conquistado títulos nacionais, aliás a nível nacional tínhamos conquistado os títulos todos possíveis em diferentes escalões. Já tínhamos participado nestes jogos da FISEC [Federação Internacional de Desporto para Escolas Católicas] que são uns jogos de grande prestígio. Só para esclarecer: não são campeonatos do mundo, nem campeonatos europeus, são jogos que contemplam países de vários continentes. Participar já é muito bom, quer dizer que fomos campeões nacionais do Desporto Escolar. Participar e fazer uma boa prestação, é excelente. Ganhar foi uma conquista extraordinária, incrível. Este grupo trabalhou muito, foi um grupo muito focado. Nós tivemos equipas muito fortes, tivemos de jogar um voleibol mais intenso, mais elaborado, mais rápido. Com muita competência técnica conseguimos exceder as expectativas de muitas pessoas. […] É daqueles títulos que fica para a vida e fica aqui na história da Madeira Torres.

 

E para si, enquanto treinador?

O significado é grande. Ter conquistado praticamente todas as competições internas, da formação, e agora juntar um título internacional é importante em termos pessoais, mas para mim o mais importante é ver as minhas jogadoras a evoluir porque elas levam isto para a vida.

 

Enquanto professor, como é que olha para a relação que os jovens têm hoje com o desporto?

É boa, porque eles gostam e são ativos por natureza - cada vez menos, infelizmente. Mas não lhes são dadas as melhores condições para eles praticarem as atividades desportivas. A vida acaba por ser um corrupio numa fase em que eles deviam ter muito tempo para brincar, para eles. As crianças passam horas enfiadas no quarto, passam horas nos telemóveis, passam horas em frente à televisão. Brincar na rua, que é uma coisa super importante, hoje também é mais perigoso, sabemos isso… Mas tinha de haver essa oportunidade de brincarem na rua, saírem de casa, apanharem um bocadinho de sol. E hoje a atividade física está muito difícil, por isso a relação com as atividades desportivas na minha opinião não está saudável. Não por culpa deles, mas por culpa dos adultos e por culpa de quem tem vindo a governar a Europa e o mundo que tem permitido que eles fiquem fechados numa redoma digital.

 

E ao nível do Concelho, qual é a sua opinião sobre o panorama desportivo em Torres Vedras?

Nós temos aqui três clubes de grande cultura, que é o Torreense, a Física e o Sporting de Torres, são aqueles que eu sinto que têm mais peso pelo trabalho que têm feito, muito importante ao logo dos anos. […] Acho que a Madeira Torres em termos de conquistas e de espaço a nível internacional está num patamar muito alto aqui no Concelho, mas a nível de visibilidade ainda não é vista da mesma forma, como são vistos estes clubes, por ter o nome de uma escola. Há um preconceito, não é aqui em Torres Vedras, é a nível nacional. […] Se nós fossemos juntar todas as atletas que saíram daqui, que estão no ativo, ainda são muito jovens, nós teríamos uma equipa na primeira divisão nos melhores lugares, só com atletas provenientes do Madeira Torres Voleibol.

Última atualização: 13.01.2025 - 10:04 horas
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